A crise econômica provocada pelo novo coronavírus terá grande impacto nas finanças dos municípios capixabas. Em boletim divulgado nesta quarta-feira (20), o Tribunal de Contas do Espírito Santo (TCES) alerta para a possibilidade de 45 cidades ultrapassarem o limite legal de gastos com pessoal estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), em um cenário mais pessimista de queda de receita.
Em 2019, duas prefeituras Muniz Freire e Água Doce do Norte extrapolaram o percentual máximo com a folha. Agora, devido à queda na arrecadação, mesmo sem aumento de despesas, mais da metade das prefeituras do Estado pode ficar na mesma situação, com 54% ou mais da receita corrente líquida (RCL) comprometida com o pagamento de servidores.
O estudo mostra que, na pior projeção traçada pela Corte de Contas, outras 14 cidades estariam no limite prudencial de gastos com pessoal quando algumas restrições começam a ser impostas e nove estariam em estado de alerta. Ou seja, dos 78 municípios capixabas, 68 estariam acima de algum dos limites fiscais impostos pela LRF.
A análise considera uma projeção de queda de 25% na receita municipal, além das perdas nos repasses de impostos estaduais e royalties, já anunciadas pelo Palácio Anchieta. O repasse do projeto de lei de socorro a Estados e municípios também já está incluído na nova estimativa da receita. No pior cenário, os municípios devem perder, juntos, R$ 1,9 bilhões em receita, o que resulta em um total de R$ 11,5 bilhões para arcar com R$ 12,6 bilhões em despesa de pessoal, o que representa um déficit de mais de R$ 1 bilhão nos cofres municipais.
Para o presidente da Associação dos Municípios do Espírito Santo (Amunes), Gilson Daniel (Podemos), o cenário projetado pelo Tribunal de Contas é preocupante. Ele afirmou que tem dialogado com os dirigentes municipais para cortar gastos e reavaliar despesas.
"Essa quantidade de municípios ultrapassando o limite nos preocupa muito, até mesmo aqueles que estão em limite prudencial. Vamos passar por uma situação muito difícil neste ano. Cortar a despesa com pessoal, que é a mais pesada, os municípios até conseguem, mas muito pouco. A grande maioria é dependente de transferências do governo estadual e federal e, com a queda de arrecadação, é muito incerto como isso ficará. Temos contado com a ajuda do Tribunal de Contas para nos orientar e acredito que isso será fundamental para os municípios", destacou.
Na Grande Vitória, três dos quatro maiores municípios estariam acima de algum limite da LRF. A situação mais complicada é da Serra, único da Região Metropolitana acima do teto fiscal, comprometendo 55,1% de sua receita corrente líquida (RCL) para pagar seus servidores. O limite máximo imposto pela legislação é 54%. Neste cenário, a Serra teria R$ 219 milhões a menos do que previu em seu orçamento para 2020.
O município informou que "já vem tomando diversas medidas para reduzir despesa com custeio e com pessoal, incluindo contratos terceirizados, restrições de horas extras, extensões de carga, prevendo a redução de receitas devido à pandemia". A prefeitura acrescentou que "até o fechamento do primeiro quadrimestre, a despesa com pessoal estava abaixo do limite legal".
Já Vitória chegaria, neste cenário, no limite prudencial, com 53,9% de sua receita corrente líquida comprometida com a folha de pagamento de pessoal. A queda projetada para a Capital é de R$ 276 milhões no orçamento anual.
O secretário municipal de Fazenda de Vitória, Henrique Valentim, disse que a projeção apresentada pelo TCES é mais um elemento para auxiliar na tomada de decisão do município. De acordo com ele, a prefeitura de Vitória tem feito o acompanhamento diário da receita para verificar os impactos da crise do coronavírus e avaliar medidas que podem ser tomadas.
"Logo no início, cortamos pagamento de hora extra e gratificações para servidores que não estão atuando no enfrentamento direto da Covid-19. É um momento que é preciso ter cautela e pede avaliação constante de novas despesas, além da reavaliação das já contratadas e priorização da aplicação de recursos para que, apesar da queda de arrecadação, não haja queda de serviço", declarou.
Num cenário com perda de R$ 72 milhões no orçamento, Cariacica deve ultrapassar o limite de alerta (48,6%), segundo o levantamento, com 50% da RCL para gastos com o funcionalismo.
A prefeitura informou que está acompanhando no dia a dia o impacto do coronavírus nas receitas e despesas. "Diante do cenário de queda na arrecadação, o município vem tomando algumas medidas como a redução de despesas de pessoal, cortes de funções gratificadas, horas extras, comissões, carga horária especial."
O Executivo municipal ressaltou que "no primeiro quadrimestre de 2020, o percentual de aplicação de despesas com pessoal do Poder Executivo ficou em 45,32%, abaixo do limite de alerta que é de 48,30%".
Vila Velha é o único município da Grande Vitória em uma situação ainda confortável, caso se confirme a queda de receita prevista pelo Tribunal de Contas. A cidade estaria com 45,1% da receita corrente líquida comprometida com pessoal, com uma redução de R$ 144 milhões em sua previsão orçamentária.
Mesmo com essa perspectiva, o secretário de Administração e Finanças, Rafael Gumiero, afirmou que Vila Velha continuará adotando medidas de contenção de gastos para manter as contas equilibradas. "No momento de crise, nenhuma condição pode ser ostentada, tem que aproveitar o equilíbrio das contas para fazer frente às necessidades. Temos uma meta de 20% de redução das despesas nos contratos, que vão desde a suspensão até renegociação de valores."
A situação mais delicada, segundo o Tribunal, é de Muniz Freire, que se manteria acima do limite, com 69,3% da RCL para pagamento do funcionalismo. Em seguida, aparece Água Doce do Norte, com 65,8%. Já a prefeitura em maior conforto fiscal é Alto Rio Novo, com 21,4% da receita corrente líquida comprometida com gastos de pessoal.
Os municípios de Muniz Freire e Água Doce do Norte, que apresentam as situações mais delicadas e bem acima do limite das despesas com pessoal, foram procurados, mas não se manifestaram até a publicação da reportagem.
A Lei de Responsabilidade Fiscal já prevê, em seu texto original, a suspensão de sanções fiscais em períodos de calamidade. Mesmo assim, o Tribunal de Contas, segundo o presidente da Corte, Rodrigo Chamoun, manterá a fiscalização sobre Poderes e municípios, principalmente com possíveis abusos em contratações sem licitação, permitidas para auxiliar no combate à pandemia do novo coronavírus.
"Nós reconhecemos a crise, mas vamos continuar o combate às irresponsabilidades fiscais, emitindo os alertas, até para embasar as decisões das autoridades. Mesmo com a flexibilização das leis, os municípios precisarão estar, minimamente, em equilíbrio financeiro ao fim da calamidade, para a retomada da economia", pontuou.
O período de calamidade pública no Estado tem validade até 31 de julho, mas pode ser estendido pela Assembleia Legislativa. Após o fim deste decreto, os entes que estiverem acima do limite possuem quatro quadrimestres para readequar suas contas à nova projeção de receita.
Entre os mecanismos previstos na própria legislação, caso os gestores não consigam entrar nos limites previstos, estão o corte de, no mínimo, 20% dos comissionados; demissão de servidores não estáveis e, caso as duas medidas iniciais não surtam efeito, demissão de servidores estáveis, ou seja, concursados.
"O que os prefeitos devem fazer agora é readequar suas estruturas e indico, até, propor novas peças orçamentárias em suas câmaras, já que a previsão de receita para esse ano, feita em 2019, antes da pandemia, não irá se concretizar", alertou.
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