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Sem Fundeb, municípios do Espírito Santo vão ficar no aperto

Sem Fundeb, municípios do Espírito Santo vão ficar no aperto

Prefeituras chegam a usar 90% do recurso para pagar professores. No Congresso, Câmara e Senado discutem alternativas para garantir o financiamento da educação básica brasileira

Publicado em 20 de julho de 2019 às 02:24

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Professores, pais, alunos. Independentemente de em qual dessas posições você se encaixe, este é o momento de ligar o alerta para uma questão que pode comprometer o avanço da educação no Espírito Santo e em todo o país.

Termina em 31 de dezembro de 2020 o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (o Fundeb), que até o final deste ano injetará R$ 153,6 bilhões em educação, sendo responsável por 63% de todos os recursos que vão para as escolas públicas do país, desde as creches até o ensino médio.

No Espírito Santo, o Fundo gerou um saldo de R$ 986,1 milhões para o caixa dos municípios em 2018. "Este seria aproximadamente o mesmo montante a ser perdido pelas prefeituras caso haja a extinção do Fundeb, além de termos de volta disparidades muito mais acentuadas no financiamento da educação entre os municípios", alerta a economista Tânia Villela.

Diante disso, especialistas e governos batem na tecla: sem o Fundo não há como as prefeituras manterem suas escolas abertas.

"Isso representaria um caos. Ele é um mecanismo de redistribuição de recursos para a educação entre os Estados e seus municípios. Isso significa que se o fundo termina, cerca de quatro mil municípios brasileiros não teriam condições de garantir a oferta educativa nos padrões atuais", preocupa-se a doutora em Políticas Educacionais e professora da Ufes, Gilda Cardoso de Araújo.

Criado de forma provisória por uma Emenda Constitucional em 2006, o Fundeb é, na verdade, uma cesta de impostos, na qual Estados e municípios contribuem, cada um, com 20% da receita total de certos tributos arrecadados, a exemplo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA).

DISTRIBUIÇÃO

Juntos, esses recursos dão origem a um fundo de âmbito estadual, cujo montante é dividido igualmente entre Estado e municípios, levando-se em conta o número de matrículas em cada local e suas especificidades. O presidente estadual da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Vilmar Lugão de Britto, pontua a relevância desse mecanismo.

"Há municípios hoje que já não conseguem pagar o piso nacional, estão com dificuldades de financiamento, de custeio. Mas, apesar de todas as dificuldades, o Fundeb é o que tem garantido uma maior equidade entre Estados e municípios. Sem ele, não conseguiremos alcançar as metas do Plano Nacional de Educação", pondera.

O Fundeb também conta com uma complementação da União para os Estados em que o valor repassado por aluno não atinge o mínimo estabelecido nacionalmente.Este ano, ele é de R$ 3,2 mil.

NO ESTADO

O Fundeb tem sido bastante favorável para os municípios do Espírito Santo. Em 2018, 69 das 78 cidades receberam de volta um valor maior do que injetaram no Fundo. Guarapari, por exemplo, enviou R$ 16,6 milhões, mas recebeu de volta R$ 73,6 milhões, isto é, quase R$ 60 milhões a mais.

Em função disso, o secretário de Estado da Educação, Vitor de Angelo, aponta a questão como prioridade.

"Muitos municípios não conseguem sobreviver sem o repasse de fundos. Com o fim do Fundeb, os Estados poderiam voluntariamente transferir esse dinheiro, mas diante do momento de crise que vivemos, é provável que não transfiram. É aí que começam a surgir as consequências negativas", disse.

Entre elas, pode estar a incapacidade das redes de ensino de manterem sua infraestrutura, assim como materiais didáticos e, principalmente, a remuneração dos professores.

CONSEQUÊNCIAS

Pelas regras, as prefeituras devem gastar um mínimo de 60% do dinheiro que recebem do Fundeb com a remuneração do magistério e outros 40% com manutenção das escolas e desenvolvimento do ensino. No entanto, algumas chegam a gastar mais de 90% de sua cota exclusivamente com o pagamento de professores. Este é o caso de 15 cidades do Espírito Santo, incluindo Vitória, Cariacica e Serra, de acordo com levantamento do Tribunal de Contas estadual referente a 2018.

A dependência dos municípios diante do recurso é o que leva o presidente da Associação dos Municípios do Estado (Amunes) e prefeito de Viana, Gilson Daniel (Podemos), a não acreditar que a medida chegue a ser extinta, de fato. Ao longo dos anos, o saldo do Fundo para as prefeituras vem aumentando e, em 2018, chegou a representar 8,5% da receita corrente líquida das cidades, em média. Em função disso, o presidente afirma:

"É impossível fazer educação sem o Fundeb. Mesmo melhorando a receita das cidades, elas não teriam como alcançar esses valores. Uma cidade como Cariacica, que tem muitos alunos, não daria conta".

