Os senadores que representam o Espírito Santo criticaram, nesta terça-feira (13), as declarações do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), ditas ao senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) em uma ligação que foi divulgada no último domingo (11) pelo senador goiano em suas redes sociais. No diálogo, o presidente insulta o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que propôs a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar a atuação do governo federal no enfrentamento à pandemia de Covid-19, e pede que Kajuru pressione o Supremo Tribunal Federal (STF) com pedidos de impeachment contra os ministros da Corte.
Os parlamentares, no entanto, divergem quanto à necessidade de incluir a investigação da conduta de governadores e prefeitos no objetivo central da CPI, que até então se restringiria ao governo federal. Fabiano Contarato (Rede) e Rose de Freitas (MDB), que assinam o requerimento de criação da CPI com Randolfe Rodrigues, acreditam que as apurações de denúncias relacionadas aos chefes de Executivos estaduais e municipais devem ser feitas, mas que as Assembleias Legislativas estaduais e as Câmaras Municipais têm que assumir as diligências.
Já Marcos do Val (Podemos) avalia que uma investigação que apure também as autoridades estaduais e municipais vai impedir que a CPI se torne um "palanque para a oposição".
A gravação do diálogo entre Bolsonaro e Kajuru é, de acordo com Contarato e Rose, uma tentativa de criar uma "cortina de fumaça" para tirar o foco da CPI e de uma possível responsabilização do presidente. "Para mim, é uma cortina de fumaça que o presidente utiliza para mandar um recado ao Supremo. É uma conversa ensaiada. Ele queria constranger e coagir os ministros e utilizou esse mecanismo antiético e criminoso", apontou o redista.
A tentativa, no entanto, é vã, aos olhos de Rose de Freitas. "Me parece aquela velha história da cortina de fumaça, mas todo mundo está vendo. O Brasil inteiro está falando dessa CPI e eles acham que uma ameaça de processo contra ministro ou 'porrada na cara' do outro senador vai tirar o foco? Isso é bobeira", afirmou Rose.
Próximo da família Bolsonaro e parte do grupo Muda Senado, do qual Kajuru também faz parte, Marcos do Val tem outra visão. Ele acredita que o presidente não sabia da gravação e que a divulgação da conversa era interesse de Kajuru para "mostrar ao seu eleitorado, que o estava atacando nas redes sociais por ter assinado o pedido da CPI, que estava ao lado de Bolsonaro, que era parceiro dele". Do Val concorda, no entanto, que as falas do presidente foram "infelizes".
"Como presidente da República acho que foram falas infelizes, mas quando pensamos no Bolsonaro desde a época que era deputado federal vemos que ele é assim. Fala as coisas que não deveria falar, polêmico, é o jeito dele. Ele poderia pensar que agora é presidente da República e tem que maneirar, mas ele não faz isso", analisou.
Além de xingar o senador amapauense, na ligação gravada o presidente fala, ainda, em "sair na porrada" com o parlamentar, o que foi encarado como um ato "até criminoso" por Contarato. "Vejo com bastante gravidade. Para mim, é mais um crime. Quando ele chama um membro do Senado Federal para a briga, ele está violando a lei de crime de responsabilidade, que estabelece como crime o uso de violência ou ameaça contra representantes dos Poderes", afirmou.
Para a senadora emedebista, a situação é "tão esdrúxula" que é preferível não emitir um posicionamento. Acredita, contudo, que ambos sabiam da gravação. "Eu acho que todos os dois sabiam da gravação. Não quero emitir nenhum posicionamento sobre isso, porque é a coisa mais esdrúxula que já vi. O senador e o presidente se prestarem a isso. Não tem nem sentido ameaçar alguém do Supremo, ameaçar alguém do Senado, qualquer ameaça é o subtítulo da falta de diálogo e respeito. Se dialogar, mostra respeito. Eu achei inacreditável, por parte dos dois. Não acho que tenha ingenuidade e nenhum descuido ardiloso."
Uma das tentativas de Bolsonaro de amenizar os danos causados pela instalação da CPI, que deve acontecer ainda nesta terça-feira, é a de incorporar à investigação a atuação de governadores e prefeitos. Até o momento, o requerimento protocolado por Randolfe Rodrigues e assinado por outros 31 senadores tem como objeto de apuração a atuação do governo federal, especialmente em episódios como o do colapso da saúde em Manaus.
O assunto foi recorrente na ligação entre Bolsonaro e Kajuru, que fez questão de reafirmar diversas vezes para o presidente que é a favor de incluir os outros gestores na apuração. "Kajuru, se não mudar o objetivo da CPI, ela vai só vir para cima de mim", diz Bolsonaro em um trecho da ligação. Mesmo com o senador garantindo que os governadores serão ouvidos, o mandatário insistiu. "Se mudar a amplitude, tudo bem, mas se não mudar, a CPI vai simplesmente ouvir o Pazuello, ouvir gente nossa para fazer um relatório 'sacana'", afirmou.
Para os senadores capixabas, as denúncias sobre a conduta de governos estaduais e municipais devem ser apuradas. Os parlamentares divergem, no entanto, quanto à inclusão dessa apuração no objeto da CPI em questão. Para Contarato, ao tentar mudar o propósito do colegiado, o presidente estaria, na verdade, tentando inviabilizar o trabalho de investigação.
"Compete às Assembleias Legislativas de cada Estado apurarem a conduta dos governadores. Quem sustenta que tem que incluir governadores e prefeitos é irresponsável, porque vai se tornar uma grande 'pizza'. Como uma CPI vai conseguir apurar o comportamento de todos os governadores e prefeitos, além do presidente? Governadores e prefeitos que cometem irregularidades têm que ser responsabilizados civil, penal e administrativamente, mas a via adequada é a Assembleia Legislativa. A via para apurar o presidente é o Senado", assinalou.
