Estúdio Gazeta
SINDIPETRO-ES
Quem está acostumado a solicitar um motorista de aplicativo pode ter percebido a demora no atendimento ou, eventualmente, no cancelamento da corrida. E um dos principais motivos disso acontecer está no alto preço dos combustíveis. Afinal, segundo a Associação dos Motoristas de Aplicativos do Espírito Santo (Amapes), cerca de 10% dos profissionais já desistiram da função por não conseguir arcar com os custos elevados.
“O Espírito Santo tem cerca de 19 mil motoristas de aplicativo e quem dirigia como complemento de renda está parando de trabalhar ou escolhendo a corrida. Isso também tem aumentado para o usuário o tempo de espera e os cancelamentos, já que dependendo do trecho, quando é muito curto, para o motorista não compensa, já que ele acaba subsidiando essa corrida”, conta o presidente da Amapes, Luiz Fernando Muller.
Em complemento a essa situação, de acordo com Muller, muitos motoristas que locavam veículos estão entregando os carros, pois tem ficado difícil pagar o aluguel e custear o preço do combustível. Outros, que possuem carro próprio, têm preferido adaptar o veículo para rodar com gás natural veicular (GNV), que apesar dos aumentos, ainda é uma opção mais barata do que a gasolina ou álcool. Já uma parte desses profissionais que dependia dos aplicativos como renda principal preferiu abrir mão e alugar o automóvel.
“O motorista tem pensado mais na hora de pegar uma corrida curta, apenas por causa do combustível. No último ano, a gasolina teve um aumento de 39% e o GNV, de 37%. Por outro lado, as empresas de aplicativo estavam desde 2016 sem reajustar e quando isso aconteceu, foi na faixa de 15% e não contempla todas as corridas. Portanto, quem depende hoje de aplicativo tem trocado moedas para poder pagar as contas por causa do alto preço dos combustíveis”, avalia.
A realidade que afeta motoristas de aplicativos e usuários tem sido percebida de várias formas por conta do preço alto dos derivados do petróleo. Segundo o economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) Clovimar Cararine, o primeiro efeito dos reajustes de combustíveis e gás de cozinha é o peso que exerce na inflação, o que afeta os seguintes grupos da sociedade: as famílias, quem possui carro e motoristas de carros a diesel e usuários de transporte.
“No primeiro grupo, o impacto é sentido no preço do gás de cozinha, no preço dos produtos no mercado e até no lazer e trabalho. Já o segundo grupo, o de pessoas que têm carro, estas sentem o impacto com maiores gastos, seja para locomoção do trabalho para casa, por exemplo, quanto para motoristas de aplicativo. Até mesmo o GNV teve aumento de 37% em 12 meses, impulsionado pela Política de Preços de Paridade de Importação (PPI) e para piorar, as receitas geradas pelas corridas caíram cerca de 3%”, avalia Cararine.
Outro grupo afetado é o de motoristas de carros a diesel, como caminhoneiros e também todo o setor agrícola, já que as máquinas que operam no campo são movidas a diesel. Com isso, esse grupo repassa todo o custo com frete para os produtos, que chegam nas casas e mesas dos brasileiros mais caros a cada mês. “O valor do diesel aumenta rapidamente e isso impacta no preço da alimentação e também no setor energético, já que com a utilização de usinas termelétricas que usam diesel, o valor da conta de luz fica mais alto”, observa.
Para o diretor de comunicação do Sindicato dos Petroleiros do Espírito Santo (Sindipetro-ES), Etory Feller, se a atual política de preços da Petrobras continuar, os preços vão continuar subindo sem controle. “A última discussão da Petrobras, inclusive, foi sobre tentar estancar um pouco os aumentos sucessivos e colocar aumentos mensais, trimestrais ou semestrais. Mas essa não é a ideia da PPI, já que qualquer flutuação que acontecer no mercado ou câmbio vai impactar diretamente a precificação, porque isso é feito por agentes estrangeiros que visam lucro”, avalia.
Uma das defesas da categoria é que o país tenha um parque de refino próprio, que seja capaz de suprir as demandas em derivados do mercado interno. “Precisamos de uma empresa ligada à Petrobras, como era a BR Distribuidora (vendida por R$ 11,4 bilhões em julho), para que tenha um concorrente a mais no mercado, que seja capaz de regular os preços. A Liquigás (vendida em dezembro de 2020, por R$ 4 bilhões), por exemplo, era capaz de controlar o preço do gás de cozinha. Sem essas empresas de caráter nacional o preço cai em uma espiral de aumentos”, diz.
A Política de Preços de Paridade de Importação (PPI) foi instituída pela Petrobras em 2016 e consiste no cálculo do preço dos derivados de petróleo levando em consideração a variação internacional do barril do petróleo, cotação do dólar, custos de transporte e uma margem para evitar prejuízos.
Esse tipo de cálculo é o que tem feito com que a empresa registre altas sucessivas na Bolsa de Valores, mas também é responsável pelos reajustes constantes dos combustíveis e gás de cozinha, afirma o diretor do Sindipetro-ES.
“Ao adotar uma precificação em dólar, mesmo o Brasil sendo uma das maiores reservas mundiais de petróleo e gás, o efeito da PPI é estrondoso sobre o orçamento da população e sobre a inflação. Isso tira da Petrobras regular os preços em território nacional. Até 2015, o preço do gás de cozinha, segundo dados da Agência Nacional de Petróleo (ANP), subia em média R$ 1 por ano. E agora a gente já tem mais de 32% de aumento em menos de um ano”, destaca Etory Feller.
Segundo ele, quando a PPI foi instaurada, em 2016, a justificativa era de que assim evitaria prejuízos à empresa. “A intenção mascarada sempre foi gerar lucros para importadores. A Petrobras nunca precisou de PPI em 60 anos de história e sempre foi a maior empresa do país, mesmo antes do pré-sal”, avalia.
Para o geólogo que liderou a pesquisa do pré-sal, Guilherme Estrella, com a PPI a Petrobras acaba focando em três aspectos: “lucro máximo no menor tempo e com o menor risco”.
“Preços internos do petróleo e gás natural iguais aos mundiais poderiam atrair, mas não atendiam à exigência de lucro máximo por parte dos fundos proprietários da Petrobras. A saída foi adicionar aos preços internos, já igualados aos preços mundiais, os custos da importação”, diz.
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