O empresário Eudes Cecato e o ex-funcionário da Amages (Associação de Magistrados do Espírito Santo) Davi Ferreira da Gama, investigados pelo Ministério Público Estadual (MPES) em um processo que envolve venda de sentença judicial, possivelmente sabiam que seriam alvos de mandados de busca e apreensão em junho deste ano.
De acordo com a desembargadora Elisabeth Lordes, responsável por autorizar o cumprimento dos mandados, nenhum dos alvos demonstrou surpresa com a operação e um deles apagou dados do telefone antes da chegada de membros do Gaeco (Grupo de Atuação de Combate ao Crime Organizado). O que pode indicar que houve vazamento do conteúdo da investigação.
"A circunstância do investigado Davi, logo após o protocolo das medidas investigativas e cautelares perante essa Corte, ter adotado a cautela de apagar histórico de mensagem e trocar de chip, bem como seu estranho comportamento a receber a equipe do Gaeco para cumprimento de mandado de busca e apreensão, pode indicar que houve vazamento do conteúdo das investigações", destacou a desembargadora durante sessão do Tribunal de Justiça desta quinta-feira (15), que, à unanimidade, decidiu afastar das funções os juízes Alexandre Farina e Carlos Alexandre Gutmann, que também são investigados no caso.
Ao menos nove pessoas são alvo do inquérito do Ministério Público que apura um suposto esquema para venda de sentença. O órgão aponta indícios de crimes de corrupção passiva, corrupção ativa e exploração de prestígio.
Segundo o MPES, Carlos Gutmann proferiu a sentença supostamente negociada em benefício do empresário Eudes Cecato em março de 2017. Já Farina teria intermediado as negociações, assim como o ex-funcionário da Amages, Davi Ferreira da Gama.
Ainda segundo a magistrada, os mandados foram cumpridos apenas nas residências de Eudes e Davi, que demonstraram um comportamento incomum para quem é alvo de uma ação desse tipo.
"Os mesmos não demonstraram qualquer reação de surpresa com o ato e nem sequer desejaram contatar advogados para acompanhar ou comunicá-los, o que não seria comum em situações como essa", registrou.
Em um relatório feito pelos investigadores do Gaeco sobre o cumprimento do mandado de busca e apreensão na casa de Davi Ferreira da Gama, eles registraram a frieza do investigado, que estava "usando o fio dental nos dentes" e "ofereceu café".
"As buscas transcorreram de forma tranquila e aparentemente sem reação de surpresa por parte do investigado que no momento da abertura da porta da residência estava passando fio dental nos dentes e assistindo ao jornal local pela televisão, ofereceu café e água à equipe", escreveu o responsável pelo cumprimento do mandado.
Outro fato apontado pela desembargadora que pode demonstrar que houve vazamento da investigação é que, após uma das decisões da magistrada ser publicada no sistema do Tribunal de Justiça, ainda que em caráter sigiloso, ou seja, sem o teor da medida ou nome das pessoas envolvidas, os investigados se comunicaram e tentaram "influir testemunhas e ocultar vestígios".
Uma delas contou, inclusive, que foi procurada por uma ex-assessora do juiz Gutmann, para que emitisse uma declaração sobre a postura dele à frente da Vara da Fazenda Pública da Serra.
"A pedido do magistrado, porque este estaria sendo investigado, solicitava que ela emitisse declaração no sentido de que o magistrado, quando respondeu pela Vara da Fazenda Estadual da Serra, nunca interferiu indevidamente em processos e sempre observou entendimentos jurisprudenciais", registrou, no voto.
Os desembargadores acompanharam o voto da relatora e repudiaram o possível vazamento de informações do inquérito criminal, que tramitava em segredo de justiça. O desembargador Pedro Valls Feu Rosa considerou um "tapa na cara" do Judiciário.
"A propósito desses vazamentos, a descrição de uma diligência, claramente comunicada com antecedência, foi na verdade um tapa na cara desse Tribunal de Justiça. Como se diz por aí, um caso de cadeia", afirmou, ao votar.
Na sessão da última quinta-feira (15), o Tribunal de Justiça do Espírito Santo decidiu afastar dos cargos os juízes Alexandre Farina Lopes e Carlos Gutmann para apurar uma suposta venda de sentença que eles estariam envolvidos. O afastamento foi solicitado pelo MPES, que argumentou que os magistrados estavam atrapalhando as investigações, fazendo contato com testemunhas.
A sentença, que de acordo com a investigação foi negociada em troca de vantagem indevida, foi proferida em março de 2017 por Carlos Alexandre Gutmann e envolvia os interesses do empresário Eudes Cecato e a intermediação do então policial civil Hilário Frasson e de Alexandre Farina, segundo o MPES.
Hilário acabou preso, em setembro daquele ano, acusado de mandar matar a ex-esposa, Milena Gottardi. Apesar do assassinato não ter ligação com a sentença, foi por meio da investigação do homicídio da médica que o MPES tomou conhecimento do caso e chegou até Farina, que, segundo Hilário, "era um juiz amigo".
Em junho deste ano, a pedido do MPES, a desembargadora Elisabeth Lordes autorizou quebra de sigilo de dados e dos telefones do juiz Alexandre Farina, de Eudes Cecato e Davi Ferreira. Foram identificadas mensagens em que Hilário e Farina negociavam uma suposta venda de sentença, a ser proferida por Gutmann, e combinavam pagamento.
Posteriormente, a magistrada também autorizou mandados de busca e apreensão na casa de Eudes Cecato e Davi. Os juízes investigados, e agora afastados, não foram alvos de busca e apreensão.
A reportagem fez contato com um telefone atribuído em documentos ao empresário Eudes Cecato. Uma mulher, que não se identificou, atendeu e disse que ele "não tinha nada a declarar" sobre o caso.
A defesa de Davi Ferreira da Gama disse que ele "irá prestar as informações pertinentes nos próprios autos do processo em trâmite".
A sessão do TJES que resultou na decisão de afastamento dos dois magistrados foi transmitida pelo canal do Tribunal de Justiça do Espírito Santo no Youtube. Confira alguns dos trechos:
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