O período entre o suposto início das negociações para a venda de uma sentença no Fórum da Serra e o recebimento do dinheiro por parte dos envolvidos foi de tensão para o então diretor do Fórum, o juiz Alexandre Farina. É o que transparece em mensagens trocadas entre ele e o apontado como intermediário do esquema – ponte entre juízes e um empresário –, o ex-policial Hilário Frasson. Os diálogos são transcritos no âmbito de inquérito criminal, que apura se houve ilegalidade.
As mensagens trocadas entre os dois, analisadas pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES), vão de fevereiro de 2017, um mês antes de a sentença supostamente vendida ser proferida, até maio daquele ano.
Nelas, Alexandre Farina demonstra preocupação com atrasos nos pagamentos, que poderiam colocar em risco a confiança de outras pessoas envolvidas nos atos investigados. Ele relata crises de choro, tremores e fala em dobrar as doses de remédios para a redução de ansiedade.
Além de Farina, também há indícios da participação do juiz da 1ª Vara Cível da Serra, na época à frente da Vara dos Feitos da Fazenda Pública Estadual do município, Carlos Alexandre Gutmann. É ele quem assina a sentença supostamente vendida ao empresário Eudes Cecato, que teve a empresa beneficiada com a decisão. O Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) determinou o afastamento cautelar dos dois magistrados.
O caso, ainda em investigação, trata de suspeitas em uma ação de suscitação de dúvida sobre um imóvel em Pitanga, na Serra. Resumidamente, o cartório local procurou a Justiça para saber quem era o proprietário do terreno, que a Cecato Negócios Imobiliários dizia pertencer à empresa.
A investigação estava sob sigilo, mas, após suspeitas de vazamento antes da deflagração de uma operação para cumprir mandados de busca e apreensão em casas de investigados, os documentos se tornaram públicos, por decisão do TJES, na quinta-feira (15).
Em fevereiro, o primeiro momento de estresse retratado nas conversas analisadas pelo MPES, Farina demonstra preocupação com os procedimentos realizados pelos advogados de Eudes Cecato, que poderiam comprometer a discrição do esquema. Em 15 de fevereiro de 2017, Luiz Alberto Lima Martins, advogado do empresário, foi até o Fórum e deixou um documento com uma pessoa que não era a indicada. Farina queria que os papéis fossem entregues diretamente a Carlos Alexandre Gutmann.
Alexandre Farina: "Porra ai é foda"
"Olha só, mais uma vez ele me falou o seguinte: faz chegar as minhas mãos que eu resolvo. Porra avisa ao dono da ação que foi aguardado o momento certo e o adv (advogado) ta mascando"
''Manda o adv (advogado) ir na secretaria e pegar o processo e colocar embaixo do braço e ir despachar, contudo me avisar quando indo fazer isso, ou seja, vc me avisa"
Dias depois, em 23 de fevereiro, Hilário foi acionado por Alexandre Farina após outro intermediário, Davi Ferreira da Gama, que era funcionário da Associação dos Magistrados do Espírito Santo (Amages), relatar que o empresário não ia "cumprir a obrigação".
No episódio, Davi havia ido até o Aeroporto de Vitória falar sobre o acerto financeiro com Eudes Cecato, que teria dito "que não daria nada para ninguém, no máximo um agrado". Farina argumentou, na época, que já havia dado início às movimentações e que "não tinha como voltar atrás".
Farina: "Não tem volta Hilário, como vou fazer, coloquei mais gente para dentro que nem o Davi sabe, nem pode saber. Aqui entre colunas. Amigo, o cara foi para Salvador, chamou Davi antes de embarcar e disse: não vou dar e se der errado lá eu recorro não prometi nada para ng, no máximo era um agrado. Porra, fala sério, uma ginástica monstra em todos os sentidos, insinuações eu passei e coloquei para fuder e agora isso??? E aí???"
