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“Uber do servidor” do ES tem altos gastos e longos percursos

“Uber do servidor” do ES tem altos gastos e longos percursos

Funcionários públicos usaram aplicativo para ir e voltar de casa para o trabalho. Executivo garante que gasto com as mais de 18 mil viagens entre 2017 e 2019 representa economia

Publicado em 14 de dezembro de 2019 às 14:27

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Palácio Anchieta, sede do governo do ES: TáxiGovES foi lançado em 2017 para o governo deixar de gastar com carros oficiais, gasolina e motoristas . (Marcelo Prest | Arquivo | A Gazeta)

Falta pouco para as oito horas da manhã e um então subsecretário do Estado se prepara para ir ao trabalho. Aciona um serviço de carro por aplicativo na Praia de Itaparica, em Vila Velha, vence um entediante trânsito matinal e chega ao Centro de Vitória menos de uma hora depois. A viagem sai por R$ 42,64. Um pouco mais tarde, uma diretora de autarquia chama um veículo em Santa Lúcia, na Capital, e segue para Cariacica, onde trabalha. O serviço custa R$ 32,78.

Cenas como essas, de membros de vários escalões do governo indo e voltando de casa para os locais do trabalho com corridas por aplicativo, se repetiram pelo menos centenas de vezes nos últimos anos. Nada extraordinário. Afinal, a tecnologia mudou a mobilidade urbana. O detalhe, porém, está em quem pagou pelos deslocamentos: você.

A Gazeta analisou 18.840 corridas realizadas entre novembro de 2017 e agosto de 2019 por meio do TáxiGovES, serviço do governo do Estado para economizar com transportes de servidores. Elas custaram R$ 598.822,08, no período. O governo garante que essa é uma despesa que gerou economia milionária aos cofres públicos. Os dados foram obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).

Não existia a vedação, e membros de diferentes escalões, desde que devidamente cadastrados para usar o serviço, podiam evitar a lotação do Transcol ou poupar a própria gasolina no deslocamento diário a caminho do serviço. Um luxo que poucas empresas privadas oferecem a funcionários. O rigor só aumentou em outubro deste ano. Uma nova portaria publicada pela Secretaria de Gestão e Recursos Humanos (Seger) restringiu o uso, mas secretários ainda podem usar o serviço para ir e voltar de casa.

O TáxiGovES foi lançado em 2017 para o governo deixar de gastar com carros oficiais, gasolina e motoristas. Inspirado em empresas que revolucionaram o mercado de transportes, é uma espécie de “Uber do servidor” com finalidade corporativa. Serve para que funcionários públicos se desloquem para reuniões, eventos, solenidades e outros compromissos, sem que a administração pública tenha que manter veículos próprios ou alugados. No período analisado, conforme os dados enviados pela LAI, 26 corridas custaram mais de R$ 200. Pela mais cara, o serviço cobrou exatamente R$ 290,79 e foi requisitada por um servidor do Iema. Começou na sede do órgão, em Cariacica, e terminou em Serra Sede. Ao todo, foram percorridos 81,9 quilômetros, segundo o registro oficial.

PERCURSO MAIOR COM O CARRO DE APLICATIVO

O caminho mais lógico entre o endereço de partida e o de chegada dessa viagem mais longa, conforme aplicativos convencionais de trânsito, não passaria dos 39 quilômetros. E aí está outra característica do TáxiGovES. O percurso informado em centenas de viagens é bem maior do que o caminho mais curto entre a origem e o destino.

Em junho de 2018, por exemplo, um servidor da Secretaria de Transportes chamou um veículo na Reta da Penha, 714, Praia do Canto, para levá-lo até a Rua Sete de Setembro, 362, Centro de Vitória. Mapas indicam que o trajeto pode ser percorrido em 7,7 quilômetros. Contudo, o carro deslocou-se por 35,6 quilômetros.

A explicação oficial é a de que o governo recomenda o agrupamento das viagens, de forma que a mesma corrida sirva para mais de uma demanda, embora o registro público só informe o nome de um passageiro e não especifique a finalidade do chamado. Além disso, destaca o governo, o contrato anterior com a empresa que disponibiliza o sistema permitia deslocamentos intermediários, regra que a atual gestão afirma ter "aperfeiçoado".

