A urna mostra a foto de um candidato, mas, no fundo, o eleitor está escolhendo três, quatro, ou mais representantes. Essa é a proposta dos mandatos coletivos, que tem crescido no Brasil. Na prática, funcionaria assim: um vereador eleito para um mandato coletivo não estaria sozinho nas decisões, posicionamentos e propostas que fizesse durante o tempo de legislatura. Tudo seria discutido e decidido de forma coletiva com os covereadores que, por mais que não estivessem na foto da urna, foram eleitos com ele.
Mas, isso existe? Legalmente, não. A Justiça Eleitoral não reconhece essa modalidade de candidatura e, por isso, por mais que as decisões sejam tomadas em conjunto, apenas o candidato que foi registrado na Justiça Eleitoral será considerado para receber salário e benefícios, assinar projetos, discursar e votar as leis na Câmara. Será ele, também, o responsabilizado por problemas durante o mandato, como atos de improbidade administrativa, por exemplo.
Caso algo aconteça com aquele parlamentar eleito registrado na Justiça, quem vai substituí-lo não será um colega do mandato coletivo e sim o suplente já previsto na lei, ou seja, pode ser alguém que pode não dar seguimento às bandeiras e causas do mandato anterior.
No Espírito Santo, em 2020, apenas duas candidaturas estão propostas nesse formato. É o caso da Vitória Coletiva, candidatura formada por Drica Monteiro (Cidadania), de 40 anos, e mais três mulheres; e da candidata Micheline Ramos (PSOL) e mais duas mulheres em Colatina.
Embora a ideia esteja chegando, aos poucos, no Espírito Santo, em São Paulo, Minas Gerais e outros Estados brasileiros houve um crescimento expressivo dessas candidaturas nos últimos pleitos. Há, inclusive, um mandato coletivo na atual legislatura da Assembleia Legislativa de São Paulo que tem como porta-voz a deputada estadual Mônica Seixas (PSOL) e mais oito "codeputados".
Para a doutoranda em Ciências Políticas que pesquisa mandatos coletivos Bárbara Lopes Campos, o crescimento pode ser observado, principalmente, a partir de 2016 e entendido pela conjuntura política com uma demanda maior por representatividade política. Assim, as candidaturas e mandatos coletivos poderiam potencializar a representação de grupos tradicionalmente excluídos da esfera política brasileira, assinala.
É no mandato de Mônica Seixas que Drica Monteiro e suas candidatas a covereadoras se espelham para planejar o mandato ou mandata como elas preferem chamar por ser formado apenas por mulheres e como será feita a divisão de responsabilidades, salários e benefícios.
No caso, todos os codeputados são alocados em vagas dentro do gabinete, como assessores, e dividem igualmente as responsabilidades e poder de decisão. Todos são remunerados, também, com a mesma quantia.
Eles fizeram um acordo entre eles, registrado em cartório, para decidir a questão financeira e outros pontos. Em São Paulo, nomearam como assessor e todos ganham igual, o que, no caso daqui, a vereadora ganhar a mais, é revertido em bens para o gabinete e todas as decisões serão tomadas coletivamente, aponta Drica. A questão, no entanto, ainda está sendo avaliada por advogados, para que a prática não gere problemas de improbidade administrativa.
A candidatura do Cidadania é formada por Drica, que é estudante de Serviço Social, Lorena Silva, de 34 anos, que é estudante de técnica de hospedagem no IFES, Myrela Froés, estudante de Direito de 29 anos, e Raquel Nurse, estudante de letras de 39 anos.
Em Colatina, Micheline Ramos, de 49 anos, se eleita, vai dividir o mandato com Thayara Sobrinho, de 26 anos, e Rachel Ferreira da Silva, de 38. A escolhida para aparecer nas urnas foi Thayara. O grupo é chamado de Mulheres de Luta. São três mulheres negras, trabalhadoras, com o objetivo de seguir uma linha de raciocínio contra a violência, afirma Micheline.
Thayara representa a juventude, a Raquel é mãe e empreendedora e eu tenho como principal bandeira a causa da mulher negra, a luta contra a violência contra a mulher. Embora essa seja uma bandeira de todas, afirma Micheline.
Para o professor de Direito Eleitoral Alberto Rollo, a iniciativa não tem efeito prático. Por não ser reconhecido pela Justiça Eleitoral, registrar é um só, ir à tribuna é um só, votar é um só. Ele aponta, no entanto, que em sua opinião todos os mandatos políticos deveriam ser coletivos.
Os grupos que conheço são formados por segmentos. Ora, dá pra fazer a mesma coisa com qualquer eleito. A vontade de participar mais da sociedade é louvável, mas não estão percebendo que dá pra fazer isso com qualquer um. Dá pra cobrar, mandar e-mail, ir à Assembleia. Uma boa solução seria, por exemplo, fortalecer os partidos políticos. Os partidos são um coletivo. Daí se você votar em políticos daquele partido vai estar votando no coletivo que aquele partido representa, pontua.
Para o cientista político Nauê Bernardo Azevedo, por outro lado, a ideia é interessante porque chama atenção para falta de representatividade no parlamento. É muito difícil pelo próprio sistema eleitoral que a gente consiga eleger pessoas com certas ideologias. Mostra que o mandato parlamentar é um instrumento de ideias, de política e não de pessoas, ressalta.
Admite, no entanto, que podem ser percebidos pontos negativos, como uma forma de dar a volta na legislação eleitoral que determina uma cadeira por pessoa ou a chance de gerar dúvida no eleitor quanto a quem deve ser cobrado pelos atos daquele mandato.
É um mandato coletivo, quem foi que tomou a decisão errada? Quem responde por isso? Alguém ali está com o nome na urna, pondera.
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