Após dizer, mais uma vez, sem provas, que houve fraude nas eleições nos Estados Unidos, onde o voto é impresso, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) voltou a defender publicamente o voto impresso no Brasil. Acontece que esse modelo já foi testado no Brasil em 2002 e não funcionou. Ele se mostrou caro, complexo, além de não ter proporcionado nenhuma segurança a mais.
O voto impresso defendido pelo presidente não significa o retorno das cédulas de papel, mas um modelo híbrido, com voto na própria urna eletrônica. A diferença é que, após cada voto ser confirmado, ele seria impresso, para uma segunda verificação do eleitor, e então depositado em uma urna física.
Essa, segundo Bolsonaro, seria uma forma de auditar os votos, mas isso já é possível hoje, por meio do boletim de urna eletrônica. Além disso, não haveria celeridade no processo de auditoria.
“Nesse modelo de voto impresso, em caso de contestação, cada um desses papéis teria que ser recontado, para ver se o que a urna computou era o mesmo do computado pelos papéis. O repositório físico poderia até ser mais suscetível a erros na hora da contagem”, opina o professor e especialista em Direito Eleitoral Vladimir Feijó.
Em 2002, esse modelo híbrido foi testado em algumas cidades no Brasil. Naquele ano, 6,18% dos eleitores tiveram o voto impresso, seguindo uma mudança instituída pela lei. Mas o processo se mostrou confuso, além de não ter trazido resultados tão positivos, como lembra Feijó.
“Foram constatados vários problemas. Um deles é que o eleitor demorou ainda mais para votar, provocando filas. Além disso, muitos ficaram confusos, esqueciam em quem tinham votado, não sabiam que tinha que confirmar duas vezes, saíam da sala sem terminar”, narra.
O TSE produziu um relatório sobre a experiência e destacou os altos custos. Como as urnas eletrônicas não poderiam ser adaptadas, todas elas teriam que ser substituídas para implementação do novo sistema, gerando um custo de aproximadamente R$ 2,5 bilhões em todo o país.
A conclusão foi que era inviável aquele sistema de votação com voto impresso, que traria mais dificuldades do que benefícios. A lei foi revogada no ano seguinte.
“Verificou-se, então, que, além do custo ser alto, e do sistema ser complexo para o eleitor, ele não se sentia mais seguro votando daquela forma”, conta Feijó.
Em 2015, uma nova reforma eleitoral, votada pelo Congresso, determinou, mais uma vez, a impressão do voto. A lei valeria a partir de 2018. No entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou a lei inconstitucional e, em decisão liminar (provisória), a derrubou.
Na ocasião, o tribunal alegou que a impressão do voto colocava em risco o sigilo do eleitor. Já que, assim como foi observado em 2002, para resolver problemas de travamento de papel na impressora, era necessária a intervenção do mesário, que acabava vendo o voto do eleitor.
A liminar foi confirmada em setembro de 2020, à unanimidade, em votação no plenário do STF. Na ocasião, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE, ressaltou que o sistema brasileiro de votação por urna eletrônica nunca apresentou fraude por mais de 20 anos e, portanto, a mudança não faria sentido.
Para o professor de Direito da FDV Adriano Pedra, a explicação não é muito convincente. Apesar de admitir que os gastos com uma mudança para a impressão de votos nas urnas são altos, e que seria inviáveis para 2022, ele defende que essa possibilidade seja melhor aprofundada. Na opinião dele, isso gera mais transparência e fortalece a democracia.
"Hoje, vejo que não é suficiente que apenas uma empresa de tecnologia faça a auditoria e afirme o resultado para a população. Qualquer cidadão deveria ser capaz de auditar o próprio voto, conferindo na hora. Acho que para 2022 é um prazo muito curto, além de muito caro, mas poderíamos talvez começar aos poucos", comenta.
"Isso traria um aprimoramento da democracia brasileira, traria mais transparência, não porque o presidente quer, mas porque acabaria com a desconfiança das pessoas. Por mais que o voto seja seguro, as pessoas têm que confiar que ele é seguro."
Atualmente, uma das alegações de Bolsonaro para a implementação do voto impresso é que isso evitaria fraudes, o que ele alega, sem provas, que existe no sistema de votação brasileiro.
O voto via urna eletrônica é adotado no Brasil desde 1996. E o próprio Bolsonaro foi eleito deputado federal diversas vezes por meio delas. Nunca contestou as próprias vitórias.
O chefe de seção de voto informatizado do TRE-ES, Alfredo Andrade, explica que as urnas são seguras e que diversos protocolos de segurança são utilizados. Além disso, as urnas são auditáveis do início ao fim do processo.
“Existem muitos mecanismos de segurança, começa já na própria programação da urna até o processo de apuração, onde cada boletim de urna, impresso, é disponibilizado na porta da sessão para que as pessoas possam conferir", destaca.
"No dia da votação, a gente sorteia uma urna, que seria utilizada na votação, e faz uma simulação de voto, para verificar a segurança dela. Nunca aconteceu de nenhuma urna registrar nenhum voto que não foi dado ou contabilizar voto para outro candidato", garantiu.
De acordo com Alfredo, as auditorias podem ser feitas pelos partidos antes da votação e também depois, caso eles questionem o resultado.
Em 2014, inclusive, o PSDB pediu auditoria das eleições, questionando o resultado do pleito. Na ocasião, o então candidato à Presidência da República Aécio Neves (PSDB) perdeu no segundo turno para Dilma Rousself (PT). A auditoria foi feita. Não foram encontradas fraudes no processo.
O sistema de votação na urna eletrônica passou a ser utilizado no Brasil em 1996. O advogado eleitoral e ex-juiz do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) Danilo Carneiro lembra que, entre os objetivos dessa mudança, estava o fato de simplificar a votação para o eleitor e trazer mais segurança, além de independência para votar.
Apesar de não ser esse o sistema defendido por Bolsonaro, alguns apoiadores do presidente têm pedido o retorno do voto na cédula de papel, ou até mesmo que, ao votar, elas recebam um comprovante do voto e levem para casa. O que, na visão de Carneiro, seria um retrocesso.
"Imagina se, todo eleitor, ao sair da sala de votação, ganhar um canhoto, comprovando em quem votou. Isso seria uma forma de intimidação até do voto, de que candidatos pudessem literalmente comprar e controlar votos. Não há argumentação que faça sentido. Falar em voto impresso é voltar a andar de carroça, a praticar atitudes que eram muito mais inseguras", frisou.
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