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Bolsonaro acena a atletas e quer barrar plano de Doria para Ibirapuera

Bolsonaro acena a atletas e quer barrar plano de Doria para Ibirapuera

O presidente disse que o governo federal não medirá esforços para barrar a iniciativa. Bolsonaro não tem poder de decisão direta sobre os rumos do Ibirapuera

Publicado em 26 de janeiro de 2021 às 16:54- Atualizado há 4 anos

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 Presidente Jair Bolsonaro
Presidente Jair Bolsonaro. (Isac Nóbrega/PR)

A concessão do Complexo do Ibirapuera tornou-se palco de mais uma disputa entre os interesses do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), e do governador de São Paulo, João Doria (PSDB).

Durante um evento em Brasília no último dia 11, Bolsonaro e o secretário especial do Esporte, Marcelo Magalhães, ouviram de atletas como Maurren Maggi (ouro na Olimpíada de Pequim-2008) e André Domingos (prata em Sydney-2000 e bronze em Atlanta-1996) que o plano do governo paulista de conceder o local à iniciativa privada ameaça um importante berço de atletas e medalhas do esporte brasileiro.

O presidente disse a eles que o governo federal não medirá esforços para barrar a iniciativa. Bolsonaro não tem poder de decisão direta sobre os rumos do Ibirapuera, mas um processo de tombamento do complexo tramita no Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), autarquia federal vinculada ao Ministério do Turismo.

"Eu conversei com o ministro Gilson [Machado], do Turismo, e isso já está em andamento. Na conversa, o presidente Bolsonaro deixou claro que [o tombamento] seria para proteger os atletas", afirmou à reportagem Marcelo Magalhães.

A princípio, o encontro do secretário e do presidente com os atletas tinha como objetivo tratar de outros temas: os Jogos Estudantis Brasileiros e a assinatura do repasse de recursos federais para a reforma da pista de atletismo da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Unesp (campus Presidente Prudente).

A proposta de tombamento feita pelo arquiteto Ricardo Romano foi aceita pelo Iphan, que abriu um processo para discuti-la. Ela será analisada por departamentos técnicos do órgão, e depois uma decisão será tomada pelo seu conselho nacional. Há também um pedido paralelo, do ex-judoca e ex-vereador de São Paulo Aurélio Miguel, sobre o mesmo assunto. Não há prazo para conclusão da análise.

Segundo Marcelo Magnani, especialista em direito ambiental e urbanismo e sócio do BNZ Advogados, o processo ter sido iniciado já condiciona qualquer mudança no local à aprovação do Iphan.

"O tombamento dos bens pode ser provisório ou definitivo, conforme esteja o processo iniciado ou concluído. Para todos os efeitos, o tombamento provisório se equipara ao definitivo, o que significa dizer que qualquer alteração já precisa passar pelo Iphan", disse.

Procurada, a Secretaria do Esporte do governo de São Paulo declarou que não foi notificada do processo, mas o comentou: "A decretação de tombamento deve ser sempre fundada em evidências técnicas do processo e, no caso do Iphan, comprovada a necessidade de preservação do bem em nível nacional. O Governo de São Paulo confia na isenção politica e na responsabilidade técnica que historicamente sempre pautaram as decisões do órgão".

No fim de 2020, o governo paulista conseguiu impedir o tombamento em nível estadual. O Condephaat, órgão responsável pela decisão e que teve sua composição alterada por Doria, negou o pedido. Há também uma requisição equivalente na esfera municipal.

A exemplo do Condephaat, o conselho do Iphan é composto por representantes do Poder Executivo, integrantes da sociedade civil e acadêmicos.

De acordo o professor e antropólogo Antonio Arantes, ex-presidente do Iphan, o presidente da República não tem poder de interferência direta na autarquia, mas poderia, por exemplo, pressionar os membros indicados pelas secretarias ou ministérios do governo federal.

"O que também não quer dizer que todos esses representantes tenham posições totalmente consistentes com o governo. Eles pensam com as próprias cabeças", afirmou. "De modo geral, pode haver uma certa instrumentalização dessas representações e articulações no sentido de que elas adotem determinada posição, o que é mais difícil com representações da sociedade civil. Por isso é importante o conselho ser plural."