O serviço funciona por meio de uma empresa contratada pelo Estado. A firma tem motoristas credenciados. Eles atendem aos chamados dos servidores credenciados pelas secretarias para usar o serviço do TáxiGovES. Em geral, as solicitações são agendadas pela internet por servidor responsável pelo setor de transporte.

R$ 10,5 MIL PARA UM SERVIDOR IR E VOLTAR PARA CASA

Dos R$ 598 mil, R$ 22.062,99 foram gastos por um único ex-subsecretário do Estado, entre novembro de 2017 e dezembro de 2018. O nome dele consta como passageiro de 431 viagens. O ponto de partida mais comum foi um endereço residencial da orla de Itaparica, com viagens que começaram, em geral, entre 7 horas e 9 horas. As corridas começaram lá 197 vezes. Dessas, 189 terminaram em um prédio público do Centro de Vitória, no local de trabalho dele. Somente estas 189 viagens de casa para o serviço custaram ao Estado R$ 10,5 mil.

O privilégio de ir e voltar do trabalho sem gastar nada do próprio salário não ficou restrito a membros do segundo escalão. O presidente de uma autarquia gerou despesa de R$ 17.788,69 entre 20 de março de 2018 e 21 de janeiro de 2019 com deslocamentos.

Ao todo, foram 442 corridas, das quais 113 terminaram em uma casa em Jardim Camburi, Vitória, e outras 144 começaram no mesmo local. Ou seja, quase 60% dos deslocamento foram para ir ou voltar para casa.

Setenta e quatro viagens do dirigente foram de Jardim Camburi para o local de trabalho, e 99 foram solicitadas para percorrer o sentido inverso. Só com essas 173 o custo gerado pelo ex-presidente do órgão foi de R$ 9.536,20. Em geral, conforme mostra o relatório oficial, os chamados a partir ou para endereços residenciais costumavam ser feitos perto de horários comerciais.

Outra diretora de autarquia gerou uma despesa de R$ 12.245,91, com 295 viagens. E 126 corridas começaram em um endereço residencial na Praia da Costa, em Vila Velha, e terminaram na sede do órgão. Outras 124 viagens tiveram o caminho exatamente contrário. Ao todo, só para ir e vir do trabalho, a despesa gerada por ela foi de R$ 10.680,38.

Os nomes não estão sendo informados porque não foi possível identificar todos os servidores que usaram o TáxiGovES para ir e voltar de casa, o que impossibilitou a constatação de todos os que usaram o serviço para esse fim. Também não foi possível apontar a proporção dos gastos com essas viagens dentro da despesa total.

Os dados obtidos via LAI não discriminam o motivo das chamadas e contém muitas falhas nos registros. Em alguns casos, há erros ou ausência de números dos imóveis. Em outros, os nomes de passageiros não são especificados.

GOVERNO DO ESTADO: SERVIÇO GEROU ECONOMIA MILIONÁRIA

Usos para economias em orçamentos pessoais à parte, o governo do Estado garante que o TáxiGovES gerou uma economia milionária aos cofres públicos. Segundo dados da secretaria estadual de Gestão e Recursos Humanos, entre novembro de 2017 e junho de 2019, o Poder Executivo deixou de gastar R$ 3.524.014,18.

“Essa economia é aferida a partir da comparação do custo por quilômetro rodado apurado com a solução por aplicativo versus as soluções convencionais (veículo próprio/alugado com motorista)”, informou a pasta, em nota.

Do final de 2017 a agosto de 2019, as despesas com corridas realizadas por meio do serviço somaram R$ 598 mil. “Tal necessidade de deslocamento de servidores/colaboradores se justifica pela própria natureza das atividades públicas, em especial as relacionadas aos serviços de caráter administrativo ou em horários extraordinários. Desta forma, estes servidores se deslocam para participar de audiências, reuniões, licenciamentos, vistorias técnicas, fiscalizações, etc., em diferentes destinos dentro do Estado”, explicou a secretaria.

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