Na noite deste domingo (31), o Brasil não era nem citado pelos dirigentes do futebol sul-americano como possível sede da Copa América. Menos de 12 horas depois, a conta oficial da entidade no Twitter agradecia ao presidente Jair Bolsonaro e à CBF por receber o torneio, programado para começar no próximo dia 13.
A Conmebol sabia desde a última sexta-feira (28) sobre as dificuldades da Argentina para abrigar a competição deste ano. O país abriu mão de sediá-la em razão do recrudescimento da pandemia de Covid-19. Antes disso, a Colômbia também fez o mesmo, mas por causa de protestos populares.
O pronunciamento da Conmebol aponta uma influência do governo Bolsonaro para que a Copa América migrasse para o Brasil, que apareceu como salvador do torneio. A preferência da confederação era por realizar o evento nos Estados Unidos, caso a Argentina realmente pulasse fora do barco. Mas a nação da América do Norte não aceitou.
"O melhor futebol do mundo trará alegria e paixão a milhões de sul-americanos. A Conmebol agradece ao Presidente Jair Bolsonaro e sua equipe, bem como a Confederação Brasileira de Futebol, por abrir as portas daquele país ao que é hoje o evento esportivo mais seguro do mundo. A América do Sul vai brilhar no Brasil com todas as suas estrelas!", diz postagem no Twitter do entidade.
Tudo mudou nesta segunda de manhã, com o intermédio do presidente da CBF, Rogério Caboclo, que fez a interlocução entre a Conmebol e Bolsonaro. Houve uma conversa do mandatário da confederação sul-americana, Alejandro Domínguez, com o político brasileiro, que imediatamente aceitou sediar a copa.
Um dos desejos de Domínguez é que pelo menos a final aconteça com a presença de público. O mesmo pedido havia sido feito ao presidente argentino, Alberto Fernández, que havia descartado essa possibilidade. O governo federal brasileiro disse que esse tema deve ser debatido com o estado sede.
Pernambuco foi um que já recusou a possibilidade de receber os jogos.
De acordo com a assessoria de imprensa do governo estadual, "nas últimas semanas, foi identificada uma nova aceleração dos casos [da Covid-19], que motivou novas medidas restritivas no Agreste e na Região Metropolitana. Apesar de ainda não ter sido procurado oficialmente pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), o Governo do Estado reforça que o atual cenário epidemiológico não permite a realização de evento do porte da Copa América no território de Pernambuco".
O governador do Distrito Federal, Inabeis Rocha (MDB), sinalizou a disposição em receber a final no Estádio Nacional Mané Garrincha. No início do ano, ele tentou realizar a Supercopa do Brasil no local com a presença de torcedores, mas a ideia não vingou.
Consultada pela reportagem, a administração da arena de Brasília disse que todas as datas possíveis para a Copa América estão disponíveis, assim como toda estrutura.
Em 2019, quando o Brasil sediou o torneio pela última vez, Bolsonaro fez diversas aparições em público. Na semifinal, por exemplo, deu uma volta no gramado durante o intervalo do jogo da seleção contra a Argentina, o que chegou inclusive a irritar Lionel Messi.
Na final, o presidente esteve ao lado de Alejandro Domínguez, foi ao gramado para a cerimônia de premiação e se juntou aos jogadores com a taça de campeão.
A reportagem apurou que a boa vontade de Bolsonaro foi uma forma de se mostrar perto da seleção e gerar ganho político com isso. No Maracanã, após a vitória sobre o Peru em 2019, alguns atletas o receberam com os gritos de "mito".
A influência do governo federal para trazer um evento do tamanho da Copa América para o Brasil em plena pandemia já repercute no meio político. Ciro Gomes, do PDT, pediu à CPI da Covid a convocação de Rogério Caboclo para dar explicações.
"A CPI da Covid tem que agir preventivamente. Convocar o presidente da CBF e as autoridades esportivas para saber quais os cuidados que serão tomados para realização da Copa América. A questão não é gostar ou não gostar de futebol. Eu adoro! A questão é não brincar com a vida dos brasileiros. E não fazer demagogia a troco da morte de inocentes", escreveu no Twitter..
