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Atacante nigeriano refugiado da guerra civil é o novo reforço do Rio Branco

Atacante nigeriano refugiado da guerra civil é o novo reforço do Rio Branco

Longe de sua terra natal, Toure não tinha lugar para morar e nem alimentação. No Brasil sofreu com um golpe e chegou a jogar sem receber. Hoje comemora a boa fase e mira ser importante para o Capa-Preta em 2025

Publicado em 11 de dezembro de 2024 às 19:42

Ícone - Tempo de Leitura 6min de leitura
Toure já iniciou os treinamentos pelo Rio Branco
Toure já iniciou os treinamentos pelo Rio Branco. (Wagner Chaló/Rio Branco)
Caio Vasconcelos
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O Rio Branco anunciou a chegada do atacante nigeriano Toure, após ele ser um dos destaques do CTE/Colatina, na Série B do Campeonato Capixaba deste ano. Desde 2018 no Brasil, o novo reforço capa-preta vive a sua melhor fase no país.

Longe de sua terra natal, o jogador, que não tinha lugar para morar e nem alimentação, superou muitos desafios, chegou a jogar sem receber e agora espera colher bons frutos no Brancão em 2025. 

Toure, o novo reforço do Rio Branco

Em Lagos, cidade mais populosa da Nigéria e do continente africano, nasceu Aruoture Shedrack Onojedo, o novo jogador do Rio Branco-ES. Porém, a história do nigeriano teve início há mais de 26 anos. Sem nunca ter conhecido o pai, Toure perdeu a mãe ainda novo e foi acolhido pelo tio Glory, que já cuidava de três crianças em casa e virou a figura paterna do futuro atleta. Junto a Aruoture, a irmã Justine também recebeu ajuda em seu novo lar.

Com uma guerra civil, que assola o país africano há anos, as dificuldades da família foram aumentando. A responsabilidade de cuidar de cinco crianças (dois meninos e três meninas) começou a pesar no bolso da família Onojedo. O conurbano de Lagos, que ultrapassa a marca de 21 milhões de habitantes, sofre com atentados e guerras de grupos extremistas religiosos. 

No ano de 2017, durante o maior momento de tensão vivido pela família, Toure tomou uma decisão corajosa que mudaria a sua vida: sair da Nigéria em busca de uma carreira no futebol. O então garoto de Lagos apostava o seu futuro nos contatos que o tio possuía, já que Glory ganhava a vida fazendo transportes de contêineres e já havia conhecido a América do Sul. Em uma de suas viagens, surgiram dois testes para o sobrinho, no qual ele teria de optar entre Venezuela e Brasil como destino. 

Toure e as irmãs Justine (de sangue) e Precious (de consideração)
Toure e as irmãs Justine (de sangue) e Precious (de consideração). (Arquivo Pessoal)

Chegada ao Brasil, golpes e novos laços

Em 2018, após algumas ligações e conversas, o caminho de Aruoture se cruzou com Marcos Dantas, atual treinador do sub-20 do America-RJ. Na época, o comandante, que estava em um clube no qual o atleta preferiu não revelar, conheceu e se comoveu com a história do atacante, que desde novo se destacava em clubes de bairro da Nigéria. Após muita luta do técnico com a direção, foi prometida a oportunidade ao jogador, que chegaria para as categorias de base. 

No entanto, Toure afirma que o então presidente do antigo clube alegava a necessidade de um envio de 3 mil dólares para que ele pudesse se profissionalizar. Com urgência, o atleta acatou o pedido. Enquanto isso, sob as instruções de Marcos Dantas, o nigeriano recebia oportunidades e não decepcionava o treinador. À época, o comandante já demonstrava todo o carinho pelo seu novo pupilo, mas uma lesão atrapalhava os planos do atacante, que teve de voltar ao país natal para fazer uma cirurgia.

"No primeiro clube que joguei, o antigo presidente cobrou 3 mil dólares para eu jogar por lá e me profissionalizar. Só que eu só consegui disputar dois jogos, pelo processo de visto. Aí ele nem me profissionalizou, foi tudo mentira e todo o dinheiro foi embora. Eu tive que voltar para Nigéria, onde fiz uma cirurgia na perna. Quando voltei, conversei com meu tio e ele me disse que o clube queria que eu voltasse, mas o presidente pediu 1,5 mil dólares", disse Toure.

Sem dinheiro e ciente do golpe que estava sofrendo, Aruoture e o tio buscaram novos clubes, mas ambos sofriam com as mesmas exigências em diferentes lugares. Desde a primeira passagem pelo novo país ao período de desemprego, que durou até 2022, o nigeriano conheceu Gui Miguel, amigo que o abrigou por dois anos e meio no Brasil. Com a chegada da pandemia, em 2020, as dificuldades financeiras impossibilitaram a permanência de Toure, que novamente tinha de encontrar uma moradia.

