O senador Marcos do Val (Podemos), membro suplente da CPI da Covid-19, é apontado como integrante do “gabinete paralelo” do governo federal na divulgação do "tratamento precoce" para a doença provocada pelo coronavírus. A informação foi publicada nesta quinta-feira (07) pelo portal The Intercept Brasil. A reportagem mostra que ele orientou o uso de medicamentos e políticas públicas inúteis contra a doença.
As orientações estão em um vídeo obtido pelo portal de um “encontro nacional” com médicos de “27 estados”, promovido pelo empresário bolsonarista Carlos Wizard, no qual o senador foi apresentado como o “padrinho político” da iniciativa. A reunião foi realizada no dia 28 de junho do ano passado. Veja:
No vídeo, Do Val relata que transita bem em algumas searas da política, inclusive no Gabinete da Presidência da República. Informa que já vinha trabalhando com várias autoridades e setores para que os medicamentos do "kit covid" fossem adotados como tratamento precoce. E menciona conversas com as Forças Armadas, governadores, prefeitos, o Ministério Público e a Anvisa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, acionada por ele para garantir o funcionamento de uma fábrica de cloroquina.
O senador afirma que conseguiu junto as Forças Armadas que disponibilizassem o Exército no Estado para armazenar a medicação e fazer a distribuição dos medicamentos que ele teria conseguido. "Consegui recursos do Ministério da Saúde para compra de 200 mil kits para os mais de 4 milhões de moradores, mesmo o governador sendo contrário a proposta", disse.
Do Val informa aos médicos no vídeo: “Estou aqui não só como padrinho, mas como ponta de lança para entrar onde vocês vão ter dificuldade”. E acrescenta: “Até peço: não entre na seara política, que é muito complicada. Pode contar comigo que vou estar na neutralidade, não quero e não vou fazer publicidade disso. Para mim, fazer publicidade disso é um crime”.
Em outra parte ele diz: “Precisamos indicar (tratamento precoce) para o máximo de pessoas. Não tenho dúvidas de que, naturalmente, vamos mudar o cenário e é questão de tempo e o tratamento inicial vai ser uma das grandes soluções”.
Em junho deste ano, um ano após o encontro com os médicos, Marcos do Val se contradisse durante sessão da CPI da Covid, ao dizer que foi contatado pelo empresário Carlos Wizard para participar de uma live com um grupo de médicos, entre eles Nise Yamaguchi, para falar sobre o "tratamento precoce" contra a doença provocada pelo coronavírus. Mas não fez menção ao vídeo onde orienta sobre a divulgação dos medicamentos.
O convite, segundo o parlamentar, foi feito logo após ele fazer propaganda dos medicamentos – que tem ineficácia comprovada contra a Covid-19 – no ano passado, quando foi infectado pelo vírus.
"Dias depois, eu fui contatado pelo Carlos Wizard dizendo que tinha um grupo de médicos que estavam estudando essas medicações, a Nise Yamaguchi, dentre outros, e se eu gostaria de conversar com eles, de fazer uma live para eles explicarem que pesquisas eram essas e como eram utilizados esses medicamentos", afirmou Marcos do Val à CPI da Covid. Veja o vídeo:
Carlos Wizard e Nise Yamaguchi são apontados como integrantes do chamado "gabinete paralelo" que teria feito aconselhamento médico e técnico a Bolsonaro durante a pandemia, principalmente no que se refere ao uso de medicamentos como a hidroxicloroquina, que é ineficaz contra a Covid-19.
A operação desse grupo, que municiou Bolsonaro com estratégias contrárias à ciência, é investigada pela CPI da Covid e foi um dos motivos de o empresário ter sido convocado para prestar depoimento. Na maior parte do tempo, Wizard optou por não responder às perguntas, recorrendo "direito de ficar em silêncio", como repetiu.
Estudos da Organização Mundial da Saúde e da Universidade de Oxford, na Inglaterra apontam que o kit covid - com medicamentos como a cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina -, é ineficaz contra o vírus.
A SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) divulgou nota, em maio deste ano, informando que os medicamentos citados têm sua ineficácia comprovada para o tratamento da Covid-19. Informou que baseava suas orientações em estudos promovidos pela Organização Mundial da Saúde, Sociedade Norte-Americana de Doenças Infecciosas, Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, Sistema Nacional de Saúde do Reino Unido e Sociedade Europeia de Microbiologia Clínica e Doenças Infecciosas.
Por nota o senador informou que “nunca atuou em qualquer iniciativa para influenciar, de forma clandestina, políticas públicas de competência do Ministério da Saúde”.
Em sua nota, o senador informa que defendeu o tratamento precoce, com cloroquina "no momento inicial da pandemia". Porém, em maio deste ano, ele chegou a ser advertido pelo presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz (PSD-AM), por recomendar uso de medicamento sem eficácia.
"Esclareço, ante a publicação da reportagem “O Padrinho” pelo site The Intercept Brasil, que nunca participei de gabinete paralelo da Presidência da República, nem atuei no exercício do mandato de Senador da República de qualquer iniciativa para influenciar, de forma clandestina, políticas públicas de competência do Ministério da Saúde. A reunião que o Intercept anuncia como secreta e cujo vídeo teria sido obtido por vazamento aconteceu no dia 28 de junho de 2020. As gravações das reuniões consecutivas, que contaram com a participação de ainda mais médicos brasileiros e estrangeiros, estão disponíveis em minhas redes - fato que poderia ter sido averiguado por simples apuração jornalística. Isso consequentemente evitaria que o veículo, com tantos serviços prestados à informação da sociedade, incorresse em divulgação de fakenews. A defesa que fiz do tratamento precoce foi pública, no momento inicial da pandemia da Covid-19, como prova a documentação e vídeos enviados ao The Intercept Brasil e em representação democrática de segmentos da sociedade brasileira em defesa dos direitos constitucionais à saúde de todos. Àquela época, lidávamos com uma doença completamente desconhecida. Não havia vacina e as pesquisas sobre tratamentos da Covid-19 ainda estavam em estágio inicial. De boa-fé, atuei por força de meu Mandato para maximizar a saúde e o bem-estar de todos em meio à maior crise sanitária da história do país. Trabalhei junto a órgãos estaduais e municipais para viabilizar medicação para tratamento precoce unicamente aos municípios solicitantes, e todo o meu trabalho foi acompanhado pelo Ministério Público do Espírito Santo. A partir do momento em que os imunizantes passaram a ser desenvolvidos e se mostraram eficazes, iniciei um vasto trabalho de suporte para que chegassem rapidamente ao maior número de brasileiros - posição claramente divergente a do grupo de apoio do Presidente da República. Ademais, vale ressaltar que nunca estive em qualquer reunião oficial com o Presidente da República no Palácio do Planalto, seja para tratar de assuntos referentes ao exercício do meu mandato parlamentar, nem tão pouco para tratar sobre a pandemia da Covid-19.”
* Com informações do The Intercept
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