O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para considerar inconstitucional a legislação que criou, em 2019, 307 cargos comissionados no Ministério Público do Espírito Santo (MPES). Seis ministros do STF entenderam que o total de cargos em comissão, que são de livre nomeação e exoneração, é desproporcional ao de efetivos, os quais precisam ser aprovados em concurso público.
A votação ocorreu no plenário virtual do STF e estava prevista para ser concluída nesta sexta-feira (10), mas foi interrompida por um pedido de vista do ministro Kassio Nunes Marques. Com isso, não tem data para ser retomada.
Entre os ministros que já votaram, quatro acompanharam o voto do ministro Edson Fachin, que é o relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta pela Associação Nacional dos Servidores Públicos do Ministério Público (Asemp). Ele acatou os argumentos de falta de proporcionalidade na comparação entre cargos efetivos e comissionados no MPES e estabeleceu prazo de um ano para que o Ministério Público adote as medidas necessárias para corrigir o problema.
Seguiram o voto de Fachin: Ricardo Lewandowski, Carmén Lúcia, Dias Toffoli e Roberto Barroso.
Já o ministro Alexandre de Moraes também seguiu o voto do relator no que diz respeito à inconstitucionalidade da legislação questionada (leis 9.496/2010 e 11.023/2019).
No entanto, ele divergiu do prazo estabelecido por Fachin para "viabilizar que o Ministério Público adote as medidas cabíveis à adaptação do seu quadro de cargos aos dispositivos constitucionais que serviram de parâmetro nesta Ação Direta de Inconstitucionalidade".
Moraes votou para que o MPES tenha dois anos para se adaptar. Ele justificou o prazo considerando que para "o desenrolar natural das etapas relativas à realização de eventuais concursos públicos, tais como preparação e publicação de edital, nomeação, posse e transição dos serviços, o prazo de 12 meses mostra-se insuficiente e potencialmente comprometedor do regular funcionamento do Ministério Público como instituição, com evidente prejuízo ao interesse de toda a sociedade".
A ação proposta pela Asemp questiona dispositivos da Lei estadual 9.496/2010 e suas alterações posteriores, que resultaram na Lei 11.023/2019, a qual criou 39 vagas para o cargo comissionados de assessor especial, 45 de assessor técnico e 216 de assessor de promotor de Justiça.
Na ADI, a associação alega que o Ministério Público optou pela criação em detrimento dos cargos efetivos, o que poderia ser constatado pelo percentual das vagas em comissão, que passaram a corresponder a 99,03% daquelas destinadas aos concursados.
"Viola o art. 37, II e V, da Constituição Federal, bem como o princípio da proporcionalidade, a criação de cargos em comissão em quantitativo praticamente equivalente ao de cargos efetivos, em patente burla à regra do concurso público", afirma o relator, em um dos trechos de seu voto. Ele também menciona outras decisões do STF sobre casos similares, como a ADI 4125, do Estado do Tocantins.
Para Fachin, mesmo antes da lei de 2019 já era possível vislumbrar certa desproporcionalidade, uma vez que havia 497 cargos efetivos, e, em contrapartida, 206 cargos comissionados, ultrapassando 40% do total de cargos efetivos, situação que se agravou com a edição da Lei 11.023/2019, haja vista que o quantitativo de cargos em comissão (512) praticamente se equiparou ao de cargos efetivos (517), o que evidencia, claramente, a burla à exigência constitucional de concurso público para a investidura em cargos e empregos públicos — que deve ser a regra, sendo a nomeação para cargo em comissão a exceção.
Com isso, ele entendeu que a legislação capixaba fere os princípios da Administração Pública, entre eles o da moralidade, da impessoalidade e da eficiência, previstos no artigo 37 da Constituição Federal. "Na prática, a lei impugnada confere tratamento privilegiado a agentes públicos desprovidos de vínculo permanente com a administração, relegando os servidores de carreira a um patamar inferior".
Para reforçar seu posicionamento, Fachin comparou a situação do MPES com a do Supremo. Ele afirmou que o STF tem 1.084 cargos efetivos providos e 244 em comissão, dos quais apenas 46 estão ocupados por servidores não concursados.
Antes de o julgamento ser iniciado pelo STF, a procuradora-geral de Justiça, Luciana Andrade, fez uma sustentação oral na sessão defendendo a constitucionalidade da criação dos cargos.