Com trâmites burocráticos semelhantes, a principal diferença entre o Condephaat e o Iphan é a esfera de atuação. O primeiro julga casos referentes ao estado de São Paulo, e o segundo, de abrangência nacional.

Arantes acrescenta que o fato do Condephaat ter barrado o tombamento não altera as chances de ele ser aprovado ou não pelo Iphan, e que é comum que haja processos nas diferentes esferas. Sustenta, ainda, que a abertura do processo não antecipa um desfecho positivo, o que depende do conselho entender que a preservação é de importância nacional.

Em dezembro de 2020, o governo Doria já sofrido um golpe nos planos que tem para o local, quando a Justiça decidiu suspender a publicação do edital de concessão do aparelho esportivo.

Agora, mesmo que o governo do estado derrube a liminar judicial, o edital seria aberto sob dúvidas. O tombamento não inviabilizaria a concessão diretamente, mas impediria alterações no local (não só em seus edifícios) que descaracterizassem os atributos que o fizeram ser considerado um patrimônio histórico.

Em outubro de 2019, o secretário de esportes de São Paulo, Aildo Ferreira Rodrigues, afirmou ao jornal Folha de S.Paulo que, dentre os projetos apresentados até então, alguns transformariam o atual ginásio em um shopping e outros demoliriam a pista de atletismo. Tudo isso poderá ser barrado.

"O envolvimento ali vai muito além do ginásio. Tem piscina, pista... óbvio que sabemos que não tem um grau de funcionamento maravilhoso, mas estaremos ao lado dos atletas e da memória esportiva nacional", disse o secretário de esporte de alto rendimento do governo federal e ex-jogador de handebol, Bruno Souza.

Segundo ele e Marcelo Magalhães, a secretaria acompanha a pauta há tempos, mas foi com a aproximação dos atletas que o órgão resolveu participar de forma mais ativa.

Caso o tombamento não avance, o plano B da pasta de Esporte do governo Bolsonaro poderá ser tentar federalizar o complexo estadual. "Uma última alternativa", definiu Souza.

Essa opção, na opinião de especialistas ouvidos pela reportagem, é mais difícil de se concretizar. A principal possibilidade seria uma desapropriação do imóvel pela União, que precisaria ser aprovada pelo Poder Legislativo e se concretizaria mediante pagamento em dinheiro de uma contrapartida, segundo o decreto-lei 3.365/41.

O governo federal também pode tentar negociar com o governo estadual a requisição do bem. No entanto, dada à rivalidade política entre Bolsonaro e Doria e aos interesses do governo paulista em conceder o complexo, nada aponta para esse caminho.

A concessão do Ibirapuera é contestada por atletas há anos pelo fato de o local ser um importante berço do esporte nacional. Medalhistas olímpicos, como Maurren, Domingos e os judocas Tiago Camilo, Felipe Kitadai, Rafael Silva e Henrique Guimarães, entre outros, treinaram no local.

O plano também enfrenta a resistência do COB (Comitê Olímpico do Brasil) e de arquitetos e historiadores. O estádio de atletismo do complexo foi desenhado por Ícaro de Castro Mello, importante nome da arquitetura esportiva, e Nestor Lindenberg assina o complexo aquático.

Criado em 1984, o local sedia o Centro de Excelência Esportiva do estado de São Paulo, o antigo Projeto Futuro. Serve de alojamento para atletas, que tem à sua disposição piscina, pistas, quadras e sala de musculação.

Maurren Maggi morou seis anos no local e afirma que as condições ruins em que ele se encontra atualmente se devem a um sucateamento por parte do governo estadual.

"Eu perguntei pra ele [Bolsonaro]: estamos com essa situação do Ibirapuera que a gente não sabe o que vai acontecer. Ele falou 'já está resolvido, não está, secretário?' Fiquei emocionada", afirmou ela, convidada pelo governo federal a se tornar embaixadora dos Jogos Estudantis Brasileiros.

André Domingos, outro dos embaixadores, entende que a preservação do complexo seria uma vitória, mas que é necessário ir além. "Como vai passar o rolo compressor em tudo aquilo? Isso nos dá a oportunidade de melhorar [o local]. Não tem saudosismo, precisamos preservar e melhorar para voltarmos a receber os atletas e os projetos sociais ali", afirmou.

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