O Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) decidiu, nesta quinta-feira (30), afastar das funções o juiz Marcelo Nunes de Souza Noto, da Comarca de Presidente Kennedy . Ele também vai responder a Processo Administrativo Disciplinar (PAD).
Entre os 18 pontos listados pela Corregedoria do TJES, em apuração preliminar, está “um forte esquema de favorecimento montado pelo juiz”, como registra o voto do corregedor-geral da Justiça, desembargador Samuel Meira Brasil Jr.
Ele apontou “procedimento ilegal para levantamento indevido de vultosas quantias em favor de empresas” patrocinadas por advogados específicos, um em particular, que seria amigo do juiz. Esses processos eram movidos contra o município de Kennedy.
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“O valor total liberado pelo magistrado e levantado por simples alvarás, somente por um dos advogados, alcança o montante de R$ 2.674.671,34.” Os “simples alvarás” substituíam o rito legal correto, que seria o pagamento por meio de precatórios.
RELAÇÃO AMOROSA
Uma das pessoas que fazem parte do esquema montado pelo juiz, ainda de acordo com o corregedor-geral, é Geovana Quinta Costa Longa, sobrinha do ex-prefeito da cidade Reginaldo Quinta. “Foi secretária municipal em três pastas, dentre elas, a Secretaria de Educação, sendo conhecida como ‘super-secretária’ e apelidada na cidade como ‘abelha rainha’, cujo poder na região é inquestionável”, anotou o corregedor.
“Sendo pública e notória a existência de uma relação amorosa entre os dois, o juiz atuou e favoreceu Geovana em diversos processos”, apontou o corregedor. São listados na apuração preliminar ao menos cinco ações em que Geovana era parte. O juiz deu-se por suspeito – para não atuar no caso – em apenas um deles.
O magistrado trabalha na cidade desde 2013. Hoje, a prefeita afastada de Kennedy é Amanda Quinta (PSDB), que está presa. Ela é prima de Geovana.
A reportagem tentou contato com Geovana Quinta, nesta quinta-feira. Ao ser informada do que se tratava, a ligação foi encerrada. Durante a sessão do TJES, a defesa de Marcelo Noto chegou a destacar que em Kennedy há muitos boatos, devido à rivalidade política.
"MORTO-VIVO"
Outro caso que, de acordo com o que o corregedor relatou na sessão de ontem do TJES, ganhou até o apelido de “morto-vivo” em Kennedy, foi o de uma mulher que entrou com uma ação para receber valor depositado na conta de um homem com quem teria mantido uma união estável. O homem, de acordo com certidão de óbito apresentada pelo advogado da mulher, estaria morto.
O magistrado chegou a autorizar o bloqueio de cerca de R$ 6 milhões de uma conta bancária, dinheiro que foi transferido para a conta do advogado.
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O marido da mulher que entrou com a ação, no entanto, estava vivo. E teve que ir a Presidente Kennedy provar isso. A certidão de união estável e a de óbito seriam “fraudes grosseiras”.
Para a Corregedoria, “as provas apontam que a condução do processo pelo magistrado foi muito suspeita, chegando o juiz, até mesmo, a trazer a petição inicial consigo e levá-la, em mãos, ao setor de protocolo, despachando no processo antes mesmo que a autuação fosse realizada”.
À Corregedoria, na apuração preliminar, a defesa alegou que o advogado da mulher foi vítima de um golpe e que todo o valor transferido das contas judiciais foi devolvido.
DESCRÉDITO MORAL
Outro resultado da apuração preliminar foi a constatação de “conduta social inapropriada” do juiz, que “goza de absoluto descrédito moral perante a comunidade local”, segundo o corregedor: “Há relatos de que o juiz faz uso excessivo de bebida alcoólica em locais públicos e em festas municipais, passando por situações constrangedoras que são testemunhadas e, até mesmo, filmadas pela população de Presidente Kennedy”, escreveu.
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A abertura do PAD foi à unanimidade. O afastamento, não. O desembargador Willian Silva propôs que Noto fosse afastado apenas para tratamento.
“Deve ser encaminhado a tratamento médico. (O alcoolismo) é uma patologia que leva à compulsão. Merece tratamento e não sanção”, afirmou Silva.
O corregedor, seguido pela maioria, no entanto, entendeu que as suspeitas encontradas vão além das questões de saúde e conduta social.
O desembargador Fábio Clem destacou o constrangimento que a permanência do magistrado nas funções provocaria.
Marcelo Noto acompanhou toda a votação desta quinta. Abordado pela reportagem ao deixar o salão Pleno do TJES, preferiu não conceder entrevista.
EXCESSO DE LINGUAGEM
Também durante a apuração prévia, a defesa sustentou, de acordo com os autos aos quais a reportagem do Gazeta Online teve acesso, que houve "excesso de linguagem" no teor da acusação da Corregedoria. Na peça há até um organograma do esquema que, para a defesa, "parece pretender emular aqueles elaborados pelo Ministério Público Federal ou pela Polícia Federal com o intuito de passar ao julgador, ou à opinião pública, uma ideia de que determinado investigado, a priori, já é considerado culpado das imputações que lhe são atribuídas".
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O corregedor-geral ressaltou, no voto, que "em momento algum foram feitas afirmações categóricas sobre a responsabilidade do magistrado".
APOSENTADORIA
Com a abertura do PAD, novas provas serão coletadas e testemunhas ouvidas. A defesa também poderá novamente se manifestar. Somente ao fim do procedimento é que será definido se o magistrado sofrerá alguma punição ou não. As penas na esfera administrativa para membros da magistratura que já adquiriam vitaliciedade vão de advertência a aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais.
O OUTRO LADO
Além de ter destacado argumentos lançados pela defesa durante a apuração preliminar e na sustentação oral feita durante a sessão, a reportagem procurou os advogados do magistrado após a decisão de afastamento e abertura do PAD. A resposta foi enviada por meio de nota:
"Os advogados Marco Antônio Gama Barreto e Henrique Zumak, responsáveis pela defesa dos magistrados Marcelo Noto e Vanderlei Marques, afirmam que os juízes negam peremptoriamente as acusações, seja no tocante à má conduta profissional, quanto pessoal. A abertura de Processo Administrativo Disciplinar lhes proporcionará a oportunidade de confirmar e aprofundar a investigação defensiva já realizada, quando provarão suas respectivas inocências. Quanto ao teor das acusações, não há possibilidade de manifestação diante do segredo de justiça imposto aos processos".
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