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Serra culpa leis para não dar abono a servidores, mas normas não impedem

Serra culpa leis para não dar abono a servidores, mas normas não impedem

Órgãos de controle de contas públicas ouvidos por A Gazeta explicam que Lei das Eleições e Lei de Responsabilidade Fiscal não proíbem o pagamento de bônus, apenas estabelecem algumas regras

Publicado em 13 de dezembro de 2024 às 12:15

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Algumas prefeituras do Espírito Santo já anunciaram, como é comum neste período, o pagamento de abono de fim de ano a seus servidores. Na Serra, no entanto, a administração da cidade decidiu não dar bônus aos trabalhadores. A prefeitura alega que o dinheiro extra poderia ferir a Lei Eleitoral e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). No entanto, órgãos de controle de contas públicas, além de um especialista ouvido por A Gazeta, afirmam que as legislações não proíbem o pagamento do benefício em ano eleitoral. O caixa do Executivo já atingiu o limite constitucional de alerta para despesas. Mesmo assim, o abono não estaria vetado. 

No Estado, ao menos sete prefeituras já divulgaram o pagamento de bonificação até agora: a Capital e Cariacica, na Grande Vitória, Ecoporanga, Rio Bananal, Nova Venécia, Barra de São Francisco e Alfredo Chaves. Outras já apresentaram projetos para aprovação dos vereadores. Além dos Executivos municipais, o governo do Estado, a Assembleia Legislativa, os tribunais e várias câmaras de vereadores capixabas também vão engordar a folha de pagamento dos seus servidores em 2024.

No caso da Serra, uma das justificativas dadas pela prefeitura para não conceder o abono é o inciso VIII do Artigo 73 da Lei n.º 9.504/1997, a chamada Leis das Eleições, que impõe uma série de regras a agentes públicos em anos eleitorais. O trecho, contudo, não traz qualquer vedação expressa ao pagamento de adicional de fim de ano a servidores das cidades em ano eleitoral.

A norma apenas ressalta que os agentes públicos estão proibidos de fazer revisão geral da remuneração dos servidores que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição. Em termos mais simples, os prefeitos, por exemplo, não podem dar aumento salarial acima da inflação.

Serra culpa leis para não dar abono a servidores, mas normas não impedem

A Prefeitura da Serra ainda fundamentou a sua decisão de deixar os servidores sem abono na LRF (Lei Complementar 101/2000). Segundo a administração, foi seguida orientação da Procuradoria Geral da cidade, que entendeu que o benefício feriria o artigo 21 da legislação. 

Em resposta aos questionamentos da reportagem de A Gazeta sobre a decisão, a assessoria de imprensa da prefeitura respondeu, por meio de nota, que a LRF "veda a concessão de benefícios aos servidores públicos, inclusive abono, de que resulte aumento de despesa com pessoal, nos 180 dias anteriores ao final do mandato do titular do Poder Executivo".

Prefeitura da Serra
Prefeitura da Serra decidiu não dar abono para servidores em 2024. (Ricardo Medeiros)

A prefeitura cita especificamente o inciso IV, letra "a", do Artigo 21. O dispositivo trata, contudo, apenas de aumento de gastos causados por "alteração, reajuste e reestruturação de carreiras do setor público" ou por "nomeação de aprovados em concurso público".

O mesmo Artigo 21 traz outro inciso, o II, que trata de maneira mais ampla da proibição de aumento da despesa com pessoal nos últimos seis meses de mandato. Para órgãos de controle e especialistas, entretanto, prefeitos não estariam impedidos de conceder abono no fim de ano eleitoral. Bastaria que eles seguissem algumas regras. 

A Gazeta procurou o Ministério Público de Contas do Espírito Santo (MPCES) para esclarecer o assunto. Em resposta à consulta, o órgão ministerial informou que não há, nem na Lei das Eleições nem na LRF, dispositivos que proíbam o pagamento do benefício aos trabalhadores pelas prefeituras em ano eleitoral. 

"O MPC-ES esclarece que as duas normas citadas (Lei 9.504/1997, art. 73, e Lei de Responsabilidade Fiscal, art. 21, inciso IV, letra "a") não vedam o abono, tratam apenas de revisão e reajustes de remuneração dos servidores. Ressalta-se, ainda, que estão vigentes no Tribunal de Contas (TCE-ES) pareceres que detalham as exigências para a concessão de abono para os órgãos jurisdicionados", ressalta o órgão ministerial.