Júlio Delgado, deputado federal pelo PSB de Minas Gerais, diz que ainda nesta segunda deverá protocolar uma ação ao STF contra a realização da Copa América no Brasil.
Quando vi no noticiário que a Argentina desistiu da Copa América, pensei que trariam para cá. A Conmebol precisava de uma pessoa com muita irresponsabilidade como o Bolsonaro. Ele acha que 470 mil pessoas não valem nada. Precisamos é de vacina. Imagine realizar um evento com 10 delegações, profissionais de imprensa. Precisamos de sanidade e vacina, diz Delgado à reportagem.
Os números nossos [da pandemia] e a proibição de eventos não permitem que o presidente Jair Bolsonaro, deliberadamente, decida que uma Copa desta importância, com dez seleções de dez países onde a gente não sabe como está o controle da pandemia, seja realizada aqui, só pela questão financeira, disse.
Ainda não foram revelados em quais estádios o torneio será disputado. A Conmebol prometeu apresentar novidades ainda nesta segunda. No domingo, o Brasil chegou a marca de 462 mil mortes por coronavírus, com tendência de alta em alguns estados.
Questionada pela reportagem, a CBF não quis se pronunciar sobre o evento neste momento. A entidade também cancelou a entrevista coletiva de jogadores da seleção brasileira em Teresópolis, prevista para o início da tarde desta segunda.
Procurada, a Secretaria Especial de Imprensa da Presidência não se manifestou sobre as negociações para que o país sedie a Copa América e orientou que o Ministério da Cidadania fosse procurado para prestar esclarecimentos. Até o momento, não houve retorno.
A mudança na sede não foi o primeiro obstáculo para esta edição do torneio. Inicialmente, a competição estava prevista para acontecer tanto na Argentina quanto na Colômbia.
As coisas começaram a degringolar no último dia 20 de maio, quando a entidade anunciou a retirada da Colômbia como sede.
A seleção brasileira, inclusive, faria sua estreia na Copa América contra a Venezuela, em solo colombiano, no dia 14.
A Conmebol, no último dia 20, chegou à conclusão de que o país, agitado por protestos sociais, não reunia condições de receber as partidas do torneio.
A decisão foi anunciada um dia depois de uma grande manifestação contrária à Copa América, em Bogotá. Se não há paz, não há futebol, dizia a frase exibida em cartazes e também pichada nas paredes do estádio El Campín, um dos campos que receberia jogos do torneio.
A Colômbia vive um ambiente de acentuada tensão social, com protestos contra uma reforma tributária proposta pelo governo.
A repressão policial teve momentos pesados, e os conflitos resultaram em dezenas de mortos.
A Copa América de 2021 é apenas o último problema enfrentado pela Conmebol na organização de seus torneios mais importantes nos últimos quatro anos.
Em 2017, a final da Copa Sul-Americana teve invasão ao Maracanã por torcedores flamenguistas, que também protagonizaram episódios de violência. A partida foi usada como uma das justificativas da entidade para passar a realizar decisões em jogos únicos.
No ano seguinte, a partida do título da Libertadores teve de ser levada para Madri após ônibus que levava a delegação do Boca Juniors ser apedrejado por torcedores do River Plate nas cercanias do estádio Monumental de Nuñez. Foi a primeira vez que o troféu de clubes mais importante do continente acabou decidido fora da América do Sul. Isso apenas foi possível porque a Qatar Airways, patrocinadora da confederação, pagou todos os custos.
Lionel Messi acusou a Conmebol de corrupção durante a Copa América de 2019 e insinuou haver um acordo para o Brasil ser campeão.
Ao final da mesma temporada, protestos populares fizeram com que a a final da Libertadores fosse levada de Santiago para Lima. A capital peruana havia sido vetada meses antes para receber a decisão da Sul-Americana por, teoricamente, não oferecer a estrutura necessária.
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