O Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) decretou, nesta quinta-feira (29), a prisão preventiva dos juízes de Direito Alexandre Farina Lopes e Carlos Alexandre Gutmann. Os dois foram denunciados pelo Ministério Público Estadual (MPES) no âmbito da Operação Alma Viva, que apura a suposta venda de uma sentença proferida por Gutmann em março de 2017, quando atuava na Vara da Fazenda Pública Estadual da Serra.
O posicionamento a favor da prisão foi unânime entre os desembargadores durante a sessão do Pleno. A defesa de Farina pediu a conversão da medida para prisão domiciliar, o que foi negado pela Corte. Gutmann e Farina já estão afastados das funções, como determinou o TJES no dia 15 de julho.
Os juízes foram presos por volta das 20h. Eles se apresentaram no Quartel da Polícia Militar, em Maruípe, em Vitória, onde vão ficar em cela especial.
Além dos magistrados, também foi determinada a prisão preventiva do empresário Eudes Cecato e o ex-funcionário da Amages, Davi Ferreira da Gama, denunciados pelo MPES. Eudes foi beneficiado pela sentença e, segundo o Ministério Público, pagou pela decisão. Já Davi intermediou as negociações, ainda segundo o órgão.
A denúncia foi apresentada pelo MPES na quarta-feira (28). Já a investigação começou em maio deste ano. Inicialmente, os autos do processo estavam sob sigilo, derrubado em julho deste ano pelo TJES.
Ao todo, sete pessoas foram denunciadas por crimes de corrupção passiva e ativa: os juízes Alexandre Farina e Carlos Gutmann: o ex-policial civil Hilário Frasson, que está preso por envolvimento no assassinato da ex-mulher, a médica Milena Gottardi; Davi Ferreira; Eudes Cecato; além do advogado Luiz Alberto Lima Martins e Valmir Pandolfi.
A Corte ainda tem que analisar a denúncia. Se ela for recebida, os acusados tornam-se réus. Somente depois eles devem ser julgados e podem ser condenados ou absolvidos.
O pedido de prisão foi feito pela procuradora-geral de Justiça, Luciana Andrade, autora também da solicitação de medida cautelar que afastou Gutmann e Farina das funções.
Durante a sessão desta quinta-feira (29), a procuradora pontuou que, na época já havia possibilidade de solicitar a prisão preventiva, mas que entendia-se, no momento, como proporcional o afastamento, "valendo-se do princípio de excepcionalidade e da cautela".
Andrade ressaltou, contudo, que a medida não se mostra suficiente para impedir que os magistrados e outros denunciados atrapalhem as investigações do MPES. Durante o curso do procedimento criminal e oitiva de testemunhas, ficou evidenciado "um cenário de contínua interferência na produção de provas pelos investigados", disse a procuradora, que citou:
"Encontro na cidade de São Paulo entre os investigados Eudes Cecato e o magistrado Alexandre Farina, que já lá se encontrava a pretexto de tratamento médico; intensa comunicação telefônica entre Davi Ferreira e o magistrado Gutmann; histórico de buscas na internet efetuados por Davi Ferreira no qual procurou informação sobre transferência de dados entre aparelhos da marca Iphone, bem como apagar dados contidos no aparelho, comunicação telefônica por aplicativos de mensagem entre Eudes Cecato e Alexandre Farina por interpostas pessoas. Fatos esses que nos levam ao presente e necessário requerimento de prisão preventiva", ressaltou Andrade durante sessão do TJES.
A relatora do caso, desembargadora Elisabeth Lordes, votou a favor da prisão preventiva e foi seguida à unanimidade. No voto, ela registrou que a prisão preventiva fazia-se necessária para "garantir a instrução processual".
"Assiste razão à procuradora no pedido de prisão, em especial pela necessidade de resguardar a ordem pública e pela necessidade de preservar a imagem do Judiciário, não pairam dúvidas de corrupção nesses áudios. Os investigados atuaram para atrapalhar as investigações, constranger testemunhas e destruir provas. Para a garantia da instrução processual, que ora se inicia, com oferecimento de denuncia feita ontem, refutando que com a aplicação de outras medidas cautelares, não seria possível impedir acesso ao processo dos investigados enquanto estiverem em liberdade. Assim, estou votando pelo acolhimento do pedido", registrou.
