Em menos de uma semana, a Assembleia Legislativa aprovou duas alterações na Constituição Estadual: uma de interesse do Legislativo, e outra do Executivo. Foram seis dias para protocolar, criar comissão especial, receber parecer de um relator, colocar em pauta e votar em dois turnos as Propostas de Emenda à Constituição (PECs), tipo de projeto legislativo que possui o rito mais complexo de tramitação. Tudo foi liquidado em uma sequência de seis sessões nesta segunda-feira (26).
Esse ritmo surpreendentemente acelerado, sem precendentes recentes na Casa, demonstrou como estavam ali, afinados, os interesses dos líderes dos dois Poderes, Renato Casagrande (PSB) e Erick Musso (Republicanos), para aprovar, de forma praticamente casada, a reforma da Previdência estadual e a autorização para antecipar a eleição da Mesa Diretora da Assembleia, respectivamente.
A reforma da Previdência estadual já havia sido apresentada pelo governo aos deputados estaduais no último dia 13, data em que foi enviada para a Assembleia em dois textos: uma PEC que trata da idade mínima e um projeto de lei complementar para elevar a alíquota previdenciária de 11% para 14%. Segundo o Executivo, as alterações seguiram a linha da reforma aprovada em nível federal, e vão promover uma economia de R$ 3 bilhões em dez anos aos cofres estaduais.
Ao lançar os projetos, Casagrande deixou claro desde o início que tinha pressa na aprovação dos dois textos, e que queria tentar aprová-los até o final deste ano. A primeira declaração do presidente da Assembleia, Erick Musso, foi de não garantir esta pressa, no entanto. "A partir do momento que for protocolado, os deputados vão debater a matéria", disse. Questionado se garantiria a aprovação ainda em 2019, disse apenas que a tramitação aconteceria "conforme manda o regimento".
Na mesma semana, Musso recolhia assinaturas dos colegas para protocolar outra PEC, para permitir que a eleição da Mesa Diretora fosse antecipada. Até então, por lei, ela deveria sempre ocorrer a cada dois anos, em 1º de fevereiro. A próxima, portanto, seria nesta data, em 2021. A intenção de Erick, que nos bastidores já se movimenta para buscar a reeleição para seu terceiro mandato no cargo, é de realizar as eleições ainda no final de 2020, pois já teria o apoio garantido da atual composição da Casa. Em 2021, alguns deputados podem dar lugar a seus suplentes, caso eleitos para as prefeituras.
Na mesma reunião para tratar da Previdência, no Palácio Anchieta, Casagrande e Erick Musso conversaram reservadamente sobre o assunto. Depois, o governador chegou a afirmar que a PEC da Eleição Antecipada não era adequada, mas que não interferiria, por ser um assunto de interesse do Legislativo.
A votação "a jato" das PECs chegou a ser criticada por alguns deputados no plenário, nesta segunda, principalmente sobre a da Previdência. O deputado Lorenzo Pazolini (sem partido) falou do tema. "Não há razões para correr do debate. Ainda há a PEC Paralela em discussão em Brasília. Por que não ouvir a categoria, fazer essa votação açodada? Que transparência opaca é esta?", disse.
Sergio Majeski (PSB) reforçou a crítica. "Ninguém está discutindo que a reforma não deve ser feita. Mas ainda faltam bases, dados para que a gente aprove. Não há lógica em aprovarmos em uma semana algo que o Congresso Nacional demorou 10 meses."
O deputado do PSB também foi um dos poucos a questionar a PEC da eleição antecipada. "Precisaria haver uma justificativa de por que isso é bom, em que a população se beneficia. Foi votado de uma forma atropelada. Trata-se de dar transparência ao que fazemos e respeitar o trabalho parlamentar", declarou.
Apesar de não terem debatido o tema em plenário, aliados de Erick Musso disseram não ver problemas na PEC. "Acredito que Erick é um presidente democrático, que dá espaço aos independentes, temos uma aliança com ele. Por isso não me oponho a mudar a data da eleição", afirmou Vandinho Leite (PSDB).
Durante as sessões, o secretário da Casa Civil, Davi Diniz, permaneceu em plenário para garantir que as articulações seriam bem-sucedidas até o último minuto. O líder do governo, Enivaldo dos Anjos (PSD), também fez questão de marcar sua posição a favor do projeto do presidente da Casa. O presidente da Casa, por sua vez, antes das sessões e dentro do plenário, também atuou pessoalmente em favor da aprovação dos projetos do governo, pediu votos a colegas. O resultado não foi surpreendente: 18 votos a favor da PEC da Previdência, e 24 a favor da PEC da Eleição Antecipada, ambas aprovadas.
Para cientistas políticos, a ação orquestrada entre governo e deputados para aprovar os dois projetos tem como principal explicação evitar que fosse possível a mobilização de qualquer força contrária para pressionar as votações, seja os servidores, a opinião pública ou grupos políticos adversários a Erick Musso. Embora, no início, tanto Casagrande quanto o presidente do Legislativo tenham evitado se vincular ao projeto um do outro, a tramitação praticamente casada pode ter passado por negociações.
"Isso demonstra a existência de acordos de cúpula do Executivo com o Legislativo. Se o governador quisesse ir para o confronto, as consequências seriam imprevisíveis. Mas não é possível saber até quando isso vai ajudar ou atrapalhar o governo Casagrande a ter legitimidade e exercer a liderança por um período sustentável. A Assembleia garantiu seu interesse corporativo ao apoiar o governo, mas diminuiu o papel do Legislativo de ser o local de debate", avaliou o cientista político Fernando Pignaton.
Quanto à reforma da Previdência, o economista e analista político José Luiz Orrico pontua que o governo não quis correr o risco de ter que enfrentar as corporações, por isso se articulou para uma votação rápida. "A Previdência já está em debate o ano todo, e possivelmente daqui a cinco anos estaremos discutindo outra reforma. Tem que se pensar em outro formato. Mas o debate dificilmente chegaria a este ponto, pois a discussão não é técnica, as corporações vão à Assembleia para se defender e não querem perder nada. Elas pressionam os deputados, que poderiam esvaziar o projeto", comentou.
Sobre as eleições da Mesa Diretora e a possibilidade de garantir mais tempo no poder a Erick Musso, ele entende como uma medida já visando o pleito de 2022. "A real intenção é ter poder para participar da discussão nas majoritárias. Como presidente da Assembleia, ele tem poder junto a muitas forças políticas. É o jogo de um grupo, não é só dele. É natural que já estejam preparando este terreno", avaliou Orrico.
Para Pignaton, Erick Musso e seus aliados estão consolidando importantes movimentos em um momento de transição da política capixaba. "Isso é feito pensando em todo seu grupo político, que inclui Amaro Neto e outros que têm projetos de poder para o Estado, enquanto a disputa entre Paulo Hartung e Casagrande, aparentemente, se acalmou. Enquanto isso, Casagrande o mantém por perto, para ganhar tempo e conseguir tocar o governo sem muitos atritos. Nada disso exclui acordos ou rupturas que possam vir mais à frente", analisou.
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