Para os argentinos, um deus. Ou melhor, D10s, em referência ao número 10 que carregava nas costas dentro dos gramados em cada clube que passou. Don Diego Armando Maradona, um dos maiores jogadores de futebol de todos os tempos, encantou o mundo do esporte com a magia que tinha nos pés. Polêmico fora dos gramados por sua irreverência e estilo de vida único, enfrentou problemas com drogas e álcool. Mas nada disso apaga suas glórias, como disse o próprio jogador em sua despedida do mundo do futebol, em 2001, atuando pelo Boca Juniors, seu time do coração: "Errei e paguei, mas o que fiz em campo não se apagou".
Fã de Rivellino, Maradona é equiparado a Pelé como maior jogador de todos os tempos. Mas, para nossos hermanos, claro, Don Diego está acima do brasileiro. Emilio Farfán, filho de mãe argentina e pai boliviano, e nascido em La Paz, capital da Bolívia, mora no Espírito Santo há 11 anos. Um dos donos de um tradicional restaurante de comida tipicamente argentina, ele e crava: "Pelé foi o rei, mas Maradona foi deus".
Emilio contou que, com três anos, se mudou da capital boliviana para a Argentina e se apaixonou pelo futebol do país. Apesar de torcer para o River Plate, arquirrival do Boca Juniors, time pelo qual Maradona era fanático, ele afirmou que o sentimento nutrido por Don Diego vai além da camisa, tanto dentro quanto fora de campo.
"Maradona pode ser do Boca, mas o que ele significou desde que saiu da Argentina, como virou ídolo no Napoli, isso tudo vai além de torcer por uma camisa. Ele foi um dos poucos jogadores de futebol que se posicionava politicamente. Ele falava que, entre o preto e o branco, nunca iria ser cinza, o que aqui chamam de '8 ou 80', ele nunca ficaria em cima do muro. Ele sempre se posicionou, e isso é uma das coisas, além do jogador, mais admiráveis nele", disse.
Com 36 anos, Emilio acompanhou apenas o final da carreira do ídolo, mas contou que assistiu muitos vídeos da época em que o camisa 10 ainda jogava. Apesar disso, ele garante que, independentemente de ter visto Don Diego jogar ou não, sabe do seu tamanho no futebol mundial.
"Peguei o finalzinho da carreira de Maradona. Gostava de Maradona, mas comecei a gostar mais e acompanhar depois. Mas a gente conhece a história, temos memória. O que ele fez, o que ele foi é como perguntar a um brasileiro se gosta do Pelé, quem tem memória, sabe quem é e não tem como não gostar", ressaltou.
Para Emilio, as polêmicas extra-campo de Maradona não apagam o que ele foi como jogador. Ele disse que recebeu mensagens de amigos e familiares comentando sobre a morte do ídolo e até pedindo para que fosse decretado luto de três dias no restaurante. Ele explicou que a ficha da morte de Maradona caiu apenas algumas horas depois que recebeu a notícia.
"A gente imagina situações de pessoas indo embora e achei que não iria me afetar, mas nessa últimas horas percebi que bateu. Se ele estivesse velhinho, já no finalzinho é como um avô, que você vai se acostumando porque a hora está chegando. Ele teve um problema há algum tempo atrás e saiu. Pensamos 'ah, é novo, tá tranquilo'. Mas, de uma hora pra outra...", disse.
Irmão de Emilio, Nahuel Belmar nasceu em Mendoza, na Argentina, e veio para o Espírito Santo há sete anos para trabalhar como cozinheiro no restaurante da família. Ele contou que tem 30 anos e, por isso, não pegou a época de ouro de Maradona, mas, como torcedor fanático do Boca Juniors e amante do futebol, tem em Don Diego uma referência.
Pela representatividade de Maradona como jogador e como figura pública, Nahuel afirma que, nesta quarta-feira (25), o povo argentino perde parte de sua história. "Não consegui acompanhar a década de ouro, mas, como amante de futebol, sempre foi uma referência pra mim. E, na Argentina, ele é um deus. Até o pessoal de lá que não gosta muito de futebol entende que estamos perdendo parte da nossa história hoje. A Argentina toda está de luto, por tudo que representa Maradona para nós. A luta que ele tinha pela pátria, acho que todos os argentinos estão sentindo como se fosse embora alguém da nossa da família", afirmou.
