O Espírito Santo possui hoje um complexo portuário arrojado e eficiente, considerado o maior da América Latina diante do tamanho do Estado. No entanto, toda essa pujança demorou décadas para ser formada e contou com a ajuda de grandes indústrias que se instalaram em terras capixabas, além de fatos históricos globais que foram fundamentais para a consolidação dos portos do Estado.
Você sabia, por exemplo, que a invasão do imperador francês Napoleão Bonaparte a Portugal ajudou a aumentar a movimentação dos portos capixabas? Ou que por muitos anos o Cais Comercial de Vitória, em frente ao Palácio Anchieta, foi chamado de “Cais do Imperador” graças a uma visita ilustre ao Estado?
Essas e outras curiosidades que contam a história e a relevância deste importante setor para o desenvolvimento da economia capixaba estão no livro “Portos do Espírito Santo”, escrito pelo jornalista Antônio de Pádua Gurgel, que será lançado nesta quarta-feira, 14 de abril, durante live em A Gazeta. A obra é patrocinada pela ArcelorMittal Tubarão.
O consultor em Inovação Evandro Milet, que atuou na viabilização do projeto, destacou que “os capixabas entendem de portos há quase 500 anos” e que o objetivo do livro é justamente mostrar os motivos dessa vocação do Estado.
“Se tem uma coisa que o Espírito Santo sempre soube fazer bem é mexer com porto. A gente tem uma costa grande, com portos modernos e eficientes. Então se criou essa tradição. Desde 1534 já tínhamos porto e exportação aqui”, destaca.
A nova edição do livro, que teve a primeira versão publicada na década de 1990, traz justamente este resgate dos fatos históricos que contribuíram para o desenvolvimento dos portos capixabas como reflexo da globalização.
O autor destaca uma dessas influências históricas: o desaparecimento de Dom Sebastião, rei de Portugal entre 1557 e 1578. Ele sumiu após a derrota numa batalha no Marrocos, em 1578. Como não acharam seu corpo, criou-se uma crença de que Sebastião voltaria para salvar o reino de Portugal de todos os problemas desencadeados após o seu desaparecimento.
“Todos acreditavam que ele não tinha morrido e isso virou uma crença, se tornando uma lenda se ele ia voltar ou não. Esse fato levou a uma mudança no domínio da coroa portuguesa, porque na linha de sucessão tinha um primo dele que era rei da Espanha, Dom Felipe II, que passou a ser o rei da União Ibérica, formada por Espanha e Portugal”, conta Gurgel.
A criação da União Ibérica, que existiu entre 1580 e 1640, acabou ajudando o Espírito Santo. Naquele período, foram liberadas operações dos portos brasileiros com portos estrangeiros, o que antes era proibido por Portugal. Este fato resultou num intenso comércio entre a Capitania do Espírito Santo e o Sul do continente americano, estimulando também o aumento da produção agrícola no Estado.
Dom Sebastião não voltou para libertar seu povo, mas após a chamada Guerra da Restauração, teve fim a União Ibérica com a Espanha reconhecendo a independência de Portugal. Ao trono portugês ascendeu a dinastia de Bragança, com o rei Dom João IV, em 1960, que logo voltou a proibir as operações dos portos brasileiros com portos estrangeiros.
Com isso, a economia capixaba, que começava a se abrir para o mundo, voltou a se fechar. As mercadorias saídas do Espírito Santo passaram a ser levadas principalmente para os portos de Salvador, Rio de Janeiro, Santos, Paranaguá, Iguape, Cananéia, Itanhaém e Ilha Grande.
Essa proibição durou até 1808, quando a família real portuguesa chegou ao Brasil fugida após a invasão de Portugal pelo exército de Napoleão. País aliado de Portugal na época, a Inglaterra enviou sua Marinha para escoltar a realeza na fuga e garantir a segurança da transferência da coroa portuguesa para a colônia.
Como condição para essa ajuda, os ingleses exigiram a abertura dos portos brasileiros às nações amigas. A medida visava compensar o bloqueio comercial imposto por Napoleão à Inglaterra, o que a impedia de comercializar com países europeus. A exigência foi atendida pelo rei Dom João VI logo ao desembarcar no Brasil, em janeiro de 1808.
A abertura dos portos, além de ser considerada um dos primeiros passos que culminaram na Independência do Brasil, proporcionou um novo ciclo de desenvolvimento para o Espírito Santo, que passou a ter um intenso movimento migratório e se consolidou como um entreposto comercial.