"irmão eu já fiz compromisso financeiro por conta disso e a terceira pessoa idem. E ai???”
"Cara vc não tem ideia de como tou. Já chorei to tremendo, sabe pq, fiz compromissos com terceiros que em hipótese alguma posso falhar e, também, financeiro"
Mais adiante nas conversas, Farina revela preocupação em ser cobrado.
Farina: "Liga para esposa dele, fale no zap com ela sei da um jeito as pessoas vão me cobrar".
Hilário tenta acalmar o juiz e reforça a credibilidade com o empresário.
Hilário: "Fica tranquilo"
"Ele vai me dar e eu vou repassar"
"Já disse"
"Nunca falhou"
Em outro trecho das conversas entre Alexandre Farina e Hilário, o juiz chamou a atenção do ex-policial sobre a preservação de sua identidade e reclamou que uma outra pessoa, possivelmente o empresário, disse a Davi, um outro intermediário, que agradecesse ao juiz.
"Não quero que diga que este dinheiro é para mim, porra desde o inlao te li isso. No final da conversa com Davi ele mandou me agradecer, ai é foda", escreve Farina a Hilário, que responde com um "ok".
Em seguida, na mesma conversa, Hilário e Farina marcam um encontro, em que o ex-policial ligaria para o empresário na frente do juiz, para acalmar o magistrado.
Farina: “Cara to desesperado. Olha aqui, vou ter que levar minha esposa em VV. Vamos encontrar amanhã cedo la em casa”
Hilário: "Só para te acalmar. Então eu passo lá as 8 hein"
Farina: "6, 7, 8 a hora que quiser"
Hilário: "Tá desesperado mesmo"
Farina: "muuuuito fiz compromissos com terceiros que estão trabalhando no sítio além dos meus"
Hilário: "nunca falhou"
Farina: "sim vc disse isso mas o que foi dito para Davi foi completamente diferente. Não vai da"
Hilário: "Ele não tratou nada com ele. Tranquilidade irmão"
Farina: "Estava tomando Olcadil 2mg hj vou tomar de 4"
Hilário: "Para com isso hein. Nós somos nós porra. Até amanhã"
No dia seguinte, quando Hilário e Farina se encontraram, o magistrado disse ter ficado "alucinado" com a postura do empresário e por ele querer falar com o juiz. Em uma mensagem enviada às 8h43, logo após o encontro (marcado para as 8h), Farina relata suas preocupações quanto à discrição, a complexidade do esquema e que fez "compromissos com mais duas pessoas".
Farina: "Meu irmão, veja só, eu confio em você. tudo foi tratado com vc. Não foram poucas as vzs que me pediu para ir com vc para conhecer a pessoa e dizia a vc: meu irmão me preserve em tudo e vc replicava na hora dizendo :fique tranquilo quanto a isso. Não sei por qual motivo o cara começou a querer falar comigo, eu não tenha nada para fl com ele, o meu negócio é com vc, apenas com vc. O cidadão acha que é molezinha a parada. pqp, não preciso explicar que vc sabe toda a engenharia que foi e está sendo feita. O pior disso tudo foi o que o seu camarada fl ontem no aeroporto para aquela pessoa. Isso me deixou alucinado. Como disse o meu negócio é com vc e fiz compromissos com mais DUAS pessoas. Quero mais uma vez deixar claro que não irei admitir meu nome nisso dando zun zun zun. existe como dito mais duas pessoas trabalhando nisso e nem pensar em dar barulho. Meu irmão, resolva isso por favor. Um TFA (saudação maçônica) .: Grato"
Durante as conversas, Farina repete algumas vezes que a negociação precisa ser feitas "entre colunas". A expressão, comum entre maçons, significa que algo precisa ser feito envolvendo apenas maçons. As colunas, neste caso, referem-se às colunas das lojas maçônicas.
