Foi uma casa de dois andares, rodeada de árvores à beira do rio Itapemirim, em Cachoeiro, no Sul do Estado, o ambiente perfeito para que a única fábrica de pios da América Latina pudesse ser erguida pela família Coelho há mais de 100 anos. Antes utilizados para caça, hoje os pios cumprem a função de preservação da natureza e da história e cultura cachoeirense.
Os pios são instrumentos musicais que reproduzem os sons das aves. Feitos à mão, eles são esculpidos, um a um, em diferentes tipos de madeira. Na terra onde nasceu o rei Roberto Carlos, meu bisavô Maurílio Coelho produziu música bem antes, mas de outra forma, através do canto dos pios. Desde 1903, mesmo ano que chegou a energia elétrica na cidade (Cachoeiro foi a primeira cidade do Espírito Santo a receber energia elétrica), conta orgulhoso Fábio Coelho, músico e atual gestor da fábrica da família.
Segundo ele, a paixão do bisavô pelos pios começou no contato que ele teve com índios e caçadores. Até os anos 1960, os pios eram usados por caçadores pra atrair as aves, porque a caça ainda era liberada. Tudo nasceu assim na verdade, mas muitos músicos já usavam os pios como souvenir nessa época. Aí meu bisavô teve a ideia de montar um pequeno torno pra começar seus primeiros experimentos na produção dos pios, revela.
Os pios já existentes eram feitos de bambu e taquara, mas o som não era dos melhores pra atrair as aves, então foram realizados vários testes e pesquisas, e matas de diversas regiões do país foram visitadas para alcançar a fidelidade de som ideal para cada pio. O esforço deu tão certo que a partir da década de 1970 os pios cachoeirenses começaram a ser exportados para vários países, como Estados Unidos, Alemanha, Dinamarca e Japão.
Atualmente, a fábrica produz 45 modelos de pios diferentes. Nós utilizamos madeiras de reutilização e o tempo pra confecção de um pio pode variar de 20 minutos a 1h30 de acordo com o modelo, mas trabalhamos por peças pra otimizar o tempo de produção. Apesar de termos um padrão de experiência, graças à tradição da nossa família cada pio é único, é muito intuitiva ainda a construção de um. A ideia é até o ano que vem totalizarmos 50 modelos de pios.
Muitos ao se depararem com o pio acabam o comparando a um apito, mas Fábio não gosta muito dessa comparação, não. Costumo brincar que pássaro não apita, ele pia, então prefiro comparar o pio a algo mais fino, rústico, como uma flauta, por exemplo, declara.
Em janeiro, por conta das fortes chuvas que atingiram o Sul do Estado, as máquinas e boa parte dos materiais necessários pra confecção dos pios foram danificados, alguns perdidos, inclusive. A enchente que invadiu o espaço na época atingiu quase dois metros de altura. Hoje, a fábrica sofre ainda com a instabilidade econômica provocada pela pandemia do coronavírus.
Tivemos que nos adaptar como muita gente. Ficamos 15 dias parados e agora estamos vendendo por e-commerce e também aderindo ao programa de incentivo às microempresas. Não podemos parar, nossa intenção é manter a memória viva da nossa fauna e a arte de fabricar pios da nossa família. Assim, nós, bisnetos, filhos, netos, todas as seis gerações de Maurílio Coelho, continuamos um sonho iniciado há tanto tempo e que queremos que se perpetue ainda mais pelas gerações que estão por vir.
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