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Vereadores de Vitória questionam homenagem à ativista trans: "Não é mulher"

Vereadores de Vitória questionam homenagem à ativista trans: "Não é mulher"

Falas transfóbicas de Gilvan da Federal (PL) e do presidente da Câmara Davi Esmael (PSD) marcaram sessão desta terça-feira (5). Eles votaram para rejeitar uma moção de aplausos para Deborah Sabará

Publicado em 5 de abril de 2022 às 19:54

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Em mais um episódio de ataque a minorias sociais, vereadores da Câmara Municipal de Vitória se manifestaram contra uma moção de aplausos à ativista transexual Deborah Sabará pelo Dia Internacional da Mulher.

Em sessão realizada nesta terça-feira (05), os parlamentares Gilvan da Federal (PL) e o presidente da Casa, Davi Esmael (PSD), afirmaram que Deborah não merecia receber a homenagem "porque não é uma mulher".  Na avaliação de juristas, as falas caracterizam transfobia, considerada um crime desde 2019.

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Deborah Sabará pode ser outra coisa, mas não é mulher. Isso não é mulher. Deus fez homem e mulher, o resto é jacaré

Gilvan da Federal (PL)
Vereador de Vitória
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Há mulheres que merecem essa honraria e não consigo entender a escolha de uma trans para representar as mulheres

Davi Esmael (PSD)
Presidente da Câmara de Vitória
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Embora não tenham se manifestado na tribuna, outros três vereadores foram contrários à moção: Duda Brasil (União Brasil), André Brandino (PSC) e Armadinho Fontoura (Podemos). A homenagem foi aprovada com 6 votos a favor e 5 contra.

Davi Esmael e Gilvan da Federal durante sessão da Câmara de terça-feira (05)
Davi Esmael e Gilvan da Federal durante sessão da Câmara de terça-feira (05). (Reprodução/Youtube Câmara de Vitória)

A moção de aplausos é um instrumento de reconhecimento do trabalho desenvolvido por pessoas ou instituições. A homenagem foi apresentada pela vereadora Camila Valadão (Psol) e incluía 39 mulheres que desempenham papeis de liderança na sociedade capixaba.

Mas, duas mulheres que constavam na lista foram alvo de questionamentos de parlamentares: a ativista Deborah Sabará e a epidemiologista e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Ethel Maciel.

O vereador Davi Esmael foi o primeiro a se manifestar contra os nomes e, enquanto presidente da Câmara, decidiu levá-los, de forma separada, para votação em plenário. Assim, caberia aos outros parlamentares decidir, por meio do voto, se Ethel e Deborah mereciam ou não a homenagem. 

Em fala na tribuna, Davi questionou a atuação da professora da Ufes no enfrentamento da Covid-19 e disse que o posicionamento dela em favor de medidas de isolamento social "quebrou negócios" no Espírito Santo. "Eu acho que o trabalho da Ethel mais confunde do que ajuda", declarou.

Ethel é uma das referências não só no Estado, mas no Brasil, no combate à pandemia. Ela fez parte do comitê criado pelo Ministério da Saúde para definir o plano nacional para a campanha de vacinação contra a Covid-19. Ela também atuou na sala de situação do governo do Estado e auxiliou a Secretaria de Saúde em pesquisas sobre a doença.

Quanto a Deborah Sabará, Davi argumentou que ela não merecia a homenagem por ser trans. "Não faço parte e não coaduno com aqueles que escolhem trans para serem representantes das mulheres, sobretudo no dia das mulheres", declarou. 

Em seguida, o vereador Gilvan da Federal subiu à tribuna para questionar se a ativista conseguia engravidar. "Ela consegue engravidar? Consegue amamentar? Isso não é mulher", afirmou. 

Importante pontuar que mulheres que não são transexuais também podem não engravidar ou não amamentar.

Após os ataques, a vereadora Camila Valadão defendeu Deborah Sabará e acusou os colegas de transfobia. "Gilvan você é um transfóbico. Tem ódio às pessoas trans. A Deborah Sabará é sim uma mulher. Não se nasce mulher, nós nos tornamos mulher nessa sociedade", se posicionou.

"FALAS SÃO CRIMINOSAS", AFIRMAM JURISTAS

Representante da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da OAB- Seccional Espírito Santo, a advogada Roberta Fernandes Goronsio aponta que as falas dos vereadores "são criminosas e preconceituosas".  Ela cita o art 20 da Lei 7.816/89 que tipifica como crime a atitude de "praticar, induzir ou incitar a discriminação baseada na raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional".

A transfobia foi incluída nessa lei em 2019, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu equipará-la ao crime de racismo. A pena é de um a três anos de prisão.