Rose Freitas não vê problema em incluir os governantes, desde que esteja dentro do escopo legal da CPI no Senado. A emedebista pontua, no entanto, que quer ver a possibilidade de os Estados receberem as denúncias e tomarem a frente das diligências. "Havendo fundamento e denúncia que possa ser comprovada, a única dúvida que tenho é se a CPI pode apurar as denúncias dos Estados e municípios e pedir que as diligências sejam feitas pelos Estados. Vou estudar sobre isso antes da sessão. Mas se for cabível, não vejo nenhum problema. Tudo que deixou de ser feito tendo condições de fazer precisa ser apurado", disse.
Já Marcos do Val acredita que o colegiado deverá apurar também governadores e prefeitos. O senador não assinou o pedido de abertura de CPI para investigação do governo federal por considerar a iniciativa "discurso populista", mas mudou de posição diante de um requerimento de CPI que investigue os Executivos locais.
Do Val afirmou que não acredita que CPIs dão frutos e ressaltou que "todos os senadores falam que é desperdício de tempo, dinheiro e foco". Além disso, um colegiado que investigasse apenas o governo federal, para o parlamentar, seria parte de um "discurso populista" e serviria de "palanque para a oposição". Se incluir Estados e municípios, no entanto, segundo ele, a apuração vai abranger mais partidos e políticos.
"O pedido de Randolfe era e é populista com a intenção [de interferir] nas eleições de 2022, ele é oposição. Eu falei 'eu já não acredito que uma CPI dá resultado, vai gastar tempo e dar palanque político para oposição, não vou assinar'. Se incluir governadores e prefeitos, envolve todos os partidos e não tem oposição ou situação, então eu concordo de fazer o movimento, já que o STF definiu que tem que ter, que tenha pegando Estados e municípios", afirmou.
Nas redes sociais, Do Val fez uma publicação em que diz ter assinado "em respeito ao dinheiro público e à vida de todos os brasileiros" o requerimento de criação de CPI do senador Eduardo Girão (Podemos-CE) para investigar "desvios de recursos cometidos durante a pandemia no que tange a União, Estados e municípios".
O trecho da ligação em que Bolsonaro pressiona Kajuru para cobrar do Supremo a apreciação de pedidos de impeachment de ministros da Corte faz parte da "cortina de fumaça" apontada pelos dois parlamentares capixabas. Não é a primeira vez que Bolsonaro incita a tensão entre seus apoiadores e o STF. O presidente já criticou, anteriormente, ministros que conduzem casos envolvendo o governo e os filhos dele, como Alexandre de Moraes, sobre o inquérito que apura a rede de produção e disseminação de informações falsas e ataques à democracia que partem de apoiadores do mandatário.
Desde que o ministro Luís Roberto Barroso determinou que Pacheco iniciasse os trabalhos para a instalação da CPI, uma vez que o requerimento cumpria todos os requisitos estipulados pela Constituição Federal, Bolsonaro tem reagido de forma enérgica. Primeiro, afirmou que faltava ao ministro do Supremo "coragem moral" e sobrava "militância política".
Para Kajuru, o presidente falou em pressionar para que sejam analisados pedidos de impeachment dos ministros como uma forma de "fazer do limão uma limonada". No entendimento de Bolsonaro, a pressão faria com que o Supremo recuasse. "Acho que o que vai acontecer, eles vão ponderar tudo. Não tem CPI nem tem investigação do Supremo", disse o presidente na conversa gravada.
As ameaças não foram bem vistas pelos parlamentares capixabas. Contarato apelou para a necessidade de fortalecer as instituições democráticas. "Nós temos que fortalecer as instituições. O que o STF tem feito é ser guardião da Constituição, se não fosse isso, não teríamos a estabilidade que estamos tendo. Ele, claro, está utilizando o senso comum da população, na psicologia de multidão, para angariar um fortalecimento do seu discurso como se justificasse a prática de todos os crimes", opinou.
Autor de uma proposta que quer acabar com as decisões monocráticas vindas dos ministros do Supremo, que são decisões provisórias tomadas por um ministro até que o caso seja levado para análise de todos os membros da Corte, Do Val aponta que, em sua opinião, os senadores não poderão mais reclamar de interferências do Judiciário.
"Outra crítica que fazem, e eu entendo que não podemos mais fazer, é que o STF interfere. O STF só interfere quando é provocado. Os mesmos senadores que reclamam que o STF interfere são os que batem na porta pedindo que eles intercedam", disse.
Os três senadores acreditam que a leitura do requerimento será feita na sessão desta terça-feira, para que os partidos e os blocos partidários indiquem os membros da comissão. Os integrantes do colegiado terão 90 dias para ouvir as autoridades e preparar um relatório, que poderá ser entregue para o Ministério Público e para a Polícia Federal para responsabilização judicial dos envolvidos.
O que pode atrasar o processo, ressalta Rose de Freitas, são os partidos, caso não indiquem os membros. "Mas, nesse caso, volta a situação anterior. Pela lei, se os partidos não indicarem [os integrantes], o presidente do Senado tem que indicar. E, se ele não indicá-los, pode ser obrigado novamente pelo STF."
"Manobras podem ser feitas, mas a ponto de ignorar o que diz a Constituição sobre a CPI não pode. A CPI vai ser instaurada porque é isso que determina a Constituição", finalizou a parlamentar.
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