O Supremo Tribunal Federal (STF) tem debatido nas últimas semanas o denominado “marco temporal”. O slogan reporta a tese de que os povos indígenas só poderiam reivindicar a demarcação de áreas nas quais já estivessem estabelecidas ao momento da promulgação da Constituição Federal de 1988 (05/10/1988). Com essa ideia, aqueles que não estivessem ao tempo em suas áreas não poderiam reivindicar a sua posse.
O processo tem a chamada repercussão geral. Isso significa que a decisão que for tomada servirá como precedente a casos semelhantes que serão decididos em todo o Judiciário.
A discussão, além disso, retoma as concepções a respeito do denominado direito originário das terras ancestrais. Durante todo este período e por diversas vezes, ambos os poderes da República (Executivo, Legislativo e Judiciário), em especial este último, foram provocados a decidirem sobre a controvérsia apresentada.
Independentemente do resultado que se proponha a análise, há que se convencionar o equívoco do direito ao trato com os povos indígenas. Muito embora a questão tenha se desaguado ao anteparo do Supremo Tribunal Federal, não se pode haver a conformação de uma preponderância do direito ao fato.
A este sentido é retomado o pensamento de quais são, verdadeiramente, os fins colimados com a criação e construção do direito. Numa concepção sociológica, o direito tem sua origem ligada aos fatos sociais, as práticas sociais, cultura, tradição, religião e outros. Invariavelmente, há uma indissociação entre fato e direito.
A isto se evidencia que a análise do marco temporal e de tantas outras que vierem não se trata de uma questão estritamente afeta ao campo da composição jurídica, mas, sim, de uma análise do próprio fato social, afinal: é o direito que antecede ao fato ou o fato que antecede o direito?
Não cabe assim ao Supremo Tribunal Federal restringir por um prisma formal o que já restou estabelecido na Constituição Federal e, principalmente, o que materialmente já restou consolidado com a construção histórica, política e social de nosso país.
O direito, antes de tudo, precisa tomar como norte os processos históricos de negação e de reconhecimento dos direitos indígenas, reforçando as dinâmicas de exclusão e subalternidade produzidas por um contexto jurídico de caráter tecnicista e fundadas em modelos relacionais hierárquicos e seletivos que em essência apenas reproduzem as reformas de regulação social impostas pelo capitalismo global e pela ordem nacional emergente.
Por estas e outras razões, encontramo-nos – juristas e cidadãos – imbricados sobre uma realidade complexa, permeada pelos processos de construção jurídico-social das comunidades indígenas, que nos intentam a perquirir e analisar caminhos outros que não sejam aqueles empregados pela análise estrita do direito, mas, sim, pela realidade e construção dos fatos sociais em sua essência.
Autor do artigo: Leonardo Roza Tonetto
É advogado, pós-graduado em Direito Constitucional, mestrando em Políticas Sociais pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), membro da Comissão de Direitos Sociais da OAB/ES, presidente da Jovem Advocacia da 10ª Subseção da OAB/ES.
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