O novo coronavírus ainda não chegou no seu pico de contágio previsto para o início de maio mas está fazendo os municípios da região metropolitana da Grande Vitória terem que colocar a mão no bolso para se preparar para a pandemia. Levantamento realizado pelas prefeituras a pedido de A Gazeta mostra que já foram utilizados R$ 17 milhões de recursos próprios municipais no combate à Covid-19, que chegou ao Espírito Santo no início de março. O montante não soma o gasto com a doença em Vila Velha, epicentro da pandemia, que não divulgou os valores.
Se somados os recursos que os municípios receberam do governo estadual e federal para lidar com o vírus, o investimento chega a R$ 20,6 milhões nas três cidades.
Entre os principais gastos estão a compra de equipamentos de proteção individual (EPIs) para profissionais da saúde; contratação de médicos temporários para as unidades de saúde; compra de cestas básicas e limpeza especial em locais de maior aglomeração, como pontos de ônibus.
Todos os quatro municípios da Grande Vitória já declararam situação de calamidade pública, o que os permite contratar sem licitação; suspender o limite de 60% com gastos com pessoal em relação à receita corrente líquida; e se endividar, com empréstimos e financiamentos, acima dos 120% da receita anual, que é o que limita a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
O Ministério Público do Espírito Santo (MPES) recomendou que os municípios lancem em seus portais da transparência o quanto vão gastar com contratações sem licitação. O Tribunal de Contas do Estado (TCES) lançou um hotsite para tirar dúvidas de gestores durante o período de calamidade.
"É um período perigoso, com risco considerável de atos ilícitos, já que os processos de compra foram flexibilizados", lembra o secretário-geral de Controle Externo do TCES, Rodrigo Lubiana.
A Serra, que tem a maior população do Espírito Santo 517 mil habitantes , é o município que mais investiu com recursos próprios, entre os três, com R$ 10 milhões que saíram do cofre municipal. De acordo com a prefeitura, foram R$ 7,9 milhões de investimento na Saúde, com a compra de EPIs e reforço da equipe médica, além de R$ 2,1 milhões na Assistência Social, para aquisição de cestas básicas (R$ 800 mil); acolhimento da população de rua (R$ 700 mil) e auxílio funerário (R$ 600 mil), que é pago para pessoas que não têm renda suficiente para bancar o enterro de familiares, sejam eles vítimas de coronavírus ou não. O município já teve duas mortes pela Covid-19 e contava com 53 casos confirmados até a última quarta-feira (8).
Vitória usou até agora R$ 6,2 milhões de recursos próprios para o controle da pandemia. A capital destinou a maior parte, cerca de R$ 3,1 milhões, para renovar o estoque de álcool em gel e equipamento de proteção para os profissionais da saúde. Além disso, foram contratados 20 pessoas para atender a população pelo telefone 156, tirando dúvidas sobre o coronavírus. O contrato destes profissionais tem o custo de R$ 400 mil para os 90 dias de vigência. Também foi investido R$ 1 milhão para a contratação em rede básica.
"Já temos a previsão que o pior da doença ainda vai chegar, então nesse momento estamos concentrando esforços, anulando alguns empenhos para dar conta do que essa pandemia vai exigir da saúde municipal", explica a secretária de Saúde de Vitória, Cátia Lisboa.
Em Cariacica, o gasto com recursos próprios é de R$ 655 mil, totalizando R$ 1,865 milhão se contado o uso de transferências do governo federal e estadual. A maior parte deste valor também é com compra de equipamentos de proteção, contratação de profissionais e alimentos para os mais atingidos pelo isolamento social. Além disso, a limpeza com desinfetantes em regiões de maior aglomeração gerou um custo de R$ 69 mil.
Para evitar surpresas, o município já contingenciou (congelou) 15% de recursos próprios no orçamento atual, cerca de R$ 60 milhões. Houve corte de gastos em quase todas as secretarias, com cancelamento de licitações e editais, como o edital de cultura da Lei João Bananeira, que não terá premiados neste ano.
Especialistas apontam que a queda de receitas deve trazer impactos severos nos municípios a partir do segundo semestre de 2020. Para o professor universitário e auditor fiscal externo do Tribunal de Contas de Pernambuco João Eudes Bezerra Filho, a redução de arrecadação deve resultar em obras sendo paralisadas e dificuldade para manter despesas obrigatórias, como o pagamento de servidores.
"A partir de abril a gente já vai começar a sentir o impacto da crise na receita dos municípios. A previsão é de que algumas prefeituras devem enfrentar dificuldade financeira para fechar a folha de pagamentos e ficar sem dinheiro para pagar servidor. O governo federal já liberou auxílio aos municípios, com a recomposição do Fundo de Participação dos Municípios, que deve trazer algum alívio. A hora é de apertar os cintos", alerta.
A possibilidade de se cortar parte dos salários de servidores públicos, efetivos e comissionados, durante o período emergencial vem sendo discutida no Congresso Nacional. Há setores sindicais que defendem que a irredutibilidade salarial de servidores é uma cláusula pétrea, ou seja, que não pode ser alterada. No entanto, para o advogado e professor de Direito da FDV Caleb Salomão Pereira, em casos de exceção econômica, como o que se desenha pela frente, a redução salarial de servidores pode, sim, ser discutida.
O que mantém o erário dos municípios e Estados é a tributação. Se a economia enfraquece a um ponto extremo, com uma queda vertiginosa, começa a faltar dinheiro e alguns serviços essenciais precisam ser mantidos, como a Saúde. Levando isso em conta, parece imoral para mim deixar de se discutir a redução de salário de servidores nesse cenário, argumenta.
Para ser aprovada a redução, ela deve tramitar como proposta de emenda à constituição, ter aprovação em dois turnos na Câmara e no Senado com ao menos três quintos dos votos dos parlamentares.
É claro que há um número de comissionados que podem ser cortados, com o desinchaço da máquina pública antes de se chegar a esse estágio. Também acredito que isso não pode se tornar um instrumento de intimidação, devem ser feitos estudos bem feitos sobre o percentual de redução e por quanto tempo. É um sacrifício para um momento de crise, explica.
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