Os vereadores integrantes da Comissão de Justiça, da Câmara Municipal de Vitória, barraram, nesta quarta-feira (9), o Projeto de Lei 99/2025, que previa permitir a qualquer cidadão instalar câmeras privadas e captar imagens em locais públicos da Capital. Chamada de Lei Martini, a iniciativa faz referência ao comerciante obrigado a retirar mais de 200 equipamentos de videomonitoramento do Centro da cidade.
O relator da matéria, Maurício Leite (PRD), votou pela inconstitucionalidade e foi acompanhado pelos demais membros da Comissão de Justiça: Aylton Dadalto (Republicanos), Aloisio Varejão (PSB), Luiz Emanuel (Republicanos) e Karla Coser (PT).
“É uma matéria muito discutida, polêmica. Eu quero dizer bem claro nesta Casa que a matéria é de suma importância, mas carece de estudos maiores e, como membros da Comissão de Justiça, a gente vê ilegalidade no projeto de lei. Esse tipo de matéria vem com vícios de iniciativa”, afirmou Maurício Leite.
Na mesma linha, o presidente da comissão, Luiz Emanuel, destacou que a discussão se pautou não pelo mérito da iniciativa, mas pela constitucionalidade ou inconstitucionalidade da matéria. “Aqui nós vamos tratar tecnicamente e nós temos motivo, hoje, para concordar com o parecer do vereador Mauricio Leite.”
O autor do projeto, vereador Darcio Bracarense (PL), negou que a matéria tivesse vício de iniciativa, pois não estabelecia que a prefeitura deveria disciplinar o uso das câmeras. “Muito pelo contrário, respeitando a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), a matéria estabelece que o cidadão tem o direito de fazer a gravação de qualquer imagem em logradouro público”, manifestou.
A vereadora Karla Coser acompanhou o voto do relator e apontou, no plenário, que a matéria viola a LGPD e pode colocar em risco a segurança das crianças. “Esse PL é um perigo à proteção das nossas crianças e adolescentes. Pedófilos vão instalar câmeras na frente das escolas, nos espaços onde as crianças circulam e vão fazer o livre uso dessa imagem. A responsabilidade da segurança pública é do Estado, não de indivíduos.”
A parlamentar ainda destacou que as câmeras de videomonitoramento instaladas em casa continuam permitidas. O que está proibido é alguém instalar equipamentos do tipo em praças e logradouros públicos para tomar conta da vida das pessoas. “O seu patrimônio privado vai poder continuar sendo vigiado por você.”
Já Ana Paula Rocha (Psol) disse que a lei é perigosa, pois expõe mulheres, crianças e idosos. “A gente entende a necessidade de segurança, esse debate está posto na sociedade, mas não vai ser de forma atropelada, colocada de forma indiscriminada, sem dizer como vai ser o tratamento desses dados que a gente vai resolver a segurança pública”, declarou.
Na avaliação do especialista em direito civil e empresarial Sandro Câmara, projeto de lei que permita a gravação indiscriminada em espaços públicos tende a violar a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, garantida pela Constituição Federal.
“A captação generalizada de imagens sem causa específica poderia criar um ambiente de vigilância desproporcional a impactar, por exemplo, a própria liberdade de locomoção e até mesmo o direito ao anonimato, principalmente porque se dará em locais públicos”, avaliou.
Sandro Câmara destacou que a LGPD exige base legal específica para o tratamento de dados pessoais. Imagens de pessoas são consideradas dados pessoais e sua captação indiscriminada, como propõe o projeto de lei, violaria artigos da legislação. “Sem a regulamentação e a limitação adequadas, essa poderia ser uma forma de controle excessivo sobre a população, ferindo o direito do cidadão e da cidadã de circular livremente sem esse constante monitoramento.”
O especialista em privacidade e proteção de dados Carlos Augusto Pena da Motta Leal, por sua vez, destacou que a medida tem vício de iniciativa.
“O projeto legislativo interfere em atribuições típicas do Poder Executivo, ao tratar da organização e do uso de espaços públicos, da captura indiscriminada de imagens em logradouros públicos por particulares”, avalia.
Na avaliação de Carlos Augusto, permitir irrestritamente a instalação de câmeras por cidadãos particulares para captar imagens de transeuntes, sem qualquer controle, fiscalização ou critérios objetivos, cria um ambiente de risco à privacidade, especialmente de grupos mais vulneráveis, como mulheres e crianças, grupos com proteção especial de seus dados assegurados pela LGPD.
“Embora o combate à criminalidade seja uma pauta legítima, as soluções devem sempre observar os limites constitucionais e legais, especialmente no que diz respeito à proteção de direitos fundamentais, especialmente a proteção dos dados pessoais dos cidadãos”, declarou.
A discussão polêmica foi levada à Câmara de Vitória após o comerciante Eugenio Martini ser obrigado a retirar mais de 200 câmeras instaladas por ele no Centro da Capital. A medida foi necessária após uma ação movida pelo então vereador de Vitória, André Moreira, do PSOL, junto ao Ministério Público Estadual (MPES) e também apresentada à concessionária de energia elétrica EDP, em fevereiro do ano passado.
Na avaliação do advogado e ex-vereador André Moreira, a iniciativa tem por objetivo proteger os direitos dos cidadãos.
“Só para você ter uma ideia, nem uma empresa de segurança privada, registrada na Polícia Federal pode sair fiscalizando o espaço público se não for contratada para proteger um cliente específico. Colocar câmeras pela cidade inteira, como ele fez, é usurpar uma atribuição que é exclusiva do poder público. Além disso, havia suspeita de que ele estivesse usando postes da EDP e até se apropriando da energia elétrica, o que pode configurar furto”, argumentou.
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