"O ser mulher é uma identidade pessoal de cada indivíduo, não está atrelado diretamente ao fato da pessoa possuir órgãos genitais femininos. O gênero feminino perpassa por várias nuances e cada mulher é única e diferente, ela sendo cis ou trans merece respeito. Deborah é mulher trans e tem recortes de injustiças que outras mulheres não possuem, dessa forma, a homenagem foi mais que merecida", afirmou Roberta.

Para a advogada criminalista Ananda Ferreira, "não há dúvidas que a atitude dos vereadores é transfóbica".

"Os parlamentares se manifestam contrários à moção por não a reconhecerem enquanto mulher e isso é preconceito. Quando a lei fala de discriminação por identidade de gênero, é isso", destacou.

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Eles tentam impedir que ela seja homenageada por entender que ela não é mulher e isso é um ato de discriminação, além de não caber a eles

Ananda Ferreira
Advogada criminalista
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Ananda ainda pontua que apesar de os parlamentares levantarem uma bandeira religiosa nas falas, ao mencionar que "Deus criou o homem e a mulher" e citar a bíblia, a forma como eles se expressam não pode ser considerada liberdade religiosa. 

"Eles podem se dizer não favoráveis à transexualidade por uma questão religiosa, mas não podem dizer que não aceitam a Deborah enquanto mulher. Não tem que questionar se ela é ou não mulher. Isso não é liberdade religiosa, é discriminação. E eles incitam esse preconceito contra ela por meio das falas", afirmou, ponderando, ainda, que ultrapassa a imunidade parlamentar.

"Não podemos achar que discursos de ódio e falas criminosas estão dentro da imunidade parlamentar", 

Para o presidente do Conselho Estadual de políticas LGBTI+ do Espírito Santo, João Lucas Côrtes, é necessário discutir os limites da imunidade parlamentar. 

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Se existe uma lei que diz que esse comportamento é lgbtfobia, qual o limite? Até onde é opinião? A injúria, a difamação tem impacto maior que uma opinião pessoal. Nós precisamos fazer essa discussão e levar informação e educação para as pessoas

João Lucas Côrtes
Presidente do Conselho Estadual de políticas LGBTI+
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"A gente está na luta por direitos e reconhecimento em uma sociedade que tenta limitar nossos corpos. Foi muito triste assistir à sessão da Câmara. A moção recebeu votos contrários de cinco vereadores. Não foi apenas o Gilvan e o Davi. Existem digitais de outros parlamentares nessa transfobia", finalizou. 

DEBORAH SABARÁ VAI ACIONAR A JUSTIÇA

Deborah Sabará é uma mulher trans, coordenadora de Ações e Projetos da Associação Gold (Grupo Orgulho Liberdade Dignidade) no Espírito Santo. Ela é ativista da causa LGBTQIA+ e já foi presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH).

Deborah já inspirou projetos de lei no Estado, entre eles um apresentado pelo ex-deputado estadual Cláudio Vereza (PT) em 2014. A proposta assegurava a utilização do nome social para travestis e transexuais na Assembleia Legislativa, onde, na época, Deborah trabalhava na assessoria do parlamentar.

A ativista se manifestou nas redes sociais sobre o episódio e lembrou: "Transfobia é crime".

À reportagem, Deborah contou que não conseguiu assistir o vídeo todo da sessão. "Dói demais", afirmou. Ainda abalada, ela disse que vai acionar a Justiça e que episódios assim são inaceitáveis e ferem toda a comunidade LGBTQIA+.

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Eu estou tentando digerir tudo aquilo, é muito forte receber aqueles ataques, mesmo sendo a Deborah, uma ativista que está à frente de uma associação como a Gold, que tem o papel de defender uma comunidade trans

Deborah Sabará
Ativista 
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"Vou utilizar de todos os recursos possíveis, procurar a delegacia, o Ministério Público, a Defensoria. Não dá mais! A fala dos vereadores é maldosa, ríspida, violenta. Eu vou fazer o que for necessário para que isso não se repita".

O QUE DIZEM OS VEREADORES E A CÂMARA

A Câmara de Vitória informou, por nota, que as falas foram emitidas durante um debate parlamentar e que os "vereadores estavam cobertos pela imunidade parlamentar prevista na Constituição Federal."

Davi Esmael, presidente da Casa, manteve o posicionamento. “Fui contra, dentro do debate parlamentar, em homenagear uma trans com uma moção de aplauso pelo Dia da Mulher. Ainda não me explicaram como podem considerar a mesma coisa uma mulher e um homem biológico, ignorando todas as suas características genéticas, biológicas, físicas e psicológicas. Essa é minha opinião e sou livre para expressá-la".

O vereador Gilvan da Federal também foi procurado pela reportagem, mas não enviou posicionamento.

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