A chefe do MPES alegou que há diversos fatores que tornam evidente que a medida é constitucional, ressaltando que o órgão seguiu, estritamente, a recomendação do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que, após correição, "orientou a implementação de quadro de assessoria adequada aos membros do MPES, haja vista que as equipes constataram que ainda inexiste o número de assessoramento jurídico equivalente ao menos um por membro da nossa instituição.”
Para Luciana Andrade, o número de cargos em comissão é proporcional, no Espírito Santo, tanto em relação às necessidades que visam a atender quanto em relação ao número de servidores específicos. "Isso porque a proporcionalidade está também na atividade desempenhada, no número de membros que são assessorados frente ao número de comissionados existentes, que vai muito além da mera aritmética quantitativa de cargos à disposição", argumentou.
Na manifestação, a chefe do MPES ainda disse que, para um total de 272 membros (promotores e procuradores de Justiça) que estão na ativa, há 256 cargos comissionados preenchidos que atuam exclusivamente no assessoramento jurídico da instituição.
A criação dos cargos foi aprovada em regime de urgência da Assembleia e sua tramitação foi marcada por polêmica, especialmente pelo aumento de gastos, que teriam impacto anual de R$ 28,9 milhões, em 2019. Na ocasião, o MPES justificou a nova despesa informando que havia eliminado 65 cargos de promotores de Justiça substitutos. Esses cargos, no entanto, já estavam vagos.
Além da ação que questiona a criação de cargos comissionados no Ministério Público Estadual, o Supremo iniciou a votação de outra ADI, interrompida nesta sexta-feira também com pedido de vista do ministro Nunes Marques.
Seis ministros já votaram na ação proposta em 2004 pelo governo do Estado do Espírito Santo em que são questionadas gratificações previstas para membros do MPES que exercem cargos de procurador-geral de Justiça (30%), subprocurador-geral de Justiça (25%), corregedor-geral do Ministério Público (20%), além de subcorregedor-geral, ouvidor e chefe das Procuradorias de Justiça (todos 15%), bem como a expressão "que se incorporará aos vencimentos" para se referir ao benefício.
Três votos diferentes foram apresentados nesse caso. O primeiro deles foi o do relator, Edson Fachin, que se manifestou para acatar o pedido do governo e declarar a inconstitucionalidade dos arts. 6º e 13 da Lei Complementar 238/2002, do Estado do Espírito Santo. A referida lei incluiu modificações na Lei Orgânica do Ministério Público (Lei Complementar 95/97) e foi alterada pela Lei Complementar 565/2010.
O voto de Fachin foi acompanhado pelo ministro Lewandowski. Eles consideram inconstitucional a previsão das gratificações, além da incorporação delas a quem exercer os cargos mencionados na lei, assim como o dispositivo que estabeleceu retroatividade a maio de 200 para a gratificação paga pelo exercício da função de chefe de gabinete.
Os ministros Barroso e Alexandre de Moraes apresentaram votos divergentes do relator quanto à inconstitucionalidade das gratificações no MPES. Na avaliação deles, assim como há previsão de gratificações para os magistrados que exercem cargos de direção, membros do Ministério Público também teriam direito ao mesmo benefício.
Porém, ambos consideraram inconstitucional a incorporação da gratificação aos vencimentos de procuradores de Justiça que exercerem as funções de direção. Os votos de Barroso e Moraes trazem pequenas diferenças apenas na conclusão.
Enquanto Barroso se manifesta pela supressão da expressão prevista na Lei Orgânica do MPES apenas no trecho "que se incorporará aos vencimentos", Moraes declara a inconstitucionalidade de um trecho mais amplo: "que se incorporará aos vencimentos, vedada a acumulação, mas permitida, no entanto, a opção".
Ambos os ministros destacam que deve ser observado o teto remuneratório constitucional e se manifestam para que não seja necessário devolver os valores já pagos até a publicação da decisão. Carmém Lúcia seguiu o voto de Alexandre de Moraes, enquanto Dias Toffoli acompanhou o voto de Barroso.
Com o pedido de vista de Nunes Moraes, o julgamento foi interrompido. Conforme regras atuais do Supremo, o prazo máximo para que um ministro permaneça com um processo em que pediu vista é de 90 dias. O ministro pode pedir a inclusão da ADI em nova sessão virtual do Plenário do STF assim que tiver o seu voto. As sessões virtuais do STF são iniciadas às sextas-feiras e têm uma semana de duração.
Em nota, o MPES informou que está acompanhando o julgamento das referidas ADIs no Supremo, mas não irá se manifestar no neste momento, "em respeito à Suprema Corte e a sua autoridade".
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