Apesar de viver nos Estados Unidos por pelo menos parte do ano, segundo declarou para A Gazeta, o vice-prefeito de Água Doce do Norte, Jacy Donato (PV), não infringe a Lei Orgânica do município por não residir na cidade. Ele recebe R$ 5.750 por mês para estar disponível para cumprir as funções do cargo e substituir o prefeito. Contudo, segundo o procurador-geral do município, Elyanderson Ferreira, é de "conhecimento público" que Jacy não mora lá há algum tempo.
Há relatos de que o vice-prefeito vive em Nova York, onde ele possui "negócios no ramo da construção civil", desde 2018. Jacy confirmou estar na cidade norte-americana há mais de 30 dias, mas nega morar por lá.
O artigo 55 da Lei Orgânica de Água Doce do Norte diz que "o prefeito não poderá, sem licença da Câmara Municipal, ausentar-se do município por período superior a quinze dias, sob pena de perda do cargo". A legislação não menciona o vice-prefeito. Mesmo com a omissão no texto, especialistas consultados pela reportagem avaliam que a situação de Jacy Donato pode ser considerada irregular.
Em entrevista para A Gazeta, na quinta-feira (9), Jacy contou que sempre que está fora do país abre mão de receber o salário pago pela prefeitura. O procurador-geral de Água Doce, no entanto, disse desconhecer essa informação. Nesta sexta (10), Elyanderson afirmou que o pagamento, por obrigação legal, é feito todos os meses. Os valores aparecem no Portal da Transparência do município.
"A Câmara de Água Doce do Norte já fez, no passado, um pedido de informação sobre os pagamentos feitos a Jacy. Assim como constam no Portal da Transparência, foram todos efetuados. Se ele está devolvendo, não tenho essa informação. Desconheço esse trâmite", afirmou.
Como a legislação municipal não prevê obrigação para que o vice-prefeito permaneça em Água Doce do Norte, não há, na interpretação de Elyanderson, nenhum impedimento para que o vice viva em outra localidade.
A Procuradoria-Geral do Município entende que só a partir de 15 dias, caso o atual prefeito, Paulo Márcio Leite (DEM),que estava internado com Covid-19 e morreu no dia 22 de julho, não apresentasse condições de retomar o comando da cidade, é que o vice-prefeito deve ser convocado. Essa convocação pode ser provocada pelo próprio Executivo, mas deve ser feita pela Câmara Municipal.
Nesta sexta-feira (10), em sessão extraordinária da Câmara de Água Doce do Norte, vereadores apresentaram um projeto de emenda à Lei Orgânica para alterar a situação posta. A proposta é que o vice, assim como o prefeito, "não poderá, sem licença da Câmara Municipal, ausentar-se do Município por período superior a quinze dias, sob pena de perda do cargo". Os parlamentares admitem tem tomado a iniciativa após a repercussão da ausência de Jacy na cidade.
Enquanto isso, o prefeito Paulo Márcio (DEM) estava "comandando" o município da UTI, onde se encontrava internado. Elyanderson afirma que a cidade estava sendo gerida com o auxílio da secretária municipal de Administração, Edilamar Dias, conforme as instruções do demista.
Apesar de não haver previsão de punição para o vice-prefeito deixar o país sem o consentimento da Câmara Municipal, especialistas apontam que o caso de Água Doce do Norte pode, sim, estar irregular. Isso porque as Leis Orgânicas e Constituições Estaduais devem seguir o chamado "princípio da simetria" com a Constituição Federal, ou seja, as normas municipais e estaduais devem seguir o mesmo modelo definido para a União.
Sobre a permanência de autoridades fora do país, a Constituição Federal prevê, em seu artigo 83, que o presidente e o vice-presidente da República não podem "sem licença do Congresso Nacional, ausentar-se do país por período superior a quinze dias, sob pena de perder o cargo".
Para o mestre em Direito e especialista em combate à corrupção Raphael Abad, o mesmo princípio deveria ser seguido pelas leis orgânicas dos municípios, em relação à permanência de prefeitos e vice-prefeitos.
"Isso poderia ser interpretado como uma renúncia tácita, ou seja, ele sabia que não podia deixar o município desse jeito quando se ausentou. Ele fez um juramento quando tomou posse, mas se ausentou. Quem deveria estar exercendo o cargo é o vice, não são os secretários. O cidadão não tem o ônus de ser administrado pelos secretários, que não são cargos eleitos. Ele tem o direito de ser administrado pelo vice-prefeito, ou, na ausência dele, pelo presidente da Câmara. Estar fora do país está errado, mas isso deveria ter sido questionado pela Câmara ou pelo Ministério Público", analisou Abad.
Após a coluna Leonel Ximenes, de A Gazeta, noticiar a ausência do vice nesta quinta, o Ministério Público do Espírito Santo (MPES), por meio da Promotoria de Água Doce do Norte, instaurou um pedido para investigar a conduta de Jacy Donato por improbidade administrativa, para verificar se houve enriquecimento ilícito e dano ao erário. A partir disso, pode ser aberto um procedimento investigatório ou não pelo órgão.
Já para o doutor em Direito Cláudio Colnago, além da estadia do vice-prefeito em outro país poder ser questionada moralmente, a falta de uma restrição na Lei Orgânica do município pode, juridicamente, tornar sua situação regular.
"É uma questão que a gente pode questionar do ponto de vista político, mas do ponto de vista jurídico não há uma restrição. Em tese, ele está lá e está à disposição de voltar. Não houve um afastamento do prefeito, ele não está licenciado. Pela legislação, não há nenhuma irregularidade", disse.
O prefeito de Água Doce do Norte, Paulo Márcio Leite (DEM), com Covid-19, estava internado na UTI de um hospital em Colatina desde terça-feira (7) e faleceu no dia 22 de julho. O município estava sendo gerido pelos secretários municipais, já que o vice-prefeito está nos Estados Unidos.
Jacy confirmou que está a pelo menos 30 dias nos Estados Unidos, onde "tem negócios no ramo de construção civil", mas negou morar fora do país. Ele disse que, se for preciso, ele retorna para o município, mas não vê necessidade de voltar neste momento, apesar da internação do prefeito.
De acordo com o presidente da Câmara Municipal de Água Doce do Norte, Rodrigo Cigano (PV), a orientação do departamento jurídico da Casa é de que eles só podem convocar o vice-prefeito, Jacy Donato, a partir do 15º dia de afastamento do prefeito atual. Até lá, de acordo com os parlamentares, o município deve seguir sendo administrado pelo prefeito à distância, com o auxílio dos secretários.
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