O Supremo Tribunal Federal (STF) considerou, de forma unânime, que é inconstitucional contabilizar o pagamento de aposentadorias como se fosse despesa com Educação. O caso em votação dizia respeito ao Estado de São Paulo, mas há uma ação similar em tramitação na Corte que questiona justamente esse expediente adotado também pelo governo do Espírito Santo.
O julgamento referente a São Paulo terminou na noite da última segunda-feira (17) e dizia respeito a um artigo de uma lei estadual, de 2007, que permitia que o gasto com aposentados fosse computado desta forma. A legislação paulista foi questionada no Supremo em 2017, em ação da Procuradoria-Geral da República (PGR).
A exemplo de São Paulo, ao menos outros oito Estados, entre eles o Espírito Santo, também calculam há alguns anos os pagamentos de professores aposentados como gasto mínimo constitucional em educação. A PGR também ingressou no STF em 2017, após uma representação encaminhada pelo deputado estadual Sergio Majeski (PSB), alegando ser inconstitucional a base legal utilizada pelo Espírito Santo para esta forma de contabilização uma resolução do Tribunal de Contas do Estado (TCES), de 2012.
A relatora da ação referente ao Espírito Santo no STF é a ministra Rosa Weber, que acompanhou o voto do ministro Edson Fachin, relator do caso de São Paulo. O posicionamento pode sinalizar um indicativo do voto dela na ação referente ao caso capixaba. Em junho, em uma ação semelhante sobre o Estado de Alagoas, a ministra também se posicionou contrariamente. O governo do Estado afirmou que vai continuar adotando esta metodologia, enquanto aguarda o julgamento da ação.
A forma de cálculo já é adotada no Espírito Santo desde 2011. Desde então, até abril deste ano, já foram mais de R$ 5,35 bilhões utilizados para este fim.
Atualmente, o Espírito Santo, segundo o relatório orçamentário do governo estadual, aplicou 26,71% da receita na pasta, entre janeiro e junho. Da cota destinada à Educação no período foram usados R$ 428 milhões para o pagamento de inativos. O próprio relatório registra a informação de que se a decisão do STF for estendida ao Espírito Santo, e o montante deixar de incidir sobre esse percentual, o Estado passaria a destinar 18,88% para a Educação, abaixo do mínimo de 25% determinado pela Constituição.
Os percentuais dos gastos com Educação são calculados com base no conceito de Manutenção e Desenvolvimento da Educação, definido pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educação. A LDB exemplifica aquilo que pode ser considerado manutenção e desenvolvimento, o que inclui salários e recursos pedagógicos, por exemplo, mas exclui itens como merenda.
Também exclui professores "em desvio de função ou em atividade alheia à manutenção e desenvolvimento do ensino". Como não cita explicitamente aposentados, governos têm lançado mão dessa brecha, o que levou a questão ao Supremo.
A lei considerada inconstitucional, pelo Supremo, é a dispõe sobre a criação da São Paulo Previdência (SPPREV), entidade gestora do Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos estaduais. Ela permite a inclusão de pagamento de benefícios previdenciários a inativos nas despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino.
Em seu voto, Fachin entendeu que o Estado não possui competência para legislar sobre normas gerais para a educação e ensino, função que cabe à União.
Além disso, considerou que há afronta a dois artigos da Constituição que são os mesmos utilizados na fundamentação da PGR, no caso do Espírito Santo.
Primeiramente, o artigo 212, que determina a aplicação de 25% em educação, pelos Estados, pois a lei de São Paulo "afronta a racionalidade constitucional de destinação mínima de recursos provenientes da arrecadação para a educação", e "deprecia o direito social fundamental à educação, pois prejudica a destinação de recursos para a manutenção e desenvolvimento do ensino".
Também há desrespeito ao artigo 167, IV, norma que veda que as receitas provenientes de impostos sejam vinculadas, ou seja, gastas obrigatoriamente com uma finalidade. Fachin destacou, no voto, que as despesas previdenciárias não constam da exceção à regra.
A ação de inconstitucionalidade que trata do caso do Espírito Santo no STF ainda não recebeu o voto da relatora, ministra Rosa Weber, e não tem data para ir a julgamento.
O procurador-geral do Estado, Rodrigo de Paula, reconheceu que o julgamento do caso de São Paulo já sinaliza a posição do STF, mas afirma que o Estado vai manter, por enquanto, seu posicionamento. "Vamos continuar com a nossa tese de defesa no processo e ainda vamos analisar em que medida este precedente pode alcançar a situação do Espírito Santo", explicou.
Ele afirma que além da resolução do TCES, há a Lei federal de Diretrizes e Bases (LDB), que permite o pagamento com profissionais da educação, não especificando se ativos ou inativos, e também a Lei Federal nº 7.348/85, que não foi revogada, e que prevê expressamente que consideram-se como despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino as decorrentes da manutenção de pessoal inativo.
"O orçamento público já é muito engessado e os recursos livres são muito limitados. Se for feita esta mudança, poderia aumentar, em teoria, os recursos para a educação, mas o pagamento desses inativos teria que sair de outra fonte, que poderia ser utilizada para investimentos. É preciso uma análise complexa", ressaltou.
No início deste mês, a relatora autorizou a participação do Ministério Público de Contas do Espírito Santo (MPC-ES) como amicus curiae um terceiro interessado na ação, o que vai possibilitar ao órgão ministerial fornecer elementos e informações para a fundamentação sobre o tema, além de apresentar memoriais e realizar sustentação oral na sessão de julgamento do processo.
O procurador-geral do Ministério Público de Contas, Luis Henrique Anastácio da Silva, comentou sobre a repercussão que espera da decisão desta semana.
"Fundamentalmente, como compete exclusivamente à União legislar sobre normas gerais de educação e ensino, não cabe ao Estado de São Paulo legislar sobre o tema; da mesma forma, não cabe ao TCES, através de resolução, legislar, principalmente, sobre matéria de competência exclusiva da União. Nesse contexto, isso acarreta, ainda, violação ao percentual mínimo de aplicação na manutenção e desenvolvimento do ensino determinado na Constituição Federal, quando permite a inclusão de inativos em seu cômputo", disse.
O entendimento firmado pelo STF na ação relativa a São Paulo vem sendo defendido pelo MPC também nas prestações de contas do governo apreciadas no TCES.
Em razão de o STF ter decidido de forma idêntica em outros casos analisados, o órgão ministerial pediu a inclusão de uma recomendação ao governo do Estado nas contas de 2019, que serão apreciadas nesta quinta-feira (20), para que promova estudos sobre os possíveis impactos da exclusão dos gastos com inativos na apuração do limite mínimo constitucional de 25% a ser aplicado em educação.
O tema também tem implicações sobre o debate do Fundeb no Senado. O texto aprovado na Câmara sobre o fundo principal mecanismo de financiamento da educação básica vetou esse uso. No Senado, no entanto, há movimentos para derrubar a proibição.
Após a decisão do STF em relação a São Paulo, o deputado Sergio Majeski protocolou uma representação no Tribunal de Contas do Estado, requerendo que a Corte de contas determine que o governo do Estado realize os estudos necessários para readequar o orçamento ao entendimento do Supremo, retirando o pagamento de inativos do cálculo dos 25% gastos com manutenção e desenvolvimento do ensino.
Majeski também requereu que o TCES estabeleça que para as prestações de contas do governador do Estado e dos prefeitos não sejam mais aplicadas as regras atuais, baseadas em resolução do Tribunal de Contas. A representação ainda será analisada.
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