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TJES decide aposentar juiz denunciado por donos de supermercado

TJES decide aposentar juiz denunciado por donos de supermercado

Decisão foi no âmbito de processo administrativo. Juiz Ivan Costa Freitas, da 5ª Vara Criminal de Vitória, também responde a uma ação penal no tribunal

Publicado em 2 de outubro de 2020 às 09:14

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Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES)
Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) terminou de julgar PAD envolvendo juiz de Vitória. (Reprodução/TV Gazeta)
TJES decide aposentar juiz denunciado por donos de supermercado

Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) decidiu, nesta quinta-feira (1º), aposentar compulsoriamente o juiz Ivan Costa Freitas, da 5ª Vara Criminal de Vitória. Essa é a pena máxima prevista como conclusão de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD). Ele receberá salário proporcional ao tempo de serviço. 

O magistrado, no entanto, também é réu em uma ação penal na Corte. Freitas foi denunciado pelo Ministério Público Estadual (MPES) e a apuração do MP embasou atuação da Corregedoria do TJES, o que levou à abertura do processo administrativo.

Tudo começou quando os sócios de um supermercado procuraram o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) para relatar a oferta de uma "composição", que transpareceu que seria financeira, para "tirar" a empresa e um funcionário da mira da Operação Sanguinello, deflagrada em 2014.

O julgamento do PAD ocorreu em segredo de justiça. O trecho da sessão não foi transmitido pelo canal do TJES no YouTube, como tem ocorrido desde que as sessões passaram a ser virtuais, em meio à pandemia de Covid-19.  

Mas a reportagem de A Gazeta apurou que 14 desembargadores votaram para aplicar a pena de aposentadoria a Ivan Costa Freitas. O placar foi apertado.

Para que uma pena disciplinar seja imposta é preciso que haja a maioria absoluta dos votos, ou seja, metade mais um. O TJES tem 30 cadeiras de desembargador, mas três estão vagas. Assim, o total de votantes é de 26 e a maioria absoluta é, justamente, 14. Se houvesse um voto a menos a pena não poderia ser estipulada.

A defesa do magistrado ainda pode apresentar recursos, ou ao menos um embargo de declaração, utilizado para esclarecer pontos de uma decisão judicial.

O CASO

A Operação Sanguinello descortinou, de acordo com o MPES, um esquema de crimes contra a ordem tributária, associação criminosa, lavagem de dinheiro, entre outros, envolvendo o setor bebidas, como o vinho.

Os donos de uma rede de supermercados contaram ao Gaeco que um deles foi procurado por outro empresário com uma proposta. Ele disse ser amigo de um juiz que estava "à frente de um caso de um processo envolvendo vinhos".

Tal ação poderia atingir o supermercado e que "pela amizade que tinha com o juiz, aquela era a oportunidade e o momento para resolver o problema", "mediante uma composição". Valores não foram mencionados.

A quebra do sigilo telefônico dos envolvidos no âmbito da apuração do MP sobre o caso comprovou, ainda segundo o órgão, contatos entre eles nos horários informados pelos sócios.

Os empresários disseram terem recusado a oferta, mesmo após o suposto intermediário ter listado possíveis consequências, como decretação da prisão de um funcionário do supermercado e expedição de mandados de busca e apreensão.

Vinte dias depois foi isso mesmo que aconteceu, por determinação do juiz Ivan Costa Freitas. O alvo do mandado de prisão temporária, no entanto, não foi localizado. Os próprios denunciantes contaram que souberam um dia antes, por meio de outra pessoa, de nome não revelado, que a ação ocorreria e avisaram o funcionário. Depois, a prisão foi revogada. O funcionário não chegou a ser detido.

A Corregedoria Geral da Justiça, que recebeu informações do MP, considerou que havia indícios de quebra de sigilo funcional por parte do magistrado, uma vez que o suposto intermediário do pedido de vantagem indevida tinha conhecimento prévio sobre medidas a serem determinadas na Operação Sanguinello.

E ainda indícios do próprio pedido de vantagem indevida, além de decretação de prisão temporária "de ofício", ou seja, sem que o Ministério Público tivesse solicitado.

O MPES sustentou que o funcionário e o supermercado nem eram alvos da Sanguinello quando o intermediário procurou o empresário com a oferta de "composição".

A PENA

Um magistrado aposentado compulsoriamente não recebe o valor completo do benefício, como se tivesse se aposentado normalmente. A remuneração é  proporcional ao tempo de serviço. 

O valor do subsídio de um juiz de Direito é de R$ 33,6 mil brutos mensais.

SEM AFASTAMENTO

No último dia 24, ainda no âmbito da ação penal e não do processo administrativo, 14 desembargadores do TJES votaram pelo afastamento do juiz e oito foram contrários. O resultado não alcançou, no entanto, os dois terços necessários (18) para que o afastamento se concretizasse.

Para a aposentadoria compulsória se concretizar é preciso a publicação da decisão do TJES (o acórdão) e a análise de eventual recurso a ser apresentado pela defesa. 

O OUTRO LADO

A reportagem de A Gazeta procurou, mais uma vez, nesta quinta-feira, a defesa do juiz Ivan Costa Freitas, mas não obteve retorno.

Os advogados do magistrado, em defesa prévia à Corregedoria, no entanto, rebateram a tese do MPES. Alegaram não haver prova de que o juiz pediu alguma vantagem indevida. O intermediário "teria sugerido uma 'composição com o declarante', ou seja, uma composição sem sequer citar o nome do magistrado", ressalta o texto.

A defesa destacou também que, "no primeiro dia útil após o recesso", o próprio juiz se afastou da Operação Sanguinello. Na decisão, ele criticou a condução da investigação, sugeriu querer ir atrás de "tubarões" e citou vários ditados populares.

"Constatei ainda, que mesmo com a fuga de um dos alvos, o próprio Ministério Público requereu a revogação da prisão temporária, mesmo com o relato do Delegado de Polícia, de que o mesmo obteve informação privilegiada. As minhas conclusões, o meu intelecto, a minha discricionariedade não podem e não serão aviltadas", escreveu Ivan Freitas, na ocasião.

"Não sofrerei um estupro ideológico. Como diz o provérbio popular: 'O pau que dá em Chico tem que dar em Francisco'. E outro: 'chutar cachorro morto é fácil'. E mais: 'Pegar peixinho... e os tubarões?' Por estes, e por motivo de foro íntimo dou-me por impedido para funcionar no presente feito, devendo ser concluído ao meu substituto legal", complementou.

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