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Você dividiria apartamento ou namoraria com quem vota naquele político?

Você dividiria apartamento ou namoraria com quem vota naquele político?

A polarização afeta escolhas do dia a dia. Veja exemplos de quem decidiu não compartilhar casa com bolsonarista ou, ao contrário, compra produtos em lojas de donos que apoiaram o presidente em 2018

Publicado em 22 de setembro de 2019 às 08:08

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Dividir o apartamento, o palco, a vida. Escolher com quem compartilhar espaços e momentos envolve diversos critérios, sempre foi assim. Mas, de uns tempos para cá, o posicionamento político tem sido levado em conta de forma mais usual, pelo menos para alguns eleitores.

Ao anunciar a vaga em uma república, em Vitória, o estudante Robson Silva, de 21 anos, avisou, no Facebook: "não aceitamos bolsominions". A referência é a eleitores de Jair Bolsonaro (PSL).

O estudante Robson Silva anunciou vaga em apartamento em Vitória, exceto para "bolsominions": “A gente só não queria uma pessoa preconceituosa dentro de casa porque, estatisticamente, eleitores do Bolsonaro são mais preconceituosos”. (Vitor Jubini)

"Algumas pessoas ficaram questionando: 'qual o problema da pessoa ter votado no presidente Bolsonaro?' e tudo mais. Sendo que a gente só não queria uma pessoa preconceituosa dentro de casa porque, estatisticamente, eleitores do Bolsonaro são mais preconceituosos, LGBTfóbicos, machistas, racistas", afirma o estudante.

"E a gente é uma casa de muita diversidade. Eu sou gay. A Maria Clara (que também mora no apartamento) é mulher. A gente não queria ficar numa situação desconfortável, que já passamos antes. Os antigos moradores eram extremamente machistas. E, assim, a gente encontrou uma pessoa muito legal", conta.

No "outro lado", há a professora de História Crisley Valle, de 45 anos. Ela mora em Cariacica, é militante pró-Bolsonaro e até filiou-se ao PSL.

Crisley Valle, apoiadora do então candidato Jair Bolsonaro (PSL): “Eles (pessoas de esquerda) acham normal liberar as drogas, o aborto. E eu sou conservadora. Seria uma Guerra Fria ideológica”. (Facebook Crisley Valle)

Crisley também não se vê, hipoteticamente, dividindo o lar com "o pessoal da esquerda". E muito menos em um relacionamento com alguém de posicionamento político tão diferente. "Conviver com o antagonismo é complicado. Sabendo que foi o maior genocídio da História, o de Stalin (Josef Stalin, que governou a União Soviética), você ainda vestir camisa do partido comunista? Como vou conviver com uma pessoa dessa?", questiona.

"Eles acham normal liberar as drogas, o aborto. E eu sou conservadora. Seria uma guerra fria ideológica", resume.

"MIMIMI"

O médico Carlos Barreto, de 58 anos, morador de Vitória, acha que é melhor a divisão de matizes, de cores. "É o perfil de direita. O cara não quer mais saber desse mimimi, desse chororô. Azul é azul e rosa é rosa", define.

"A política hoje passou a ser parte da vida das pessoas. O cara que vai ver um filme, até no cinema ele vê se está politizado aquele tema. Se você vai numa loja..."

Aí entra o tema das relações de consumo. O médico diz que considera isso na hora de decidir onde comprar algum produto. Dá preferência, por exemplo, a empresas cujos donos apoiaram Bolsonaro na eleição. E está ansioso pela possível abertura de uma Havan – do empresário Luciano Hang, aliado de primeira hora do presidente da República – na Grande Vitória. "Se chegar a Havan, nós vamos ajudar o Luciano Hang", adianta.

"Quem quiser ser esquerda, vai ser uma minoria, mas vai continuar vivendo. Mas do ponto de vista de consumo, é isso que está acontecendo. Nós estamos selecionando, sim", afirma Barreto.

Já o estudante Robson não compra na Centauro, loja de materiais esportivos, porque o dono da rede, Sebastião Bomfim Filho, declarou voto no então candidato do PSL em 2018.

