Em projeto de lei apresentado na Câmara de Vitória, o vereador Gilvan da Federal, do Patriota, pede a proibição da participação de atletas trans em competições esportivas com pessoas do sexo biológico oposto ao de seu registro de nascimento. A proposta, se aprovada, valeria apenas em Vitória, em atividades que tenham vínculo direto ou indireto com a administração municipal, seja por apoio institucional ou patrocínio. O PL sugere que sejam organizadas competições exclusivamente aos atletas trans, impedindo outras disputas.
Seguindo o que foi apresentado na Câmara na última terça-feira (28), a Prefeitura de Vitória teria a tarefa de admitir a documentação dos atletas envolvidos na disputa, "conferindo, em especial, o gênero de cada inscrito no evento".
Se aprovada, a lei irá proibir a expedição de alvará para a realização de eventos esportivos conflitantes com a norma estabelecida. Não há diferenciação entre competições individuais e coletivas. Quem solicita o documento para a realização dos eventos deve declarar que não há atletas trans em disputa contra pessoas com sexo biológico oposto ao de seu nascimento.
O descumprimento pode levar a uma revogação do alvará e autuação do requerente, impedindo que este solicite novos documentos de licença. Em caso de reincidência, o PL prevê uma "multa pecuniária administrativa", que deve ser definida pelo executivo municipal.
A proposta do vereador bolsonarista diz ainda que a Prefeitura de Vitória não deverá pagar Bolsa Atleta ou qualquer outro benefício para trans que estejam, segundo o PL, em "categoria conflitante com o sexo biológico oposto ao seu nascimento".
Durante a apresentação na casa, Gilvan da Federal disse que a proposta protege as mulheres. O vereador afirmou não ser preconceituoso e citou questões fisiológicas para justificar a validade do projeto. O documento enviado à Câmara cita a necessidade de "manter a ordem no âmbito esportivo".
O Projeto de Lei começou a tramitar na Capital menos de duas semanas depois de o também vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, apresentar uma proposta semelhante. Carlos diz que a medida visa conter a "difusão da ideologia de gênero".
O tema está em discussão há alguns anos, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. Em meados de 2003, o Comitê Olímpico Internacional emitiu uma resolução que dava permissão aos atletas trans para participarem de Jogos Olímpicos, desde que passassem pela cirurgia de redesignação sexual.
Há cinco anos a obrigatoriedade da cirurgia não existe mais. É necessário que a pessoa se declare trans para ser reconhecida como tal em Olimpíadas.
No esporte, os atletas precisam se adequar aos parâmetros. Um dos pontos observados são os hormônios. O COI exige que os atletas estejam há pelo menos um ano em hormonioterapia, com níveis de testosterona menor que 10 nmol/L. Para os homens trans, a testosterona precisa estar dentro dos níveis de referência para homens.
O caso em maior destaque no Brasil é o de Tifanny Abreu, atleta de vôlei. Ela foi a primeira trans a competir na Liga Nacional. A discussão envolvendo a esportista era se ela levaria vantagem na competição feminina devido a características fisiológicas.
A atleta trans Dandara Ferreira pede respeito ao dizer que se uma decisão do Comitê Olímpico permite a atividade, não há outra alternativa a não ser a liberação de acordo com as regras definidas. A jogadora de vôlei passou por alguns clubes do Espírito Santo, Rio de Janeiro e Bahia, competindo em torneios organizados por federações locais.
Dandara lembra do preconceito que sofreu em momentos da vida, cita ainda as regras que são impostas pelo COI, como os frequentes testes para monitoramento da testosterona.
"Nem sempre fui bem recebida nos lugares. Foi muito difícil, batalhei muito. Do Espírito Santo ao Rio de Janeiro senti uma grande diferença no respeito. Lá [Rio de Janeiro] as colegas gostavam muito de mim, eu sempre dava entrevistas após os jogos", relata.
A atleta explica que sofreu ao longo da vida, como se fosse "um alienígena" nos ambientes. "Se a mulher trans não tem habilidades para trabalhar em um salão de beleza, ela vai para a prostituição. O esporte é muito importante, e poucas têm acesso. Outras portas não se abrem", comenta.
Segundo o médico do esporte e fisiatra Fabrício Buzatto, há diferenças fisiológicas entre homens e mulheres. De acordo com o especialista, o tema é delicado na área esportiva, uma vez que os corpos interferem no rendimento dos atletas.
Dr. Fabrício Buzatto explica que a puberdade é o ponto importante a ser considerado nessa equação. "A puberdade é o ponto fundamental de desenvolvimento, quando acontecem as maiores transformações. É o período de transição para a vida adulta, quando as crianças sofrem com mudanças no corpo. Os meninos, por exemplo, ganham mais força na adolescência", ponderou.
A reportagem de A Gazeta procurou as secretarias municipal e estadual de esportes para saber o que muda em caso de aprovação do projeto. Como detalha a proposta, novas competições deveriam ser organizadas para separar os atletas trans, além de proibir alguns pagamentos do benefício Bolsa Atleta.
A Prefeitura de Vitória preferiu não comentar o PL apresentado por Gilvan. A administração justificou o respeito à independência e autonomia dos Poderes. Disse ainda que deve aguardar o encerramento do devido processo legislativo.
Demandada, a Secretaria de Esportes e Lazer do Espírito Santo afirmou que a única competição realizada pela própria secretaria no Estado são os Jogos Escolares, não havendo campeonatos voltados ao grupo de pessoas trans. Outros torneios e eventos têm administração de federações esportivas, diz a nota.
Sobre o risco de corte do Bolsa Atleta, a Sesport informou que não tem registro de atletas trans que tenham pleiteado apoio por meio dos programas oferecidos.
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