Você paga salários para que funcionários de deputados estaduais possam ir a aniversário, a igrejas, a festas, a feiras e hospitais ou mesmo para que percorram o interior em busca de apoio às vésperas da eleição. Essas atividades estão descritas em relatórios de trabalho produzidos pelos próprios comissionados que atuam fora da Assembleia Legislativa.
Os documentos são apresentados aos chefes, nos respectivos gabinetes. Não passam por avaliação de nenhum outro setor. O atual controle sobre os assessores externos é falho, conforme avaliação da Promotoria Cível de Vitória publicada pela coluna Vitor Vogas em março. Abre brecha para a existência de funcionários fantasmas e para funções desconectadas do interesse público.
Como a reportagem do Gazeta Online revelou na quinta-feira (16), gabinetes e administração da Assembleia dificultaram o acesso aos relatórios, mesmo com pareceres da Casa determinando a entrega em caráter de urgência. Os documentos foram solicitados por meio da Lei de Acesso à Informação. Apenas oito gabinetes entregaram os papéis conforme determinado.
Antes o problema de conceder acesso aos documentos fosse o único. Apesar de vários funcionários relatarem ações no sentido de buscar e resolver demandas de grupos específicos por serviços públicos, há descrição de atividades mais voltadas a interesses privados.
"BUSCAR APOIO"
Na semana da eleição de outubro, um assessor do deputado José Esmeraldo (MDB), que buscava a reeleição, escreveu que fez visitas "ao povo do interior", "às famílias do interior", ao "comércio do Centro de Vila Pavão" não para colher reclamações, mas para "buscar apoio" e "levar o nome" do "nosso deputado José Esmeraldo".
No dia seguinte à eleição, o trabalho do mesmo servidor, que recebeu R$ 4,2 mil de salário naquele mês, foi percorrer o comércio de Vila Pavão para "agradecer apoio em prol do nosso deputado José Esmeraldo".
Outro funcionário do mesmo parlamentar teve como trabalho, no dia 3 de agosto, acompanhar um grupo católico no distrito de Piaçu, em Muniz Freire, durante "preparativos para a Festa do Galo com Macarrão". No dia anterior, a função dele foi "avisar que o secador de café" chegaria a determinada comunidade.
Naquele mês, o servidor recebeu R$ 5,3 mil, brutos. Esse comissionado é o mesmo que ficou 40 dias sem trabalhar, sem ninguém saber o motivo.
ANIVERSÁRIO
A reportagem pediu acesso aos relatórios de todos os gabinetes referentes aos meses de fevereiro de 2019 e de agosto a outubro de 2018. Na sala de Esmeraldo, nem todos foram apresentados. Alguns, de acordo com a assessoria dele, haviam sido enviados para a Secretaria de Gestão de Pessoas (SGP) por "falta de espaço".
No entanto, os arquivos tinham documentos de 2017. Um deles foi produzido por um antigo servidor do gabinete, já exonerado. Ele descreveu assim as atividades do dia 18 de fevereiro daquele ano: "Participei do aniversário do amigo Celso Corrente (52 anos) juntamente com o vereador Marquinho Bambu, oportunidade na qual lhe demos um fraterno abraço em nome do deputado José Esmeraldo".
Na equipe externa do deputado Marcos Mansur (PSDB), funcionários relatam trabalhar literalmente dentro de igrejas, em reuniões religiosas. Um comissionado com salário bruto de R$ 4,6 mil em fevereiro deste ano descreveu um de seus dias de trabalho assim:
"Ida a uma festividade da Igreja Assembleia de Deus do bairro Nova Carapina, para representar o deputado, e em uma fala, pude colocar o mandato à disposição de todos ali presentes e da comunidade deste bairro". Marcos Mansur é deputado e pastor.
No dia 28 de fevereiro, um comissionado de Danilo Bahiense (PSL), contratado no fim daquele mês, relatou que a atividade dele foi atender a pedido de líder comunitário para acompanhar entrega de 150 cestas básicas a uma comunidade carente e inauguração de igreja. O servidor recebeu cerca de R$ 3,4 mil brutos em março.
Cada gabinete formata o relatório da maneira que acha conveniente. Não existe nenhuma obrigação de detalhamento ou descrição mínima das atividades. Em geral, os relatórios disponibilizados à reportagem são digitados no computador e apenas ganham uma assinatura do responsável.
O relato de cada dia é feito em uma linha, com cinco ou seis palavras. Todas as atividades de metade de agosto, de um funcionário externo de Erick Musso (PRB) que tem R$ 6,3 mil de salário, foram descritas em meia página.
Uma funcionária de Luciano Machado (PV) citou uma "visita ao hospital", em 14 de fevereiro. No dia seguinte, "abertura do Festival Penha Roots", um festival de reggae no Caparaó.
Na equipe de Alexandre Xambinho (Rede), uma servidora escreveu, sobre 18 de fevereiro: "Recebi e atendi demandas na área da saúde em Laranjeiras". As funções de um deputado estadual, bem como de seus funcionários, são legislar e fiscalizar o Poder Executivo.
Os deputados citados argumentam que os servidores externos buscam demandas da população.
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