Apesar de ser torcedor assumido do Boca Juniors, Maradona conquistou apenas um Campeonato Argentino pelo clube, em 1981, ainda no começo de sua carreira. Para Nahuel, a falta de conquistas não apaga a idolatria e conexão que Don Diego tem com o time de La Boca.
"Eu estava conversando com uma brasileira e ela me falou que o Maradona tinha morrido. Entrei no jornal da Argentina e vi que era real. Começou a chover mensagens de amigos, familiares, de muitas pessoas que nunca imaginei que mandariam mensagens. Fiquei muito surpreso, ainda é muito difícil acreditar. Significa muito para a torcida do Boca, porque o Maradona era fanático pelo clube. É um dia especial, estranho, eu sinceramente não tenho nem vontade de trabalhar. É difícil", lamentou.
Nahuel ainda destacou outra atuação importatíssima de Maradona em sua consolidação como ídolo nacional: o jogo contra a Inglaterra, nas quartas de final da Copa do Mundo de 1986, no qual o camisa 10 fez os dois gols da seleção que eliminaram os europeus, sendo o primeiro uma arrancada incrível do meio de campo e o outro o gol de mão, apelidado de "la mano de Dios", ou "a mão de Deus", em português. A Argentina, inclusive, foi campeã mundial naquele ano.
"Na vida pessoal dele, tinha muitas coisas pra criticar. Mas, no futebol, o que foi para a Argentina, não tem ninguém da magnitude de Maradona. Aquele jogo contra a Inglaterra, a rivalidade que há nesse confronto. Como ele ganhou o jogo pela sua pátria, o que ele representou, não tem comparação", exaltou.
Quem também relembrou a histórica partida de Don Diego contra a Inglaterra foi Federico Ciampichini, que é dono de um restaurante topicamente argentino. Segundo ele, por todo o contexto da Guerra das Maldivas entre Argentina e Inglaterra, aquele jogo garantiu a idolatria eterna de Don Diego entre os hermanos.
"Depois de uma guerra contra a Inglaterra, no mundial de 1986, ele fez dois gols. Ai o povo Argentino amou ele para sempre! Foi uma guerra sofrida, mais de 400 mortos... o segundo gol com a mão e, o outro, o maior gol de todos os tempos! Foi o melhor jogador do mundo durante muito tempo, poderia jogar até os 40 anos, porque tinha físico para isso, era privilegiado", relembrou Federico.
Fanático pelo River Plate, Federico garantiu que até os torcedores do seu time idolatram Maradona. A relação do craque com o povo, segundo Federico, é o que torna sua idolatria algo universal entre todos os argentinos, independentemente do time pelo qual torcem.
"Até o torcedor do River ama o Maradona, pelo que ele fez pela seleção. Como jogador do Boca, não amamos nem um pouco! Maradona era como o Robin Hood da Argentina, a particularidade dele era ser um cara que nasceu na completa miséria, que ajudou a família. A relação dele com o povo é que ele nasceu do povo pobre e sempre voltou a isso, sempre estava no meio da torcida do Boca Juniors. Se tinha alguma bagunça, ele estava no meio, e como argentino é bagunceiro, a gente gostava!", contou, se divertindo.
Entre a polêmica que inflama qualquer discussão sobre os melhores da história do futebol, Federido não tem dúvidas de que Maradona é maior do que Pelé. Ele, inclusive, garantiu que vai criar um prato inspirado nessa disputa, para que não haja mais dúvidas.
"Vou fazer um prato que vai se chamar 'Pelé ou Maradona', pra você saber como estou de saco cheio disso! É Maradona, Pelé não existe! Sem dúvida nenhuma, não chega nem perto", finalizou Federico, em meio a risadas pela lembrança do ídolo infame.
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