Ao votar, o desembargador Willian Silva afirmou que entendeu que o afastamento seria suficiente para impedir que os investigados atrapalhassem as apurações, mas "mesmo assim tentaram interferir ou se comunicar entre si", justificou.
Já o decano da Corte, desembargador Adalto Tristão, destacou, ao acompanhar o voto da relatora, a gravidade do caso. Segundo o magistrado, é algo que "envergonha todo o Judiciário Estadual".
"Um dos casos mais graves e mais sérios dos últimos tempos que envergonha todo o Judiciário Estadual, com a mais ampla repercussão, ao ver a cada dia este tema estampado nas manchetes dos jornais."
A suspeita sobre a venda da sentença publicada em março de 2017 surgiu a partir de outra investigação, a da morte da médica Milena Gottardi. O ex-marido dela, o ex-policial civil Hilário Frasson, foi denunciado como mandante do crime.
O executor confesso, Dionatas Alves Vieira, afirmou que Hilário gostaria que o crime fosse cometido na Serra, onde teria "um juiz amigo". Em análise de mensagens e ligações feitas pelo celular de Hilário, o MPES chegou ao nome do magistrado Alexandre Farina.
Ainda de acordo com o MP, Hilário e Farina intermediaram a negociação. Hilário manteve contato com Eudes Cecato, interessado na titularidade de um terreno, e com Farina. Este, por sua vez, ainda segundo as investigações, atuou ao lado de Gutmann para garantir que a decisão judicial beneficiasse o empresário. Isso em troca de pagamento a ser feito por Cecato.
Nas mensagens a que o MPES teve acesso, a propina é chamada de "vacas" ou "rebanho" por Farina.
Por meio de nota, a defesa do juiz Alexandre Farina classificou a decisão da Corte como "descabida e desnecessária" e afirmou que "não há qualquer interferência nas investigações" por parte do magistrado.
"Apesar dos argumentos jurídicos apresentados pela relatora do caso, desembargadora Elizabeth Lordes, a defesa do juiz Alexandre Farina Lopes discorda integralmente da decretação de prisão preventiva. Isso porque, há menos de 15 dias, em sessão do Pleno do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), foram analisadas e deferidas medidas cautelares de natureza pessoal, ou seja, diversas da prisão preventiva. Desde então, não há qualquer interferência nas investigações por parte de dos investigados, em especial, do magistrado Alexandre Farina Lopes. Diante disso, a prisão preventiva neste momento é descabida e desnecessária, o que será demonstrado pela defesa em recurso próprio", diz a nota.
Já o juiz Carlos Gutmann afirmou, via assessoria de imprensa, que é inocente e que tem confiança de que a Justiça vai apurar todos os fatos.
"O juiz Carlos Alexandre Gutmann emitiu nota na semana passada atestando sua inocência. Garantiu que não há e não surgirá uma única comunicação com os demais investigados que possa ser associada a tratativas, negociações, favores indevidos ou infrações de deveres funcionais. Disse também que tem confiança de que a Justiça vai apurar todos os fatos, considerando seu histórico pessoal e profissional de reputação ilibada. 'A Justiça, com competência e sensibilidade, vai chegar à verdade, distinguindo entre onde existem fatos e onde existem apenas aparências e conjecturas', ", disse por nota.
A defesa de Davi Ferreira disse que não vai se manifestar sobre o caso.
A reportagem não conseguiu falar com a defesa de Eudes Cecato. Na última semana, o advogado de defesa do empresário disse que, desde que ficou ciente dos fatos investigados, Eudes prontamente acatou todas as demandas indicadas e se colocou à disposição para colaborar com as investigações.
"Sendo assim, registra seu mais alto interesse em contribuir para o esclarecimento de todos os fatos, de maneira que a Justiça seja feita", escrevem os advogados Fernando Ottoni e Clécio Lemos em nota enviada à reportagem.
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