Entre essas exigências, estão a necessidade de cumprir as metas fiscais – ou seja, não ultrapassar os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal para os gastos com pessoal – e apresentar estimativa do impacto orçamentário-financeiro, tanto para o ano em que o ato praticado pelo prefeito vai entrar em vigor quanto para os dois anos seguintes. No caso de abono pago em uma única parcela, como costuma acontecer, não haveria impacto nas despesas para os anos posteriores.

O Tribunal de Contas do Estado (TCES), também consultado pela reportagem, frisa que o pagamento de abono a servidores é "ato discricionário [quando o administrador tem liberdade para escolher a medida que melhor atenda o interesse público], devendo o gestor observar os requisitos fiscais e constitucionais para sua concessão".

Em sua resposta, a Corte de Contas ainda encaminhou trecho de parecer que explica a vedação contida na LRF para aumento de despesa dos últimos 180 dias de mandato, destacando que a norma não proíbe abonos, apenas baliza as exigências legais.

"Nada impede que atos de investidura sejam praticados ou vantagens pecuniárias sejam outorgadas, desde que haja aumento da receita que permita manter o órgão ou Poder no limite estabelecido no Art. 20 ou desde que o aumento da despesa seja compensado com atos de vacância ou outras formas de diminuição da despesa com pessoal", pontua trecho do parecer 44/2004, do TCES.

Em outras palavras, para que um prefeito possa dar abono aos seus servidores, a prefeitura deve ter orçamento suficiente para ficar dentro dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal. Pode, ainda, reduzir outras despesas para acomodar o adicional no fim de ano. 

Doutor em Ciências Contábeis e Administração, professor da Fucape e ex-auditor do Tribunal de Contas de Pernambuco, João Eudes Bezerra Filho traz ainda outro caminho legal para que gestores públicos possam conceder o bônus em anos eleitorais. Segundo ele, a prefeitura pode optar pelo aumento de verbas indenizatórias já existentes, como auxílio-alimentação ou auxílio-saúde.

Esse é o caso das prefeituras da Grande Vitória. O prefeito da Capital, Lorenzo Pazolini (Republicanos), anunciou na última terça-feira (10) o pagamento de R$ 1,5 mil no tíquete-alimentação para os servidores efetivos. Os inativos serão contemplados via folha suplementar. Em Cariacica, Euclério Sampaio (MDB) vai conceder R$ 1,2 mil ao quadro de servidores também como vale-alimentação especial, além de R$ 6 mil aos profissionais da Educação, por meio do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).

Cenário financeiro no município

O caixa da Prefeitura da Serra já bateu o limite constitucional de alerta. Embora ainda esteja em situação confortável no que se refere especificamente aos gastos com pessoal neste ano, as despesas totais da cidade já chegam a quase 90% da receita em 2024. Isso, no entanto, também não impede o pagamento de abono. 

De acordo com o Painel de Controle do Tribunal de Contas, que concentra as informações sobre as finanças dos municípios, o Executivo da Serra já gastou R$ 2,20 bilhões dos R$ 2,48 bilhões previstos no orçamento. As despesas correspondem a exatos 88,74% das receitas.

A Constituição prevê que, ao ultrapassar 85%, o Poder Executivo deve implementar medidas de ajuste fiscal para equilibrar as contas públicas. Caso atinja 95%, aí, sim, a prefeitura seria impedida de tomar certas medidas que aumentem gastos, como fazer contratações, realizar concursos e pegar empréstimos.

Este é o terceiro ano consecutivo que os servidores da Serra não receberão abono. Em 2023, a falta de verba foi o motivo alegado para não pagar o benefício a seus trabalhadores. Na ocasião, o prefeito Sergio Vidigal (PDT) afirmou, em entrevista à Rádio CBN Vitória, não haver espaço no Orçamento municipal para adotar a medida.

Fundeb

Na Serra, os profissionais da educação também ficaram sem o adicional de fim de ano que prefeitos e governadores costumam pagar por meio do Fundeb. É que, por lei, os gestores devem investir 70% dos recursos que são destinados às administrações pelo fundo a investimentos em pessoal. Quando não batem a meta, os Executivos distribuem o abono para cumprir o montante. 

No caso da Serra, a prefeitura informa que já aplicou além do mínimo de 70% exigido, por isso não haveria a necessidade do abono aos servidores da área. "O investimento foi de 83,26%, até o quinto bimestre. A previsão é de chegar a 91% no último bimestre deste ano", sustenta o Executivo municipal.

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