Em mais um episódio de ataque a minorias sociais, vereadores da Câmara Municipal de Vitória se manifestaram contra uma moção de aplausos à ativista transexual Deborah Sabará pelo Dia Internacional da Mulher.
Em sessão realizada nesta terça-feira (05), os parlamentares Gilvan da Federal (PL) e o presidente da Casa, Davi Esmael (PSD), afirmaram que Deborah não merecia receber a homenagem "porque não é uma mulher". Na avaliação de juristas, as falas caracterizam transfobia, considerada um crime desde 2019.
Embora não tenham se manifestado na tribuna, outros três vereadores foram contrários à moção: Duda Brasil (União Brasil), André Brandino (PSC) e Armadinho Fontoura (Podemos). A homenagem foi aprovada com 6 votos a favor e 5 contra.
A moção de aplausos é um instrumento de reconhecimento do trabalho desenvolvido por pessoas ou instituições. A homenagem foi apresentada pela vereadora Camila Valadão (Psol) e incluía 39 mulheres que desempenham papeis de liderança na sociedade capixaba.
Mas, duas mulheres que constavam na lista foram alvo de questionamentos de parlamentares: a ativista Deborah Sabará e a epidemiologista e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Ethel Maciel.
O vereador Davi Esmael foi o primeiro a se manifestar contra os nomes e, enquanto presidente da Câmara, decidiu levá-los, de forma separada, para votação em plenário. Assim, caberia aos outros parlamentares decidir, por meio do voto, se Ethel e Deborah mereciam ou não a homenagem.
Em fala na tribuna, Davi questionou a atuação da professora da Ufes no enfrentamento da Covid-19 e disse que o posicionamento dela em favor de medidas de isolamento social "quebrou negócios" no Espírito Santo. "Eu acho que o trabalho da Ethel mais confunde do que ajuda", declarou.
Ethel é uma das referências não só no Estado, mas no Brasil, no combate à pandemia. Ela fez parte do comitê criado pelo Ministério da Saúde para definir o plano nacional para a campanha de vacinação contra a Covid-19. Ela também atuou na sala de situação do governo do Estado e auxiliou a Secretaria de Saúde em pesquisas sobre a doença.
Quanto a Deborah Sabará, Davi argumentou que ela não merecia a homenagem por ser trans. "Não faço parte e não coaduno com aqueles que escolhem trans para serem representantes das mulheres, sobretudo no dia das mulheres", declarou.
Em seguida, o vereador Gilvan da Federal subiu à tribuna para questionar se a ativista conseguia engravidar. "Ela consegue engravidar? Consegue amamentar? Isso não é mulher", afirmou.
Importante pontuar que mulheres que não são transexuais também podem não engravidar ou não amamentar.
Após os ataques, a vereadora Camila Valadão defendeu Deborah Sabará e acusou os colegas de transfobia. "Gilvan você é um transfóbico. Tem ódio às pessoas trans. A Deborah Sabará é sim uma mulher. Não se nasce mulher, nós nos tornamos mulher nessa sociedade", se posicionou.
Representante da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da OAB- Seccional Espírito Santo, a advogada Roberta Fernandes Goronsio aponta que as falas dos vereadores "são criminosas e preconceituosas". Ela cita o art 20 da Lei 7.816/89 que tipifica como crime a atitude de "praticar, induzir ou incitar a discriminação baseada na raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional".
A transfobia foi incluída nessa lei em 2019, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu equipará-la ao crime de racismo. A pena é de um a três anos de prisão.
"O ser mulher é uma identidade pessoal de cada indivíduo, não está atrelado diretamente ao fato da pessoa possuir órgãos genitais femininos. O gênero feminino perpassa por várias nuances e cada mulher é única e diferente, ela sendo cis ou trans merece respeito. Deborah é mulher trans e tem recortes de injustiças que outras mulheres não possuem, dessa forma, a homenagem foi mais que merecida", afirmou Roberta.
Para a advogada criminalista Ananda Ferreira, "não há dúvidas que a atitude dos vereadores é transfóbica".
"Os parlamentares se manifestam contrários à moção por não a reconhecerem enquanto mulher e isso é preconceito. Quando a lei fala de discriminação por identidade de gênero, é isso", destacou.
Ananda ainda pontua que apesar de os parlamentares levantarem uma bandeira religiosa nas falas, ao mencionar que "Deus criou o homem e a mulher" e citar a bíblia, a forma como eles se expressam não pode ser considerada liberdade religiosa.
"Eles podem se dizer não favoráveis à transexualidade por uma questão religiosa, mas não podem dizer que não aceitam a Deborah enquanto mulher. Não tem que questionar se ela é ou não mulher. Isso não é liberdade religiosa, é discriminação. E eles incitam esse preconceito contra ela por meio das falas", afirmou, ponderando, ainda, que ultrapassa a imunidade parlamentar.
"Não podemos achar que discursos de ódio e falas criminosas estão dentro da imunidade parlamentar",
Para o presidente do Conselho Estadual de políticas LGBTI+ do Espírito Santo, João Lucas Côrtes, é necessário discutir os limites da imunidade parlamentar.
"A gente está na luta por direitos e reconhecimento em uma sociedade que tenta limitar nossos corpos. Foi muito triste assistir à sessão da Câmara. A moção recebeu votos contrários de cinco vereadores. Não foi apenas o Gilvan e o Davi. Existem digitais de outros parlamentares nessa transfobia", finalizou.
Deborah Sabará é uma mulher trans, coordenadora de Ações e Projetos da Associação Gold (Grupo Orgulho Liberdade Dignidade) no Espírito Santo. Ela é ativista da causa LGBTQIA+ e já foi presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH).
Deborah já inspirou projetos de lei no Estado, entre eles um apresentado pelo ex-deputado estadual Cláudio Vereza (PT) em 2014. A proposta assegurava a utilização do nome social para travestis e transexuais na Assembleia Legislativa, onde, na época, Deborah trabalhava na assessoria do parlamentar.
A ativista se manifestou nas redes sociais sobre o episódio e lembrou: "Transfobia é crime".
À reportagem, Deborah contou que não conseguiu assistir o vídeo todo da sessão. "Dói demais", afirmou. Ainda abalada, ela disse que vai acionar a Justiça e que episódios assim são inaceitáveis e ferem toda a comunidade LGBTQIA+.
"Vou utilizar de todos os recursos possíveis, procurar a delegacia, o Ministério Público, a Defensoria. Não dá mais! A fala dos vereadores é maldosa, ríspida, violenta. Eu vou fazer o que for necessário para que isso não se repita".
A Câmara de Vitória informou, por nota, que as falas foram emitidas durante um debate parlamentar e que os "vereadores estavam cobertos pela imunidade parlamentar prevista na Constituição Federal."
Davi Esmael, presidente da Casa, manteve o posicionamento. “Fui contra, dentro do debate parlamentar, em homenagear uma trans com uma moção de aplauso pelo Dia da Mulher. Ainda não me explicaram como podem considerar a mesma coisa uma mulher e um homem biológico, ignorando todas as suas características genéticas, biológicas, físicas e psicológicas. Essa é minha opinião e sou livre para expressá-la".
O vereador Gilvan da Federal também foi procurado pela reportagem, mas não enviou posicionamento.
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