Enquanto o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) volta aos velhos hábitos ao provocar aglomerações e não usar máscara em meio à pandemia de Covid-19, a CPI que deve investigar ações e omissões, entre outros, do governo federal deve ser instalada nesta terça-feira (27). Os senadores do Espírito Santo dividem-se ao avaliar os possíveis resultados da apuração e também quanto à postura do presidente da República.
Fabiano Contarato (Rede) vê o colegiado com bons olhos e está otimista com a apuração, Marcos do Val (Podemos) descreve uma comissão "enfraquecida" pela formação do grupo e acredita que os trabalhos vão se transformar numa espécie de palanque eleitoral para parlamentares que pretendem concorrer ao governo dos Estados e até mesmo à presidência em 2022.
Contarato faz oposição ao governo Bolsonaro. O parlamentar está deixando a Rede e tem grandes chances de se filiar ao PT. Já Marcos Do Val – que ocupa una vaga de suplente na CPI da Covid – mantém um mandato mais pautado no conservadorismo e em bandeiras bolsonaristas.
A emedebista Rose de Freitas, que também assinou o pedido para a criação CPI e apoiou a formação do colegiado, não atendeu às ligações da reportagem.
Os senadores comentam, ainda, as mudanças recentes no comportamento de Bolsonaro. Principalmente após o ex-presidente Lula (PT) retornar ao cenário eleitoral de 2022, o mandatário mudou o tom e começou a respeitar protocolos de saúde, como o uso de máscara, e a defender a vacinação. Com a aproximação da instalação da CPI, no entanto, voltou a se posicionar de forma negacionista e foi visto novamente sem o equipamento de proteção e em meio a aglomerações. Para os senadores, a mudança demonstra quem Bolsonaro "realmente é". Eles adotam, no entanto, tons diferentes ao avaliar o chefe do Executivo.
Inicialmente, quando foi proposta em fevereiro, a CPI teria como objetivo apenas as ações e possíveis omissões do governo federal durante o combate à pandemia de Covid-19. Durante a criação do colegiado, no entanto, agradando a Bolsonaro e aos senadores da base governista, foram incluídos como objetos de investigação também governos estaduais e prefeituras.
Contarato era contra a inclusão das esferas estaduais e municipais na CPI, por defender que a apuração nesses casos deveria ser feita nos Estados. Ainda assim, está otimista com os trabalhos do colegiado.
"Vejo com bons olhos a composição final, com governistas como minoria. Estou otimista no sentido de que a CPI vai apurar de forma cabal a responsabilidade de quem agiu ou se omitiu diante da pandemia. O país está se debruçando em cima disso. Vamos cobrar que o colegiado jogue luz aos fatos", avalia.
O resultado, para o senador, será a prova de que tanto Bolsonaro quanto seus ministros são responsáveis pelo cenário catastrófico da pandemia, que já levou a vida de mais de 390 mil brasileiros.
"Estamos passando por um momento muito complicado, temos uma crise sanitária em que o presidente viola sistematicamente as orientações das autoridades sanitárias, ele é negacionista com a ciência, recusou a aquisição de 70 milhões de doses de vacina em meio à pandemia e promove medicações sem comprovação. O governo queria pulverizar ao emplacar governadores e prefeitos. Claro que deve apurar essas verbas que foram para os Estados, mas isso não exclui a responsabilidade do governo federal", sustenta.
Integrante da comissão, Marcos Do Val discorda do redista. O senador não havia assinado o primeiro pedido de CPI, quando contemplava apenas a investigação de ações do governo federal. Na época, disse que a CPI estava politizada e seria um "discurso populista". Quando seu colega de partido Eduardo Girão (Podemos-CE) fez um pedido para criação de uma comissão que investigasse governadores e prefeitos, Do Val endossou e divulgou em suas redes sociais que fazia "em respeito ao dinheiro público".
Em seu primeiro mandato eletivo, Do Val afirma que desde que chegou ao Senado escuta que CPIs não dão frutos e, antes, são "desperdício de tempo e dinheiro". Com a comissão completa, o parlamentar aponta uma CPI que "começa enfraquecida" pelos membros que a compõem e que deve se tornar um "palanque eleitoral" para senadores que vão concorrer em 2022.
"Se vai ter efetividade? Alguma coisa deve sair. Se balança a árvore, algo cai. Mas não da forma como deveria ser, com senadores imparciais, com objetivo de levantar as verbas que foram desviadas. Acho isso por causa da formação. O relator (Calheiros) por si só foi meu embate desde o início, na minha posse eu já havia dito que ele era uma vergonha. Colocar ele foi um grande tiro no pé", assinala.
Enquanto Contarato acredita que o colegiado vai encontrar evidências da responsabilidade dos membros do governo federal, Do Val acredita que as investigações vão ter foco nos Estados, principalmente porque terão a participação de senadores que querem concorrer ao governo em seus Estados.
A mudança do discurso de Bolsonaro, que passou a usar máscara e a usar a vacina como bandeira do governo federal – embora não tenha se vacinado –, não durou muito. Mesmo às vésperas da instalação da CPI, o mandatário viajou com o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e foi visto provocando aglomerações, sem usar máscara, retornando ao seu posicionamento negacionista.
A postura, aos olhos dos parlamentares capixabas, não se trata de uma tentativa de insuflar seguidores, mas apenas um retorno do presidente ao seu comportamento natural. "Bolsonaro não é estrategista. Tudo que ele pensa, fala e faz não tem esse pensamento elaborado por trás. Ele simplesmente voltou a ser o que ele é. Ele aposta muito que a transparência dele, esse jeito sincero de ser, vai fortalecer o governo", opina Do Val.
Para o parlamentar, a postura combina com o fato de que Bolsonaro não está preocupado com a CPI. "O presidente não está muito preocupado, aliás deveria estar, mas não está. Está apostando todas as fichas que os problemas vão estar nos governos estaduais e municipais. Apesar de que os trabalhos vão começar no governo federal, ele está sendo preparado para responder quando for questionado, por exemplo, sobre a verba gasta na compra de kits covid", pontua.
Para Contarato, o período em que passou de máscara representou um "aceno" do presidente, principalmente diante da escalada de mortes e da queda de popularidade. Mas ele não conseguiu "sustentar o personagem". "Independentemente do comportamento dele, nada vai apagar o que ele fez por ação ou omissão. O objetivo é esse. Ele não se contém, faz por algum tempo um aceno à ciência, mas depois ele volta ao que ele realmente é", aponta.
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