"Sou atleta, mas soube que ele apoiava o Bolsonaro e não compro mais lá. Não é questão de posicionamento político. Uma coisa é se a gente estivesse discutindo políticas econômicas. Agora, dar suporte a alguém que tem discurso machista, homofóbico, racista, não dá. Não é questão de posicionamento político, é de preconceito mesmo", avalia Robson.

SHOW

O músico Marcelo Buteri, 40 anos, por sua vez, teve que fazer uma escolha. Convidado a tocar bateria numa banda, numa apresentação especial, não remunerada, teria que dividir o palco com outro músico que tem posicionamento político divergente.

Marcelo é de esquerda. A apresentação será no próximo final de semana, no Viradão Vitória. A participação dele seria no Dia V, com músicas da banda Dead Fish. "Um dos caras que ia tocar é o contrário do que a música representa, do que a banda representa, e eu meio que recusei, não rolou. Tenho outros compromissos também, mas isso pesou muito na hora", revela. Marcelo já integrou o Dead Fish. "É uma banda de esquerda, todo mundo sabe disso."

Ele diz que não chega a escolher lojas para comprar coisas no dia a dia com base em critérios políticos e não adota radicalismos, mantém amigos de outros polos ideológicos. Mas compraria até na Havan? "Lá, não, nem a pau."

É NATURAL BUSCAR POR SEMELHANTES

A doutora em Psicologia Social pela USP Angelita Scárdua diz que a busca por pessoas que compartilham dos mesmos valores que os nossos "faz parte". "No fim das contas, nossa escolha política tem relação com nossos valores, com o que a gente acha que é certo, errado, bom, ruim", destaca.

"Quando a gente escolhe alguém para morar na nossa casa ou estabelecer um vínculo afetivo, é natural querer alguém com os mesmos valores que os nossos, isso é normal", complementa.

"Tenho a sensação que o brasileiro está vivendo um despertar político, sempre viveu muito adormecido para questões políticas e passou a entender que a política faz parte da vida. As nossas escolhas políticas dizem muito sobre a maneira de ver o mundo. Mas o brasileiro ainda é muito imaturo quando o assunto é política, é conduzido pelas emoções, levado pelas paixões", avalia a psicóloga.

A psicóloga Angelita Scardua diz que o brasileiro é levado por emoções, quando o assunto é política. (Guilherme Ferrari)

Se está tudo bem levar em conta esses valores nas relações pessoais, existe um porém: evitar pré-julgamentos. "Partimos do princípio que o eleitor de um determinado político representa uma forma de pensar, sem nuances. Achar, por exemplo, que todo eleitor do Bolsonaro é homofóbico ou que todo eleitor do Haddad (do (PT) usa drogas é ser preconceituoso. A gente não dá ao outro a chance de se mostrar, de conhecer a outra pessoa", diz Angelita.

"Uma coisa é: eu conheci a pessoa, vi que não tem nada a ver comigo e não quero conviver com ela. Ok. Outra é: não a conheço, mas por causa de uma característica dela não quero conhecê-la".

DEBATE

O médico Humberto Pinto, que organiza manifestações de direita à frente do Vitória da Ética, avalia que é importante debater ideias com quem pensa diferente, sem pré-julgamentos. "Você pode ser uma pessoa de esquerda extremamente honesta, com qualidades, e ser preterida por alguém com posicionamento de direita que não tem essas características", exemplifica.

"Sempre tem aquele que diz ‘ah, não converso com ele, não perco nem meu tempo’. Acho que a gente tem que debater, sim. Já comprei camisa do Che Guevara na universidade por ignorância, depois fui ver os posicionamentos dele e não concordei", conta.

"Esse clima de ódio e perseguição surgiu com o atual presidente, até de ‘metralhar a petezada’ ele falou. Foi o sinal mais perigoso e contundente de um candidato que enalteceu um torturador, o único aliás reconhecido pela Justiça como tal (o coronel Brilhante Ustra)", afirma o ex-preso político e militante de esquerda Francisco Celso Calmon.

"Estamos numa democracia, mas a democracia está sendo atrofiada", afirma. "Mas quero que se desarme esse estado de belicosidade. A democracia é fundamentalmente o diálogo."

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