Novo fundo é visto como única saída

Especialistas, ONGs e movimentos ligados à educação já chegaram a pelo menos um consenso: o de que é preciso estabelecer um novo fundo de financiamento para o ensino básico, mas desta vez de caráter permanente. Por outro lado, alguns pontos ainda são motivo de divergência. O principal deles diz respeito ao percentual de contribuição da União na cesta de recursos.

Em cifras, os 10% transferidos hoje pela União ao Fundeb – que são calculados com base no valor total arrecadado por Estados e municípios – , correspondem a R$ 14,3 bilhões. Em função disso, apenas nove Estados (Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco e Piauí) recebem a complementação.

Para os especialistas, quanto maior o percentual de contribuição, mais Estados poderiam ser contemplados.

"A contrapartida atual da União é um troco se a compararmos com o PIB nacional, que é algo em torno de R$ 1 trilhão. Pelo desenho federativo, são recursos que muitas vezes chegam à União através dos municípios e Estados. Ou seja, não são recursos da União", defende o secretário de Estado da Educação, Vitor de Angelo, que é membro do Conselho Nacional de secretários de Educação (Consed).

Vitor de Angelo é secretário de Estado da Educação. (Carlos Alberto Silva)

Mas as avaliações em relação ao percentual de aumento dessa contribuição variam. Para o Consed, em uma possível nova configuração, o aporte da União deve chegar ao mínimo de 30%. Já a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), assim como o Fórum de Governadores, defendem um aumento de até 40%.

"Defendemos que vá para 40%, sendo 20% no primeiro ano de vigência do plano e que ao longo de dez anos ele cresça 2% ao ano", explica Vilmar Lugão Brito, presidente da Undime no Espírito Santo.

MEC

Enquanto isso, o Ministério da Educação (MEC) já sinalizou a intenção de aplicar um valor bem menos ambicioso. Em reunião com parlamentares no mês de junho, o ministro da pasta, Abraham Weintraub, defendeu uma proposta de aumento de 15% do aporte da União, ou seja, apenas 5% a mais do que já é entregue atualmente.

O governo propõe que tal contribuição aumente em uma escala progressiva de um ponto percentual por ano, partindo do percentual mínimo de 10% no primeiro ano de vigência do novo fundo.

QUALIDADE

Mas, para a professora Gabriela Schneider, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), pensar em educação na perspectiva de melhorar padrões de qualidade requer mais investimentos. Gabriela é membro CAQ (Custo/Aluno/Qualidade), um projeto financiado pelo MEC, a partir do qual foram desenvolvidos cálculos para mostrar o quanto vale uma educação de qualidade.

Em parceria com a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a proposta do CAQ é que a União passe a contribuir com 40%.

"O Fundeb hoje não consegue garantir condições igualitárias na educação, inclusive para a remuneração de profissionais. Os valores de ponderação que são usados hoje não condizem com o custo aluno que a gente estabelece nas simulações. Por exemplo, o ensino médio tem um fator de ponderação maior que o da educação infantil, mas quando vamos olhar, o custo da educação infantil acaba saindo ainda mais alto", explica Gabriela.

De acordo com as simulações do CAQ, para o Espírito Santo, o valor médio ideal de custo de um aluno seria de R$ 8,1 mil. Hoje, o valor do Fundeb para ensino fundamental parcial está em R$ 3,4 mil.

"A grande defesa é que os valores aluno/ano sejam definidos a partir das necessidades da educação, o que implicaria em uma mudança na lógica de pensar o financiamento. É sair da discussão do quanto temos para o quanto realmente é necessário", diz.

NÚMEROS DO FUNDEB NO ESTADO

Saldo do Fundeb

No Espírito Santo

Como o dinheiro do Fundeb é distribuído igualmente entre Estados e municípios, muitas prefeituras recebem mais do que injetam nele.

Superávit

Em 2018, o superávit de arrecadação das prefeituras chegou a R$ 986,1 milhões.

Região

Metropolitana

Somente na Região Metropolitana da Grande Vitória (Cariacica, Guarapari, Serra, Viana, Vila Velha e Vitória), o superávit foi de R$ 509,1 milhões.

Destaques

Um destaque vai para Guarapari, que em 2018 injetou R$ 16,6 milhões no fundo e recebeu de volta R$ 73,6 milhões. Ou seja, quase 60 milhões a mais. Vila Velha, que contribuiu com R$ 54,1 mil, recebeu em troca R$ 190,9 mil.

Interior

Mas os municípios do interior também arrecadam bastante. Colatina, por exemplo, injetou R$ 22,3 milhões e ganhou R$ 55 milhões. Já São Mateus, que deu R$ 20,1 milhões, acabou ficando com R$ 68 milhões. Cachoeiro de Itapemirim deu R$ 36,6 milhões e recebeu R$ 77,8 milhões.

Gastos com pagamento

Regras

Pelas regras do Fundeb, as prefeituras devem gastar o mínimo de 60% do que recebem do Fundeb com pagamento dos professores. Os outros 40% ficam para ações de manutenção e desenvolvimento da educação básica.

Porém...

No entanto, muitos municípios acabam gastando quase tudo somente com o pagamento do magistério.

