Voando de parapente há mais de 20 anos no céu do Espírito Santo, o capixaba Almir Poltronieri fez o voo mais longo da vida... no Tocantins. O recorde pessoal aconteceu no domingo (20), em uma expedição realizada no Parque Estadual do Jalapão. Foram 83 km percorridos e mais de três horas no ar do sertão.
Pouco explorada, a região não tem rampa para os pilotos saltarem. Ou seja, a decolagem precisou ser feita a reboque – método que, até poucos dias antes, jamais tinha sido praticado pelo instrutor. Do Aeroporto de Mateiros, ele partiu no sentido Oeste, em direção à cidade de Ponte Alta do Tocantins.
As condições climáticas favoráveis e os ventos tranquilos fizeram com que o capixaba esticasse o passeio que, a princípio, teria terminado bem antes. "Eu consegui uma altura boa, cerca de 2 mil metros do chão, e tinha a comunicação por rádio com a equipe de terra. Eles falaram para tocar em frente que eles iriam atrás", contou.
Da preparação até a volta à base foram quase 15 horas. O time que acompanhava Almir do chão era composto por cinco pessoas: outros três pilotos capixabas, um parapentista da Bahia e uma piloto local. Juntos, eles somaram aproximadamente 250 km de estrada de terra, um pneu furado e muita emoção, principalmente na volta.
O pouso aconteceu por volta das 17h. Como bom turista que era em solo tocantinense, o capixaba aproveitou o riacho que tinha perto para se refrescar e curtir parte do entardecer. Depois até tentou dar uma caminhada pela região, mas por motivos de força maior achou melhor ir ao ponto de encontro combinado.
Naquele momento, é importante destacar: Almir não tinha qualquer tipo de comunicação disponível. Do chão, o sistema de rádio não funciona. O celular estava sem sinal. No meio da reserva, também quase não há construções e a iluminação é à base de lanterna ou faróis dos automóveis que passam raramente na rodovia TO 255.
A lembrança que hoje é motivo de risada, naquela hora era pura insegurança. Por causa do pneu furado, o piloto esperou cerca de duas horas até ser encontrado pela equipe. Nesse tempo, apenas um carro e uma moto passaram pelo trecho. Aliás, essa é outra parte curiosa da experiência vivida pelo capixaba.
"Na hora que a moto começou a vir, pela minha vivência de cidade grande, já pensei que era um bandido e me escondi no mato. Ela passou reto. Logo depois, o carro da equipe chegou. Esse motoqueiro tinha passado por eles e iria me dar o recado de que já estavam chegando. Não deu muito certo", brincou.
O local do "resgate" tinha sido alinhado por meio dos equipamentos de GPS que o piloto e o time possuíam, enquanto ambos ainda estavam comunicáveis. Quando finalmente se encontraram, pensaram em não voltar para onde estavam hospedados, já que não havia mais step e a cidade mais próxima era outra.
"Cogitamos ir para Ponte Alta do Tocantins, que estava a 50 km, mas voltamos para Mateiros, que estava a 120 km. Nós seis torcendo para não furar outro pneu, trafegando a 20 km/h em uma estrada de terra, no meio do nada, à noite. Fora que a gente só tinha comido vento", contou Almir. Eles chegaram à 1h30.
Ao todo, foram dez dias de aventuras, entre 13 e 23 de junho. O convite para participar da expedição chegou duas semanas antes e, por questões financeiras, Almir Poltronieri nem iria. Porém, a escola em que ele dá aula de parapente, que fica em Alfredo Chaves, na Região Serrana, conseguiu um patrocínio para a equipe.
Participaram do projeto mais dez pilotos de parapente e oito de asa-delta. "O objetivo era entender o funcionamento do lugar, para avaliar a possibilidade de voos no futuro. Não foi montada para fazer voos longos, mas a nossa equipe levou um carro próprio que permitiu fazer um voo de distância", explicou o capixaba.
A jornada começou no município Luis Eduardo Magalhães, no interior da Bahia. "Era o início do Rali dos Sertões e fomos para sobrevoar. De lá, a gente foi para para a cidade de São Félix (de Balsas), no Maranhão, e para Mateiros (TO), onde fiz esse esse voo. Das outras cidades, eu também cheguei a decolar", contou.
Como a região do Parque Estadual do Jalapão é pouquíssimo explorada sob o ponto de vista do parapente, tudo indica que o voo de Almir seja um recorde local. "Existem voos na redondeza, mas lá não. Tinha um piloto que queria ir para Palmas, mas não deu certo. Até hoje o meu é o mais longo, só não sei até quando", disse.
Morador do bairro de Santa Lúcia, em Vitória, Almir é casado e tem um filho que já voou com ele de parapente – um pouco a contragosto da mãe, é verdade. O primeiro e único voo, por enquanto, aconteceu em janeiro deste ano, quando o garoto completou oito anos. O presente era uma promessa que o pai tinha feito.
"Minha esposa queria que fosse com 18 anos, mas eu falei para ele não contar", disse dando risada. "Ele gostou demais e já está me cobrando a segunda vez. Ele é mais tranquilo que eu. Na idade dele, eu não entrava em um parapente nem amarrado", continuou ele, que já trabalha com o esporte há 14 anos.
Apesar da divergência no que diz respeito ao voo do filho, Almir garantiu que a relação é tranquila. "Quando a minha mulher me conheceu eu já voava, por diversão. Hoje em dia, é trabalho, fonte de renda. Então, ela não encrenca, mesmo eu indo quase todo final de semana para Alfredo Chaves e Santa Teresa."
Para ajudar a ter dimensão da duração do voo de Almir no Jalapão, os que turistas e aventureiros podem fazer – em dupla com um instrutor – costumam ser de, no máximo, 10 km de distância, com duração de 20 minutos aproximadamente.
Segundo ele, o voo mais longo feito no Espírito Santo é de 230 km. "Até semana retrasada, o recorde mundial era de um brasileiro, em um voo de 580 km feito no Nordeste, mas ele foi batido por um americano maluco que voou uns 600 km no meio do deserto do Texas", contou.
Antes de ir aos ares, o capixaba trabalhava com computação. Até hoje, ele prefere ficar fora de competições. "Nunca gostei, porque você precisa arriscar e ir além dos limites. No parapente, acho que o respeito com a imposição da natureza é muito importante", opinou ele, que segue sem acidentes graves na carreira.
Atualmente com 52 anos de idade, ele voa de parapente há 24. Até a semana passada, o maior voo que ele já tinha feito tinha sido de 60 km, no município de Vila Valério, no Norte do Espírito Santo, há cerca de uma década. A expectativa é que a expedição acocnteça ano que vem de novo. Se outro recorde será batido, ainda não se sabe.
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