O acesso do Ministério Público a dados fiscais e bancários de cidadãos investigados está em debate no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira (20). A decisão pode afetar investigações sobre crimes como lavagem de dinheiro e corrupção no Espírito Santo.
Os ministros vão decidir se há necessidade de autorização judicial prévia para que ocorra essa troca de informações entre os órgãos de investigação e os órgãos de controle, como o antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), atual Unidade de Inteligência Financeira (UIF), a Receita Federal e o Banco Central.
O processo decide se é constitucional que órgãos de controle repassem dados bancários e fiscais ao Ministério Público, sem autorização judicial, para fins de investigação penal. O caso específico é de um recurso de um processo contra donos de um posto de gasolina do estado de São Paulo, com repercussão geral reconhecida, o que significa que a decisão valerá para todos os casos semelhantes nas demais instâncias do Judiciário. Nesse processo, houve o compartilhamento de um relatório da Receita, e a polêmica é em torno do direito ao sigilo bancário e fiscal. No entanto, neste caso, por exemplo, a prova da materialidade do crime contra a ordem tributária estava demonstrada exclusivamente com base nas informações obtidas pela Receita Federal e compartilhadas com o Ministério Público Federal (MPF). O MPF defende que o próprio STF já julgou constitucional a Lei Complementar que Dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras, e a quebra de sigilo bancário pela Receita Federal, sem a necessidade de intervenção do Judiciário. Dizem ainda que que o compartilhamento detalhado facilita as investigações e advertem que, se houver limitações, o papel do MP será esvaziado.
Em julho deste ano, o presidente do STF Dias Toffoli suspendeu em todo o país todos os processos judiciais em andamento no país que utilizavam dados compartilhados sem autorização judicial. Segundo o Ministério Público Federal, ao menos 935 processos estão paralisados em razão da decisão tomada por Toffoli em julho. Um deles é o do senador Flávio Bolsonaro, no qual também houve compartilhamento de dados pelo Coaf. Flávio era alvo de um procedimento no Ministério Público do Rio de Janeiro por suspeita de "rachid, nome dado à prática de nomeação de pessoas em cargos de comissão em troca de parte do salário delas.
A decisão de Toffoli pode ser mantida pelo Supremo e ser considerado que somente dados gerais podem ser repassados pelos órgãos de controle ao Ministério Público sem autorização judicial. Nesse caso, se quiserem complementar a apuração com mais informações, promotores ou procuradores terão que requerer aval da Justiça. Se isso ocorrer, é possível que os ministros tenham que "modular" o alcance da decisão, ou seja, decidir a partir de quando o entendimento vale, para não anular atos passados. Em outro cenário, os ministros podem decidir que o repasse de dados detalhados não é quebra de sigilo porque o Ministério Público também mantém o segredo das informações. Neste caso, a autorização judicial seria necessária somente para se obter extratos bancários ou declaração de Imposto de Renda. O STF também vai discutir se só é possível compartilhar dados genéricos ou também dados detalhados. O MPF que se os investigadores forem ter acesso apenas a informações genéricas, isso obrigará essa instituição, a fim de ter acesso aos dados detalhados, a requerer em juízo a quebra de sigilo de pessoas que, por vezes, não praticaram qualquer conduta suspeita.
Em outubro, um levantamento do Ministério Público Federal (MPF) identificou as investigações e ações penais paralisadas por consequência da decisão de Toffoli, tomada em julho, e concluiu que o Espírito Santo foi o 2º Estado com o maior número de casos afetados, com 95. Por Estados, o número só é menor do que de investigações travadas em São Paulo, 178. Elas dizem respeito a potenciais crimes contra a ordem tributária, contrabando ou descaminho, contra o patrimônio, sonegação de contribuição previdenciária, falsidade ideológica, uso de documento falso, formação de quadrilha, estelionato e outros. Para procuradores do Espírito Santo, este intervalo, entre julho e novembro, com a liminar da suspensão, pode se ter sacrificado apurações maduras, ocorrido uma série de evasão de divisas, ter operado instituições financeiras não autorizadas de forma veloz.
A Procuradoria Geral da República explicou que as investigações são sigilosas e não poderia dar detalhes sobre as 95 apuradas bloqueadas no Espírito Santo. Um dos investigados que procurou a Justiça para suspender suas investigações foi Leandro Rainha, que era secretário de Assistência Social de Presidente Kennedy e um dos presos na Operação Rubi, do Ministério Público Estadual. O ex-deputado José Carlos Gratz também tentou se beneficiar da liminar de Toffoli, em seu processo do Esquema das Associações, mas o pedido foi negado pela Justiça.
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