Esse fluxo migratório ajudou a interiorizar o desenvolvimento do Estado. No século XIX, a navegação pelos rios ganhou força e foram criados portos fluviais, como o de Santa Leopoldina. Lá era embarcado o café produzido na região Norte do Espírito Santo para ser transportado através do Rio Santa Maria para Vitória, por onde era exportado.
“O telefone, por exemplo, chegou ao município de Santa Leopoldina antes de Vitória. Como Santa Leopoldina acabou virando um entreposto comercial por causa do porto fluvial, isso levou muito desenvolvimento pra região”, frisa o autor.
Já na época do Brasil Império, outra curiosidade que Gurgel traz é sobre a visita de Dom Pedro II e sua comitiva ao Espírito Santo. Ao resgatar um trecho do livro “Logradouros antigos de Vitória”, de Elmo Elton, a obra lembra que a Capital se preparou para receber a realeza.
O chamado Cais das Colunas do Porto de Vitória foi reformado e ganhou uma bela praça em sua frente. Também foram construídos palanques e uma ponte de desembarque para a realeza, que foi recepcionada com festa pelos capixabas em 26 de janeiro de 1860.
Após a visita, o local passou a ser chamado por anos de Cais do Imperador. No local funciona hoje o Cais Comercial de Vitória, em frente ao Palácio Anchieta.
Já no século XX, o complexo portuário do Espírito Santo deu um salto graças a grandes investimentos e projetos industriais. Foi uma nova era, que mais uma vez ajudou a inaugurar uma fase de amplo desenvolvimento do Estado.
O primeiro deles foi a construção, pela então Companhia Vale do Rio Doce (hoje apenas Vale), do Cais de Minério Eumenes Guimarães, na região do Morro do Atalaia, em Vila Velha. As obras, iniciadas em 1941, representaram a primeira grande expansão portuária do Estado. Na década de 1950, foi construído ao lado do terminal o Cais de Paul, que opera até hoje, e três novos terminais de granéis líquidos para descarregar petróleo e derivados.
A crescente demanda internacional por minério, porém, esbarrava nas limitações do Porto de Vitória em relação ao volume de carga. Foi então que a Vale decidiu construir um porto de mar aberto na chamada Ponta de Tubarão, uma área enorme ao norte de Vitória que até então era uma propriedade rural comprada pelo governo do Estado.
O terminal marítimo de Tubarão foi inaugurado em 1966 como um divisor de águas para o comércio exterior capixaba. O segundo píer foi inaugurado quatro anos depois e atraiu mais indústrias para a região. A própria Vale construiu seis usinas de pelotização nas proximidades do porto em apenas 10 anos.
Uma das empresas atraídas foi a Companhia Siderúrgica Tubarão (CST), atual ArcelorMittal, em 1983. Naquela época, o Estado recebia grandes projetos industriais, como a Aracruz Celulose (hoje Suzano), que entrou em operação em 1978 e passou a operar um porto exclusivo em Barra do Riacho; e a Samarco, em Anchieta, que também construiu um porto em Ubu no fim dos anos 1970.
Foi neste período que também foi inaugurado o Terminal de Produtos Siderúrgicos (TPS), também conhecido como Terminal de Praia Mole, operado pela ArcelorMittal.
Nos anos 2000, outros projetos industriais criaram novos terminais. A Petrobras inaugurou o Terminal Norte Capixaba, que transporta o petróleo produzido no Norte do Estado para refinarias no Nordeste. Em Aracruz, a petroleira ainda construiu dois terminais, um para movimentar gasolina e outro para gás liquefeito de petróleo (GLP), conhecido como gás de cozinha.
Em Portocel, foram feitos investimentos no terminal de Barcaças para ampliar a capacidade de cabotagem de toras de madeira. Já na Grande Vitória, a ArcelorMittal iniciou a operação do seu Terminal de Barcaças Oceânicas (TBO), responsável por transportar bobinas de aço para a unidade do grupo em Santa Catarina.
“Temos aqui a presença de grandes projetos industriais que são competitivos justamente por terem seus próprios terminais. O surgimento desses novos empreendimentos deram dinamismo aos portos capixabas e naturalmente geram o desenvolvimento, porque estimulam a atração de novas plantas industriais para aproveitar essas condições de operação”, destaca Antônio de Pádua Gurgel.
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