Erramos: Na primeira versão desta reportagem, publicada na terça-feira (28), às 20h02, o valor do salário bruto dos vereadores de Vitória estava incorreto. O texto foi corrigido na quarta-feira, às 8h35. O salário bruto dos parlamentares da Capital é de R$ 8.966,27.
Enquanto no setor privado, com o agravamento da crise econômica causada pelo novo coronavírus, trabalhadores sofrem reduções salariais e demissões, vereadores e deputados do Espírito Santo tentam mostrar que o Legislativo pode "cortar na própria carne", com redução de salários ou outras despesas. Algumas propostas, no entanto, são controversas do ponto de vista legal. E ainda que sirvam como aceno simpático ao eleitorado, nem sempre vão à frente.
O projeto de lei 214/2020, proposto pelo deputado estadual Luciano Machado (Rede), deve ser votado ainda esta semana na Assembleia Legislativa. O texto prevê o corte de 30% do salário dos deputados durante um prazo inicial de três meses, que pode ser prorrogado pelo tempo que durar o estado de calamidade pública no Espírito Santo. O dinheiro economizado, de acordo com o texto, seria encaminhado para a Secretaria Estadual de Saúde. O salário bruto dos deputados estaduais, hoje, é de R$ 25.322, 25.
É hora de a classe política contribuir de uma forma que sirva de exemplo. Se nós cortarmos na própria carne podemos servir de referência para outras instituições e até para o Congresso, argumenta o deputado. Para ele, a medida também seria de prevenção, uma vez que, se a pandemia durar muitos meses, o próprio Estado pode se ver em dificuldades para pagar salários.
Na Câmara de Vitória, um projeto proposto pelo vereador Roberto Martins (Rede) seguia a mesma linha, propondo a redução de 30% dos vencimentos dos vereadores da Capital. O projeto, no entanto, foi arquivado em uma sessão realizada na última quinta-feira (23). O salário bruto dos vereadores de Vitória é de R$ 8.966,27.
Para criar leis e alterar o cenário, não basta que deputados e vereadores apresentem projetos. As ideias precisam ter base legal e não serem consideradas inconstitucionais. No caso da redução salarial de políticos, o assunto é delicado e levanta debates. Uma das questões que dificulta a discussão, de acordo com os especialistas, é que salários de prefeitos e deputados servem de teto remuneratório para servidores.
Reduzir os salários dos agentes políticos poderia, assim, significar em cortes automáticos para os servidores que recebem os salários mais altos. Mas a Constituição veda, via de regra, essa redução. É o princípio da irredutibilidade de vencimentos.
O especialista em Direito administrativo Diego Moraes acredita que a decisão de reduzir os salários de agentes públicos é inconstitucional e, portanto, só poderia ser feita com o aval do Congresso.
Além disso, em sua interpretação, a jurisprudência existente no Supremo para que Câmaras Municipais modifiquem salários de prefeitos, vice-prefeitos e vereadores diz respeito à próxima legislatura: Por exemplo: este ano temos eleições municipais. Antes das eleições, os vereadores podem reduzir os subsídios deles e do prefeito para o exercício seguinte. Quem for reeleito pegará a redução.
Já para o professor de Direito constitucional Caleb Salomão, antes de fazer a avaliação das propostas é preciso esclarecer o motivo pelo qual o princípio da irredutibilidade de vencimentos existe. A regra, de acordo com ele, foi feita para proteger servidores de possíveis perseguições políticas. Para Salomão, no entanto, nesse momento de crise, a regra poderia ser relativizada.
Esse argumento de que a redução não pode ser implementada porque haveria violação da cláusula pétrea não pode valer para momentos de crise em que o país pode ficar incapacitado de suprir o necessário para seus cidadãos. Quando ingressamos em uma zona de imprevisibilidade, tenho a ousadia de pensar que a cláusula deve, sim, ser relativizada, salienta.
O professor explica, ainda, que para reduzir os subsídios seria necessária uma emenda à lei orgânica que gere os municípios, invocando a crise econômica e demonstrando queda de receita. Como a medida poderia alterar o salário de outros servidores, o professor ressalta que, com certeza, haveria judicialização dos processos e, por isso, considera que seria uma solução muito mais fácil e efetiva começar o corte pelos cargos comissionados.
Outras possibilidades apontadas por especialistas seriam uma lei que autorizasse o repasse de um percentual do salário para ações relacionadas à pandemia, como defende o advogado Luiz Henrique Alochio, ou a criação de um fundo, por parte dos parlamentares, para o qual eles se comprometam a doar parte dos vencimentos.
Outros projetos que tramitam teriam uma aplicação mais simples. Na Câmara de Vitória, um projeto de resolução, de autoria de Roberto Martins, de 2019, que determina a redução do número de assessores nos gabinetes dos vereadores, de 15 para 10, e reduz a verba destinada aos gabinetes mensalmente para pagamento de pessoal (de R$ 36.645,56 para R$ 30 mil) entrou na pauta para votação.
Já o projeto apresentado pelo vereador Vinícius Simões (PPS) sugere o remanejamento de 10% do orçamento destinado à Câmara dos Vereadores para projetos da prefeitura relacionados ao combate ao coronavírus. Todo mês a prefeitura envia mais de R$ 2 milhões para a Câmara. O projeto prevê que 10% desse valor, fique com a prefeitura para ser utilizado em ações como doação de cestas básicas, compra de EPIs e outras questões relacionadas com a Covid-19, conta.
A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, no entanto, considerou a proposta inconstitucional, por prever alteração no Orçamento já aprovado, e o projeto foi devolvido ao autor nesta terça-feira (28).
Na Assembleia, o deputado Lorenzo Pazolini (Republicanos) protocolou um projeto que visa restringir os gastos com cartões corporativos em 30% da média dos últimos dois anos. O valor economizado seria destinado, também, para ações de combate à pandemia. Na justificativa do projeto, o deputado aponta que, em 2019, foram gastos mais de R$ 280 mil entre compras, pagamentos e saques nestes cartões.
Os especialistas avaliam que esses cortes e repasses, que não estão relacionados ao salário dos agentes políticos e servidores públicos, possuem embasamento legal e, por isso, são facilmente aplicáveis. É possível reduzir verbas de gabinete e de qualquer outra como auxílio saúde, alimentação e tantos outros, assegura Moraes.
Apesar de avaliar que essas medidas estejam dentro da legalidade, Raphael Abad aponta, ainda, uma outra possível contradição. Para o especialista, ao determinar que a verba economizada com as medidas sejam destinadas ao combate ao coronavírus, a lei orçamentária não está sendo respeitada: "Retirar a verba dos cartões corporativos pode ser possível, mas determinar para onde elas vão, sendo que já haviam sido destinadas para gastos específicos firmados em lei orçamentária anterior, não deveria ser possível", pontua. A solução, para Abad, poderia ser aumentar o orçamento destinado à Saúde.
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