15 municípios

Gastaram mais de 90% do recurso do Fundeb pagar professores em 2018, de acordo com dados do Tribunal de Contas. Entre eles, estão: Cariacica (91,1%); Vitória (98,8%), Serra (94,3%), Muniz Freire (119,76%) e Marataízes (99,3%).

50 municípios

Gastaram entre 70% e 90% de seus recursos do Fundeb com pagamento de professores.

Exemplos

São Gabriel da Palha (79,34%); Pinheiros (79,42%); Domingos Martins (85%); Alegre (85,01%); Colatina (84,42%), Marilândia (78,56%), Ibiraçu (86,18%) e São Mateus (83,02%).

Congresso discute nova proposta

É do Congresso Nacional que sairá a decisão sobre qual será o destino do financiamento da educação básica brasileira. Para transformar o atual Fundeb em um fundo permanente, garantido pela Constituição Federal, propostas de emendas constitucionais (PECs) com conteúdos relativamente semelhantes tramitam na Câmara e no Senado.

Plenário da Câmara dos Deputados: discussão ficou para depois do recesso. (Luis Macedo/Câmara dos Deputados)

Sob relatoria da professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO), a PEC 15/2015 da Câmara dos Deputados é a mais avançada e há possibilidade de que o relatório final seja apresentado após o fim do recesso parlamentar, que vai até 1º de agosto. Dorinha já adiantou que vai sugerir um aumento do aporte da União para 30%, com prazo de dez anos para implantação.

A proposta é discutida em uma comissão especial da qual o deputado Felipe Rigoni (PSB) é membro. Na visão do socialista, um aumento de 10% para 15% de participação da União já seria significativo. À medida em que os resultados fossem avaliados, o valor do repasse poderia aumentar.

Já nas propostas do Senado, os valores divergem: enquanto a PEC 33/2019 defende que a complementação chegue a 30% em três anos, a PEC 65/2019 defende que ela chegue a 40% em 11 anos.

Rigoni já propôs, com a deputada Tabata Amaral (PDT-SP), uma emenda à proposição inicial da Câmara que toca em outro ponto sensível do debate em relação ao Fundeb.

"Hoje os municípios recebem o valor do Fundeb não só de acordo com o número de alunos, mas também com a renda do Estado ao qual pertencem. Por isso, municípios pobres de Estados ricos acabam sendo prejudicados", explica ele, antes de apontar sua proposta:

"Pretendemos mudar o cálculo para que ele seja feito com base na renda média do município", pontua o deputado, que também sugere que os dados do novo fundo sejam disponibilizados em uma plataforma nacional de transparência para que a qualidade dos gastos seja melhor avaliada.

BASE DE CÁLCULO

A ideia de ajustar a base de cálculo do fundo é aprovada pelo Secretário de Estado da Educação, Vitor de Angelo. "Na minha opinião, seria mais justo", disse.

Após ser votada pela Comissão Especial, a PEC 15/2015 deve ir ao plenário da Câmara e, se aprovada, seguirá para o Senado. No que depender da maioria da bancada federal capixaba, ela possui grandes chances de passar. O deputado Josias da Vitória (PPS), que a lidera, resume:

"Não há dúvidas de que o Fundeb é essencial para a manutenção da educação básica e é importante transformar o Fundeb em instrumento permanente de financiamento da educação pública".

Amaro Neto (PRB) classifica como "urgente" a análise da proposta na Câmara. E, de fato, ela é. Tendo em vista que os valores do Fundeb são calculados com base no número de matrículas do ano anterior, todas essas questões já deverão estar definidas antes de 2021.

"Acabar com o Fundeb seria extremamente prejudicial para a educação brasileira. Também vejo a necessidade de aumentar a participação da União no fundo, que hoje é de apenas 10%", disse Amaro.

O senador Fabiano Contarato (Rede), segue a mesma linha. "Como educador há mais de 20 anos sou inteiramente a favor do Fundeb e que ele se torne permanente em nosso país. A educação é um direito social previsto no Art. 6º, caput, da Constituição Federal e seu efetivo cumprimento constitui um dos maiores anseios da população".

ANÁLISE

Debate deve ser aprimorado

Tânia Villela, economista

O Fundeb poderia ser aprimorado, mas no âmbito de uma discussão mais ampla sobre o federalismo fiscal brasileiro, uma vez que as desigualdades entre os municípios com relação à capacidade financeira para manter o ensino básico também têm por causa uma distribuição ruim dos recursos entre os entes federados. Essa questão sim é que deveria receber muita atenção, principalmente agora quando a reforma tributária está sendo discutida. Não adianta muito ter um Fundeb que reduz as desigualdades, se temos um sistema de repartição de receitas na Federação que as aprofunda sistematicamente. Além disso, deve ser considerado que são grandes as chances da reforma tributária trazer a unificação de impostos que fazem parte do Fundeb como o ICMS com o IPI e outros tributos. Também poderá ocorrer modificações no Imposto de Renda, cuja parcela de 49% é destinada aos fundos constitucionais dos municípios e dos Estados (FPM e FPE) e dos quais 20% são destinados ao Fundeb.

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