Um grande gênio do futebol mundial já vestiu a camisa de uma equipe do Espírito Santo. Aposentado dos gramados, acima do peso, sem muito ritmo de jogo, não fez gol em solo capixaba e não deixou nenhum defensor adversário sem rumo com um drible desconcertante. Foram apenas pouco mais de 60 minutos dentro das quatro linhas, mas o suficiente para fazer com que o modesto Alegrense Futebol Clube, da cidade de Alegre, na região Sul do Estado, entrasse para a história do futebol como um dos times que tiveram a honra de ter no ataque o reforço de Manuel Francisco dos Santos, o Mané Garrincha, mesmo que em somente uma partida amistosa.
Em 1972, Garrincha encerrou a carreira profissional no Olaria-RJ com derrota de 1 a 0 para o Botafogo, ironicamente, afinal, o Fogão foi o clube onde o anjo das pernas tortas, mais brilhou na carreira. No mesmo ano, após pendurar as chuteiras, ele percorreu por diversos estados do Brasil fazendo jogos festivos e um deles foi o realizado em Alegre, após ter sido convidado pelo funcionário público Rachid Abdalla, que na época trabalhava para trazer visibilidade ao esporte capixaba.
Eu era criança na época, mas aquela imagem inesquecível não sai da minha cabeça até hoje. O que mais me marcou foi ver o envolvimento que Alegre teve com o evento e a euforia das pessoas ao terem contato com o Garrincha. Ele era um gigante do esporte mundial, idolatrado por todas as pessoas, que estavam ali, na nossa pequena cidade, conversando e interagindo conosco. Até hoje, quando penso no que o Garrincha representa, me emociono com a lembrança, relata José Carlos Costa, de 58 anos, que foi presidente do Alegrense de 1999 a 2002.
No dia 2 de setembro de 72, Garrincha jogou a partida amistosa no estádio Benedito Teixeira Leão, quando vestiu o manto do Alegrense para medir forças contra o Estrela do Norte, de Cachoeiro de Itapemirim, um dos maiores clássicos da região na época. O craque brasileiro atuou até quase a metade do segundo tempo e deixou o campo aplaudido. Garrincha não fez gol, porém, sua majestade iluminou o Alegrense na vitória do Tricolor por 3 a 1.
Depois do jogo, o Garrincha ficou hospedado na casa de um vizinho que eu tinha chamado Lito Guimarães. Lá, até quando o Garrincha se alimentava, haviam pessoas em volta admirando-o. A casa do meu vizinho virou um local público no dia. Foi uma festa, conta.
Garrincha teria recebido aproximadamente 3 mil cruzeiros (cerca de R$ 5,4 mil) para se apresentar em Alegre. O aposentado Alcemar José Gasoni, de 71 anos, que atuou ao lado do Mané na ocasião, diz que o feito é histórico na cidade.
Foi incrível, memorável e que jamais a cidade vai esquecer. Uma honra para todos nós. No meu caso, então, que dei passes para ele no jogo, foi ainda mais especial. Ele foi o maior, concluiu.
Momento mágico para a torcida
Não existem registros oficiais de quantas pessoas estiveram presentes no estádio do Comercial no dia em que Garrincha pisou em solo capixaba, porém, torcedores que foram ao local assistir ao jogo entre Alegrense e Estrela dizem que cerca de cinco mil fãs do Mané lotaram as arquibancadas naquela tarde de domingo.
Entre os apaixonados estava o aposentado Luiz Roberto, conhecido na cidade como Lobato, de 63 anos, que é torcedor do Flamengo, mas declaradamente fã de Mané Garrincha.
Foi a coisa mais linda que eu já tive o prazer de presenciar na vida. É algo surreal para Alegre e para nós que tivemos a chance de assisti-lo em carne e osso. O Garrincha é meu maior ídolo no futebol e na minha opinião foi o maior da história, maior que o Pelé. Lembro que vibrava e gritava com cada toque que ele dava na bola, relembra Lobato.
Sentimento que é compartilhado por José Paulo Rosa, o Rosa Branca, que trabalha no palco do jogo. Trabalho aqui no Comercial e tenho o prazer de relembrar os passos do Mané por aqui todos os dias. É eu pisar no gramado e lembrar. Nunca vou me esquecer dele, concluiu Rosa Branca.
Ele não tocou para Garrincha
Rua Treze de Maio, número 222, no Centro de Alegre. No endereço, o modesto estádio do Comercial abriga uma dessas histórias mágicas do futebol. Nela, Milson Bittencourt da Rosa, o Tito, hoje com 71 anos, mostra por meio de recortes de jornal o registro de um jogo eternamente guardado na memória. Para relembrá-lo, basta sentar na arquibancada, ouvi-lo e viajar de volta no tempo. Mas com um detalhe: nessa história, o aposentado se transforma em importante personagem - Tito, o homem que não tocou para o Mané Garrincha. Ele, que se orgulha de ter feito dupla ofensiva com o Mané, lembra muito bem do histórico dia. Trinta e cinco anos após a morte de Mané, uma oportunidade para recordar.
Naquela tarde, o anjo das pernas tortas conhecia Tito. O meia do Alegrense recebera uma missão que, na época, era um feito e tanto. O treinador da equipe pediu para Tito dar assistências para Garrincha tentar marcar um gol. Pega a bola e toca nele", gritava o técnico. Teimoso que é, aos 30 minutos do 2º tempo, Tito driblou o defensor adversário, invadiu a área, tirou o goleiro da jogada e, mesmo com Garrincha livre no meio da área, preferiu chutar para o gol. O tento até veio, contudo, ao invés de aplaudir, o torcedor vaiou. Era para ter tocado para o Garrincha, Tito, esbravejou à beira do campo o treinador.
Fiz o gol, corri comemorando, vibrei, mas quando me dou conta as pessoas não estavam me apoiando, mas sim me repudiando. Todo mundo queria que eu tocasse a bola para o Garrincha fazer o gol. Lembro que quando cheguei no vestiário, o técnico me xingou ao invés de me elogiar pelo gol. Mas não me arrependo de ter chutado, brinca Tito.
Depois do apito final, os dois trocaram palavras positivas. Segundo Tito, Garrincha disse que ele tinha talento e que era muito habilidoso.
Lembro como se fosse hoje. O Garrincha me falou no vestiário, após o fim da partida, que eu era bom jogador por ser rápido, inteligente e bom finalizador. Então, acho que ele não ficou com raiva por eu não ter tocado, diz Tito.
Bons passes encantaram o craque
Se Tito recebeu elogios de Garrincha, Alcemar José Gasoni, por muito pouco, não recebeu o par de chuteiras utilizadas por Mané durante o jogo. Craque do time na época, Alcemar encantou o gênio das pernas tortas pela ótima visão de jogo.
Dei uns três passes longos para o Garrincha e ele ficou impressionado. Foi quando me disse: Você joga muito. Só não te presenteio com minha chuteira porque é a única que tenho, relembra.
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