Além disso, há momentos nas conversas em que Farina e Hilário se saúdam com a sigla TFA, que pode ser uma alusão a Tríplice Fraternal Abraço, um cumprimento realizado na maçonaria. Outra referência feita nas conversas são os três pontos, representados por ".:", muito utilizado entre os maçons em uma alusão ao triângulo, que representa Deus na cultura maçônica.
Farina: “Até agora no trabalho da situação so tem eu e uma pessoa, quinta-feira na mão, as coisas estão sendo realizadas como jogo de xadrez.
"E o Cara vem dz. E apenas uma suscitaçãozinha!!!"
"PQP ta foda”
Hilário: “Conseguiu adiantar o documento para hoje?”
Farina: "Abs."
"Abs não, um TFA .:"
"E tudo tem que ser entre colunas literalmente”
Hilário: "Ok"
"Entre colunas pode não"
"O vendedor de vacas (codinome usado para falar sobre Eudes Cecato, o empresário) é maçom antigo kkkk"
Farina: “kkkkk"
"mais antigo então deve saber das regras ao menos de preservação do silêncio e informações”.
A defesa do juiz Alexandre Farina afirmou que foi surpreendida com o julgamento realizado na quinta-feira, que definiu o afastamento do magistrado, e reforçou, por nota, "o compromisso do magistrado em colaborar com a Justiça, a fim de esclarecer todos os fatos que se encontram em apuração".
"A decisão do tribunal pleno foi uma surpresa para todos nós, tendo em vista que o inquérito visa apurar fatos de 2017 e que, portanto, não possuem contemporaneidade para uma medida tão drástica como uma cautelar penal. De toda sorte, como ainda não foi nos dado acesso e nem intimados, não temos condições de analisá-la de forma mais acurada, mas assim que uma coisa ou outra acontecer iremos tomar as medidas necessárias. O juiz Alexandre Farina Lopes continua à disposição da Justiça capixaba, da mesma forma como sempre se portou nesses mais de 18 anos dedicados à magistratura, ou seja, com todo o respeito necessário ao Tribunal de Justiça do Espírito Santo", diz a nota assinada pelos advogados Rafael Lima, Larah Brahim, Mariah Sartório, Kakay, Roberta Castro Marcelo Turbay, Liliane Carvalho, Álvaro Campos e Ananda França.
Quanto aos diálogos transcritos no inquérito, a defesa de Farina diz que eles não são reconhecidos pelo magistrado: "Infelizmente não podemos nos posicionar quanto aos diálogos, na medida em que eles não são reconhecidos pelo juiz Alexandre Farina. Já que teriam sido extraídos do aparelho celular de um terceiro. Além do mais, ainda não sabemos em quais condições essa extração foi realizada, portanto, a legalidade dessas informações é duvidosa".
A defesa de Carlos Alexandre Gutmann nega veementemente qualquer espécie de envolvimento do juiz com os graves fatos sob apuração. "Ao lado da certeza de sua inocência pesam os dezoito anos de serviços prestados com reconhecida qualidade e incólume reputação. A defesa acredita que a Justiça chegará à verdade", diz a nota assinada pelos advogados Israel Jorio e Raphael Boldt.
O advogado de Hilário Frasson no caso Milena Gottardi, Leonardo Gagno, afirmou que o ex-policial não foi notificado a respeito de uma suposta participação na venda de sentença, como aponta o MPES. Nesta segunda-feira, Hilário prestou depoimento ao órgão, mas o advogado disse que não foi informado e que vai encontrar Hilário ainda esta semana para ter acesso ao processo sobre a venda de sentença.
A defesa de Eudes Cecato disse que desde que o empresário ficou ciente dos fatos investigados prontamente acatou todas as demandas indicadas e se colocou à disposição para colaborar com as investigações. "Sendo assim, registra seu mais alto interesse em contribuir para o esclarecimento de todos os fatos, de maneira que a Justiça seja feita", escreveram os advogados Fernando Ottoni e Clécio Lemos em nota enviada à reportagem.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta