As semifinais da Copa do Brasil 2024 começam nesta quarta-feira, com os jogos de ida entre Atlético-MG x Vasco e Flamengo x Corinthians. Nesta temporada, quatro gigantes do futebol nacional lutam pelas duas vagas para as finais. Porém, nem sempre foi assim. O torneio tem uma série de times de menor tradição, que fizeram campanhas surpreendentes e até foram campeões. Há 30 anos, o então estreante Linhares EC, do Espírito Santo, foi umas das primeiras zebras da história da competição nacional.
Fundado em 1991, como resultado de uma tentativa de fusão dos dois times da cidade de Linhares, o Linhares EC dividiu o protagonismo do futebol capixaba nos anos 90 com a tradicional Desportiva Ferroviária. Porém, o clube teve vida curta e encerrou as suas atividades em 2002, após ser rebaixado para a segunda divisão Estadual.
Nos 11 anos de vida, o time do Norte do Espírito Santo foi quatro vezes campeão capixaba (1993, 1995, 1997 e 1998). Porém, a maior façanha do extinto Linhares EC foi a campanha na Copa do Brasil de 1994, que o ge.globo relembra com os gols, fotos e depoimentos dos jogadores.
Desde a primeira edição da Copa do Brasil, em 1989, até então representantes do Espírito Santo - Ibiraçu, Desportiva Ferroviária (duas vezes), Colatina e Muniz Freire - nunca haviam passado da primeira fase da Copa do Brasil. Os rivais nunca foram fáceis, é verdade, já que se tratava de Grêmio, Cruzeiro, Botafogo, Internacional e Santa Cruz, respectivamente. No entanto, em 1994, o tabu havia de ser qubrado. No sorteio, o Linhares EC foi sorteado para enfrentar o Fluminense, do também capixaba Super Ézio, do tetracampeão Branco e do atacante Mário Tilico, que chegava do Atlético de Madrid, para reforçar o Tricolor das Laranjeiras.
O jogo de ida foi nas Laranjeiras e a expectativa dos mandantes era vencer e criar uma boa vantagem para a partida de volta no Espírito Santo. No entanto, os tricolores presentes no estádio não viram uma boa exibição da equipe, que foi surpreendida pelo ímpeto do time capixaba, que esteve à frente do placar duas vezes, com gols de Arildo Borges e Rocha. O empate do Flu viria no fim da partida, com Wallace, mas o 2 a 2 deixava tudo em aberto.
Um mês depois, a decisão seria no Engenheiro Araripe, em Cariacica. Há 132 km de casa, o Linhares EC foi à Cariacica para mandar o jogo de volta e contou com a torcida capixaba, que se uniu pelo time local, abarrotou o estádio e presenciou a história. Precisando vencer, pelos gols fora de casa, o Fluminense foi pra cima. Ainda no final do primeiro tempo, Luis Henrique finalizou de fora da área, com desvio, o gol que colocava os cariocas na segunda fase. Pelo menos até aos 43 da etapa final, quando Branco parou Cássio e Arildo Borges se preparou para a cobrança. Após o apito do árbitro João Paulo de Araújo soar, o camisa onze soltou uma bomba, de muito longe, e balançou a rede para empatar em 1 a 1.
À época, com 19 anos, o então goleiro de handebol Hiran chegava ao Linhares como terceiro goleiro, devido ao bom desempenho em um coletivo, no qual foi convidado por um amigo. Duas temporadas depois, foi ele quem se tornou o guardião da grande campanha da Coruja. Sua primeira partida profissional foi a mais difícil possível: contra o Fluminense, valendo classificação na Copa do Brasil. Porém, uma grande atuação deu confiança e garantiu a vaga na próxima fase. A posterior venda da então promessa, deu ao clube um parque aquático, aproveitado pelos sócios.
- A partida do Fluminense foi o ponto-chave na minha carreira. Foi a minha primeira partida como atleta profissional de futebol. Lembro que foi muito difícil, mas tive uma atuação muito boa. Peguei muito, o que chamou atenção de Flamengo, Fluminense, Athletico Paranaense, Guarani e Portuguesa. O Linhares fez jogo duro, para me valorizar. Depois da campanha na Copa do Brasil, fui vendido ao Guarani, por um milhão e pouco, o que permitiu o Linhares de comprar um parque aquático, que os sócios puderam desfrutar graças a minha venda (risos). Fico muito feliz com isso, porque foi realmente a partida que deu início à minha carreira - disse Hiran, destaque da partida, ao ge.globo.
A classificação histórica deixou o Linhares bem na competição. Agora, os capixabas iriam enfrentar o São José-AP, que havia eliminado o Nacional-AM. Cheio de moral, a Coruja teve a confiança travada ao empatar, em 0 a 0, no Guilhermão, com direito a grande atuação do goleiro Hiran, que evitou um resultado negativo. O primeiro sinal de que eliminar o Fluminense não bastava, já havia sido sinalizado. A competição continuava e uma nova armadilha estava armada para o jogo da volta.
Sem atenção, o estádio Zerão, em Macapá, se tornou um pesadelo para o time do Espírito Santo. O São José-AP abriu 2 a 0, no primeiro tempo, com dois gols de Varela. A eliminação, praticamente impossível de ser evitada, se tornou outro dia histórico para o Linhares EC. Em busca de uma reviravolta, China (lateral ex-Grêmio e Botafogo), Arildo Borges e Rocha fizeram a Coruja viver um dia de fênix, retornando das cinzas para passar rumo às quartas de final com a vitória de 3 a 2 .
Contratado pela Coruja, após chegar do Botafogo, o lateral China explica que ao vir ao Espírito Santo, já tinha a decisão de se aposentar e tomar conta de um depósito de gás. No entanto, um convite da diretoria do Linhares EC gerou uma das grandes alegrias na carreira do atleta. Segundo ele, os dois títulos conquistados com a camisa azul não superam a campanha realizada na Copa do Brasil.
- Na ida, tivemos um pênalti e o batedor oficial era o Arildo Borges, mas ele se absteve. Como eu era capitão do time, fui bater da maneira que sempre fiz. Tentei o chute forte e, na verdade, o goleiro não defendeu, mas sim a bola que bateu nele (risos). Para o jogo da volta, veio a redenção, de falta. Eu sempre treinei muito por onde passei, e tínhamos também o Arildo Borges, mas fui feliz na cobrança - disse China, que iniciou a reação histórica, ao ge.globo.
Após fazer história contra o Fluminense, se salvar de uma eliminação praticamente impossível contra o São José-AP, o Linhares EC chegava às quartas de final. O adversário era o tradicional Comercial-MS, que já havia tirado o Paysandu (primeira fase) e o Kaburé, zebra do Tocantins, que surpreendeu o América-MG. A ida, realizada no Espírito Santo, foi uma festa. Com gol marcado por Vandick, em um Guilhermão lotado, a Coruja venceu por 1 a 0 e comprava a passagem para Campo Grande, precisando de um simples empate para avançar à semifinal.
Ao contrário do esperado, o público da partida não foi dos melhores. Além disso, o Comercial-MS tinha a ausência do atacante Marcos Severo, a grande estrela da equipe. O que já era esperançoso, iria melhorar ainda mais. No fim da primeira etapa, em cobrança de falta pela esquerda, Arildo Borges cruzou para Gersinho, de cabeça, colocar praticamente o Linhares na semifinal. O gol obrigava os sul-mato-grossenses a marcarem três gols. Na etapa final, o Comercial até empatou o jogo, em 1 a 1 , mas não foi suficiente para tirar a vaga do time capixaba.
Contra o Comercial, Hiran relembra que o gramado e a pressão existente eram os grandes dificultadores. O gol, marcado no primeiro tempo, por Gersinho, tranquilizou a tensão do time capixaba. A classificação, no entanto, cresceu os olhos do individualismo para a próxima fase, segundo o goleiro.
- A partida contra o Comercial, do Mato Grosso, foi muito difícil. Um gramado muito difícil de jogar, mas foi crucial para a gente tirar a pressão dos ombros e chegar até a semifinal da Copa do Brasil. A confiança era alta, contra o Ceará, mas perdemos a classificação no Castelão, devido ao olho grande. Muita gente não sabe, mas tinham torcedores do Linhares oferecendo dinheiro para quem fizesse gol. E na hora que os jogadores chegavam frente a frente com o goleiro, os jogadores eram individualistas e não serviam o companheiro, que tinha o gol aberto. Eram 10 mil reais para quem marcasse. Tivemos muitas chances, então isso foi uma das coisas que nos prejudicou - disse Hiran ao ge.globo.
Faltavam dois jogos para o Linhares EC alcançar a grande final da Copa do Brasil. Ou melhor, quatro para alçar voo por toda a América, caso conquistasse o torneio nacional. O adversário voltava a assustar pela grandeza, mas os antigos feitos permitiam, e muito, sonhar. A ida aconteceu no Castelão, abarrotado de alvinegros ilusionados com o sonho do Vozão campeão. No entanto, os capixabas aguentaram a pressão e seguraram um empate em 0 a 0 (assista aos lances), que aproximava a Coruja da finalíssima.
A volta, no Espírito Santo, ganhou um novo rumo. O estádio Guilhermão foi substituído pelo Engenheiro Araripe, que recebia maior público. Sendo assim, cerca de 12 mil capixabas se uniram em prol do Linhares EC, que tentou, mas não conseguiu superar o ímpeto do Ceará. Os alvinegros abriram o placar ainda no primeiro tempo, aos 30 minutos, com Sérgio Alves. Na segunda etapa, o Vozão segurou o resultado de 1 a 0 e colocou um ponto final no sonho do Linhares de ir à final da Copa do Brasil.
Natural da Bahia, o centroavante Vandick se transferiu ao Linhares, vindo do Grêmio de Maringá, logo após a classificação diante ao Fluminense. Mesmo assim, foi necessário pouco tempo para se adaptar e se tornar um dos grandes daquela equipe. Foi ele quem marcou o importante gol, na fase anterior, no jogo de ida contra o Comercial-MS. Frustrado pela eliminação, o atacante voltou à sua terra de origem, mas entende que o Linhares o ajudou a brilhar Brasil afora, que posteriormente o tornaria ídolo do Paysandu, com direito a título da Copa dos Campeões e campanha marcante na Libertadores.
- Ficamos muito frustrados por não chegarmos à final. Perdemos para o Ceará, mas ficou marcado para sempre. Todos nós fomos responsáveis por aquela campanha, pois é um time que no começo ninguém dava nada, e começamos já na primeira fase surpreendendo a forte equipe do Fluminense. Todos nós temos um sentimento de dever cumprido, mesmo não tendo chegado à final daquele ano. Foi uma frustração grande porque a gente queria ir mais longe e sabíamos que dava. Mas foi legal, muito legal mesmo. Eu acho que a equipe fez tudo que poderia fazer e a eliminação faz parte do futebol, infelizmente - disse Vandick, ao ge.globo.
Texto feito por: Sidney Magno Novo e Tiago Taam GE.
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