Ativo nas redes sociais, Toure fez nova amizade, desta vez virtual, com Gabi, que também se comoveu com a história do imigrante e abrigou o futuro jogador capa-preta por um ano e meio. 

Foi neste período que Toure se tornou profissional, após receber uma oportunidade de jogar no Rio de Janeiro FC. Duas temporadas após a profissionalização, o nigeriano passou pelo futebol carioca, acreano e capixaba, no qual ele alega ter jogado em troca de moradia e alimentação em algumas dessas oportunidades. Considerando voltar ao país natal, ouviu de seu tio que não teria moradia na Nigéria.

Obrigado a permanecer no Brasil, foi no seu último momento de calvário que o destino reencontrou dois grandes amigos e mudou a história de Aruoture. 

Toure abraçado com o técnico e amigo Marcos Dantas, em um dos trabalhos que estiveram juntos
Toure abraçado com o técnico e amigo Marcos Dantas, em um dos trabalhos que estiveram juntos. (Arquivo Pessoal)

Da quase desistência ao Rio Branco-ES

O ano de 2024 foi um filme na vida de Aruoture Shedrack Onojedo. A convite de seu melhor amigo no Brasil, Gui Miguel, o nigeriano chegava ao Espírito Santo para vestir a camisa do CTE/Colatina, clube da Segunda Divisão capixaba. Com dificuldades financeiras, Toure vivia momento distinto na carreira e na vida pessoal. Dentro de campo, o craque do Azulão destoava da equipe que amargou uma vice-lanterna do Grupo Centro-Norte, na primeira fase do torneio.

Em cinco partidas jogadas, Toure marcou seis gols no torneio, número próximo à metade feita pela equipe (13, ao todo). No entanto, um jogo em especial jamais sairá da memória do nigeriano. Um dia antes de enfrentar o Linhares, pelo primeiro turno, o jogador recebeu uma ligação de sua irmã Justine, que confessou ao irmão estar passando fome. Prestes a desistir, o atacante foi convencido a jogar sua última partida, no qual saiu derrotado, mas marcou dois gols e chamou atenção do Rio Branco.

"Eu recebi uma ligação antes do meu jogo contra o Linhares. Minha irmã (Justine) me ligou falando que estava passando fome na Nigéria. Ela não tinha nada para comer e aquilo me fez chorar muito. Ia voltar para a minha casa, para tentar ajudar ela, mas ela me disse para fazer o meu último jogo. Nós perdemos, mas eu fiz dois gols. Lembro de brincar com os meus amigos, que era meu sonho receber uma ligação do Rio Branco. No mesmo dia, tudo isso aconteceu e eu não acreditava", contou. 

Comoção após proposta e aposta de gols

Responsável pela ligação que mudaria as aspirações do jogador, o diretor de futebol Guilherme Lobo revelou como foi o processo de contratação do atleta. Após observar as inúmeras qualidades de Toure em campo, o jogador contou toda a sua história de vida, emocionando o executivo, que assumiu o compromisso com o nigeriano. Inicialmente sem acreditar, Aruoture colocou o amigo Gui Miguel para participar da ligação. Foi o brasileiro que o convenceu que a proposta era verdadeira.

"O Toure foi apontado pelo nosso scout, enquanto estava brilhando na Série B do Capixaba. Me interessei e fui assistir ao jogo entre CTE e Linhares, em que ele fez dois gols. Mesmo após a derrota por 4 a 2, ele me chamou muita atenção pela parte técnica, além da força e a velocidade que já havíamos observado. Foi muito emocionante para mim e para ele. A história dele dá um filme, e fico muito feliz em participar disso. Conversamos depois por telefone e ele não acreditava. Chegou a me ligar todos os dias para confirmar que era verdade", relatou o diretor Guilherme Lobo.

Após o acerto entre as partes e início da pré-temporada, Toure e Guilherme Lobo realizaram uma aposta. O dirigente e o atacante estabeleceram uma meta de mais de 10 gols na temporada do nigeriano. Com seu primeiro salário digno, recebendo total auxílio do Rio Branco, Aruoture já se comunicou com a família e prometeu que irá ajudar os Onojedos com as despesas em Lagos. 

Toure apostou que vai fazer pelo menos dez gols nesta temporada
Toure apostou que vai fazer pelo menos dez gols nesta temporada. (Wagner Chaló/Rio Branco)

Pré-temporada 2025 do Rio Branco-ES

Sob o comando do técnico Ricardo Colbachini, Aruoture e o elenco do Rio Branco-ES estão na segunda semana de pré-temporada, para a disputa de cinco torneios em 2025. No ano que vem, o Capa-Preta vai jogar o Campeonato Capixaba, a Copa do Brasil, Copa Verde e Copa Espírito Santo, e Campeonato Brasileiro Série D.

Com a colaboração de Tiago Taam, do GE/ES.

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