A divergência entre os posicionamentos registrados no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), na votação sobre o ponto processual da delação premiada que pode levar à anulação de sentenças da Lava Jato, incluindo a do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), nesta quinta-feira (26), também está presente entre os especialistas e operadores do Direito, dado o caráter técnico e político da decisão e as suas consequências.
Por 7 votos a 5, o entendimento que prevaleceu entre os ministros é o de que réus delatados têm o direito de falar por último nos processos em que também há réus delatores. A Gazeta ouviu dois especialistas que deram seus diferentes pontos de vista sobre o assunto (veja no final desta matéria as análises).
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A retomada do julgamento ficou marcada para a próxima quarta (2), quando os ministros irão ajustar os efeitos da decisão, ou seja, como será a aplicação restrita da tese a determinados casos. Ao definir este quesito, ficará claro se este entendimento iria de fato anular 32 decisões da Lava Jato, beneficiando 143 condenados, ou não. De toda forma, não há efeito vinculante, que é quando outros magistrados são obrigados a seguir o mesmo entendimento em casos futuros, e sim haverá a formação de uma jurisprudência.
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A votação do entendimento foi aberta em meio ao julgamento do habeas corpus de Márcio de Almeida Ferreira, ex-gerente de Empreendimentos da Petrobras, condenado por corrupção e lavagem de dinheiro. Mas a questão que levou à anulação foi posta em voga após o ex-presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, ter conseguido vencer um ação em um recurso porque teve o mesmo prazo para apresentar suas alegações finais de defesa do que outros réus que haviam feito delação premiada.
A legislação estabelece que o acusado deve sempre se manifestar por último nos processos penais antes do julgamento, como modo de garantir a ampla defesa e impedir novas acusações de última hora, sem que os citados possam se manifestar. No caso de Bendine, a Segunda Turma do STF decidiu anular a sentença e voltar com o processo para a primeira instância, o que abriu um precedente.
IMPASSE E CRÍTICA
O impasse foi gerado porque como o instituto da delação premiada é recente no direito brasileiro, criado em 2013, a lei não distinguiu réus delatores e réus delatados ao falar dos prazos para as alegações finais. O que os ministros fizeram foi, a partir de uma interpretação da Constituição, determinar que essa distinção é necessária para não cercear o direito de defesa. Nessa visão, os delatores, mesmo sendo réus, podem trazer novas acusações contra o delatado, e por isso, este precisa ser ouvido por último.
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No entanto, críticos da decisão que favoreceu Bendine e que pode ser estendida a outros réus, afirmam que a fase de alegações finais não é destinada à produção de provas. Isso porque geralmente não se apresentam novas acusações nessa etapa, pois os principais relatos ocorrem na fase de audiência com os réus.
A Gazeta consultou juristas da área de Direito Processual Penal para analisar o que pode representar esse julgamento para os casos em tramitação e os futuros. Veja abaixo o que eles dizem.
"É preciso que possa haver o contraditório"
Margareth Vetis Zaganelli, professora de Direito Penal da Ufes
"As alegações finais são uma peça processual apresentada ao juiz que tem a finalidade de influir na decisão do magistrado. É ali que se alegam eventuais vícios que maculem o processo, que pode ser feita uma análise de toda a prova colhida na instrução processual, e é um momento que há paridade de armas, pois Ministério Público e advogados vão falar suas pretensões.
A decisão do STF preservou uma garantia processual, a do devido processo legal, assegurando um direito à ampla defesa ao acusado. É direito do réu ter amplo conhecimento daquilo que pesa contra ele. O réu delator pode ter trazido ao processo fatos novos, e isso depois pode agravar sua pena, por exemplo.
Por isso, é preciso que possa haver o contraditório. E essa decisão não significa que os réus estão absolvidos, nem vão trancar a Ação Penal. Há a nulidade do ato processual, e não do processo. O ato terá que ser refeito, ele volta de onde a defesa fez o pedido para se manifestar, e o mesmo não foi concedido."
"Alegações finais não são meio de prova"
Pedro Ivo de Sousa, presidente da Associação Espírito-Santense do Ministério Público
"É uma interpretação inovadora do plenário do STF, que confirma o posicionamento da Segunda Turma. Até então, não havia a previsão da obrigatoriedade de separação das alegações finais nesses casos de corréus, delatores e delatados.
As alegações finais não são meio de prova, é simplesmente uma síntese conclusiva de cada uma das partes sobre aquilo que ela entende que seja justo diante de todas as provas produzidas. Dizer que irá afetar o contraditório, por si só, é uma afirmação genérica.
Esses réus delatores também são réus, não são assistentes de acusação. É preciso também demonstrar que houve um pedido do réu para se manifestar após as alegações finais, e ele foi negado pelo juiz, comprovando prejuízo.
Vale ressaltar que, até então, o Ministério Público não errou, ou descumpriu alguma regra até então vigente. É o STF que está inovando com nova regra no campo processual. Agora, vale acompanhar qual será a decisão sobre os efeitos desta decisão. Em regra, a lei processual penal só é aplicada para a frente. Embora esta não seja uma lei, é uma fonte de Direito, por meio de jurisprudência, e espera-se que se adote a mesma sistemática."
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