O ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (MDB) teve o acordo de delação premiada homologado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin na última quinta-feira (06). Entre os delatados pelo emedebista estariam até integrantes do Judiciário. De acordo com o jornalista Lauro Jardim, de "O Globo", o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Humberto Martins, por exemplo, foi citado.
E agora?A delação foi firmada com a Polícia Federal. O Ministério Público Federal foi contra. Mas o fato é que a colaboração de Cabral pode abalar as estruturas do Judiciário, a depender das provas que apresentar.
Nesta sexta-feira (07) outro ministro do STJ, Nefi Cordeiro, esteve no Espírito Santo para a aula magna inaugural da Escola Superior da Magistratura do Espírito Santo (Esmages). Cordeiro é um estudioso das delações premiadas e lançou recentemente o livro "Colaboração Premiada caracteres, limites e controles". Questionado por A Gazeta sobre se menções a membros do Judiciário representam algum risco institucional, foi firme:
"Possibilidade de ocorrência de crimes por parte de servidores públicos tem que ser investigada, sejam servidores do Executivo, Legislativo ou do Judiciário. Não sei, mas se ele diz que há envolvimento de juízes de qualquer grau em atividades ilícitas tem que ser investigado e que bom que surja".
Já quanto a divergências entre polícia e Ministério Público, ele avalia que o ideal é que somente o MP pudesse firmar acordos, mas a lei também abre espaço para a outra instituição.
"Há o risco de o criminoso fazer a negociação com um órgão, o Ministério Público, por exemplo, e, não conseguindo, tentar com a polícia. Eventualmente tentar voltar ao Ministério Público dizendo 'olha, a polícia está me dando favores que vocês não me deram' e aí acaba virando uma barganha dentro do próprio Estado. Melhor seria se fosse só o Ministério Público porque quem pode fazer acusação em nome do Estado é só o Ministério Público, mas são vários fatores que fazem o MP não querer o acordo. Ele pode achar que a pessoa não tem nada de novo ou que a pessoa tem uma importância muito grande para justificar diminuir a pena", analisou.
Para Cordeiro, ainda assim o instituto da delação é essencial. "Se não tivéssemos a delação premiada, não teríamos um décimo do que foi apurado com a Lava Jato já ocorrida. E a Lava Jato continua."
Por falar em Lava Jato, Nefir Cordeiro é do Paraná, mesmo Estado do ex-juiz Sergio Moro, que atuou na Lava Jato antes de virar ministro do governo Bolsonaro. O ministro do STJ, aliás, chegou a ministrar uma aula como a desta sexta, em uma escola de magistratura, para um Moro em início de carreira.
"Tem posições até dele que eu não concordo, mas isso é normal no Direito. Ele é muito inteligente, preparado. Sou do Paraná, por uns 20 anos a gente teve contato", contou. Questionado sobre a conduta de Moro, considerando os diálogos vazados pelo site The Intercept Brasil, que mostram proximidade entre o então magistrado e membros do Ministério Público, Cordeiro fez um breve comentário: "Aí é grave".
O ministro Humberto Martins, que é o corregedor nacional de Justiça, divulgou nota nesta sexta sobre a delação de Cabral. "Nunca teve qualquer relação pessoal com o ex-governador, sendo certo que, profissionalmente, sua única atuação como magistrado se deu quando, na condição de presidente em exercício do Superior Tribunal de Justiça, negou os pedidos de liberdade nos Habeas Corpus impetrados em favor de Sérgio Cabral".
Além da colaboração premiada, outro tema caro a Nefir Cordeiro é a mediação, formas de resolver conflitos que independam da interferência direta do juiz. Foi sobre isso que ele falou, no Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), a magistrados estaduais, assessores e participantes do curso de pós-graduação e preparatório à carreira da magistratura.
Também tratou do tema em entrevista. "Esse é o principal drama e a principal crítica ao Judiciário. Temos críticas de qualidade das decisões, mas a principal crítica não é essa. A população reclama é da demora. Processo demorando 10,15, 20 anos, ou até mais, especialmente na minha área, que é a criminal", afirmou.
"Não dá para ficarmos repetindo o que temos feito, porque não está funcionando. Aumenta o número de processos vamos aumentar o número de Varas, de juízes. Vai ser uma medida que resolve só por pouco tempo porque vai aumentar a população e voltamos a ter mais processos e vira um ciclo sem fim", complementou.
"A mediação e a conciliação é a melhor Justiça, é a mais rápida, é a mais eficiente porque a parte tende mais a cumprir o acordo do que a decisão judicial. E indiretamente acaba reduzindo o número de processos. A preocupação da Justiça não pode ser fazer acordos para evitar processos, como se o Judiciário quisesse fugir da sua obrigação, o justo, a paz social. Mas se as partes podem fazer justiça diretamente essa justiça é melhor e acaba ajudando o próprio Judiciário. Temos experiências diversas no Brasil."
Já na aula magna, Nefir Cordeiro citou os seguintes exemplos:
"A mãe chega em casa com os dois filhos brigando porque tem um pedaço de bolo. A mãe vai dividir o bolo na metade tentando ser o mais exata possível. Metade do bolo para cada um. As crianças vão achar que foi justa a divisão? Um vai achar que o pedaço do outro é maior. Se fosse uma autocomposição, a mãe poderia dizer: um divide e outro escolhe. O que divide vai achar que está tendo vantagem porque é ele que está fazendo a divisão e o que escolhe vai achar que está tendo vantagem porque é ele que vai escolher o pedaço primeiro."
"O Costão do Santinho é um hotel, um resort, em Florianópolis construído numa encosta de morro, em que não pode ter construção. É área de preservação ambiental, mas está lá construído. O Ministério Público Federal entrou com ação para derrubar o Costão do Santinho.
Ou ele vai mandar derrubar o Costão do Santinho, o que pela lei é o mais lógico. Ou ele vai rasgar a lei e dizer: não, tem muitos interesses, vai ficar o hotel. O juiz decidiu fazer uma aposta na conciliação, chamou a universidade, o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), os empresários, a comunidade. Fez um acordo em que todo mundo se comprometia. O Costão do Santinho existe até hoje.
A população local teve assegurado um percentual enorme de preenchimento das vagas do hotel. Os empreendedores fizeram um sítio arqueológico para proteger os restos indígenas, construíram escolas de proteção ambiental, fizeram reflorestamento. Podemos criticar pontos desse acordo, mas é um resultado que nenhum juiz conseguiria por sentença."
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