Com as prisões recentes de Daniel Alves e Robinho, condenados por estupro, o debate sobre a postura das mulheres em baladas vem ganhando as redes sociais. E o fato dos jogadores serem ídolos mundiais e com uma legião de fãs traz à tona um pensamento muito comum entre a maioria dos homens: apresentar dúvidas sobre a situação. Muitos duvidam que os jogadores realmente praticaram violência contra as mulheres, mas que caíram em golpes das vítimas.
Em um caso que ganhou repercussão no Espírito Santo, o judoca capixaba Nacif Elias questionou a punição de Daniel Alves. O posicionamento do atleta foi muito criticado, mas também ganhou coro de algumas pessoas.
A Mestra em Direitos e Garantias Fundamentais e especialista em questões referentes a gêneros, discursos de poder e violência contra as mulheres Renata Bravo contestou as falas sobre a possibilidade de Daniel Alves não haver violentado uma mulher. “Questiona-se sempre o fato e a possibilidade de não haver algo forjado ou a possibilidade de se colocar o homem com vítima, e não a mulher. E num ambiente masculino como o futebol uma grande questão passa pelo corporativismo e o pacto da masculinidade que se defende acima de tudo”.
Renata salientou que a fala de uma mulher violentada não precisa passar por uma camada de convencimento. "Ainda que questionada, a palavra dela deve prevalecer. E nesse caso, a palavra da vítima é corroborada com os autos. Ou seja, questionar sua fala é naturalizar a violência. No caso da mulher violentada por Daniel Alves, além da fala dela, há outras provas estabelecidas pela legislação da Espanha. No caso de Robinho, por exemplo, há ainda os áudios. E em ambos os casos, prevalece o fato de que a violência pode ter acontecido sendo o abusador uma pessoa conhecida pela vítima ou não".
Uma dos questionamentos mais ouvidos é sobre a razão de a vítima haver demorado a prestar queixa e haver voltado à boate após ter sofrido a violência. “Em muitas das vezes a vítima demora a reconhecer a violência. Não é algo simples, especialmente diante do contexto. Quanto ao fato de voltar à boate ou ter demorado a prestar queixa, isso não diz respeito à sociedade. Ela não precisa ficar reclusa por ser vítima, mas viver com dignidade. Por em cheque a declaração da violência me parece que é algo semelhante a ela não entender, não ter capacidade ou potencial para ser violada. É como se a conduta dela validasse a violência. O fato a ser considerado é a existência da violência e isso sim é primordial”, destacou Renata.
Outro ponto geralmente questionado pelo público masculino é o fato da vítima não ter gritado, não se vitimizou, e tornou público o fato mediante o acusado ser famoso. "Triste e infelizmente reproduzido. Quem se submeteria voluntariamente a um dos piores medos das mulheres? Admitir que isso pode ser utilizado como trampolim para a fama coloca a mulher como uma espécie de ‘causadora do mal’. Não se pode naturalizar uma fala dessa, especialmente quando se analisa que a grande maioria das violências é praticada por homens que conhecem a vítima e não por mulheres que buscam a fama".
Uma das possibilidades para se diminuir o número de estupradores levantadas por muitos é a castração química. O que para Renata é uma solução simples para um problema complexo. "Algo do qual não coaduno. A castração química não entende o problema e não é resolutiva na mudança da ação. Não atinge a raiz. Muitos praticam a violência pelo puro exercício do poder ou como forma de dispor do corpo da mulher. O problema é maior e está na sociedade patriarcal e na misoginia".
A discussão sobre o estupro é sempre pertinente, especialmente no Brasil. Em números absolutos, com dados do Anuário Brasileiro de Violência de 2023, o Brasil registrou o maior número de estupros da história: foram quase 75 mil vítimas, sendo 18.110 estupros e 56.820 estupros de vulneráveis. Quase 90% dessas vítimas são mulheres e 57%, negras. As principais vítimas, 62%, são crianças entre 0 e 13 anos.
A maioria das violências, 69%, ocorre em casa e na maioria acachapante dos casos o abusador é conhecido das mulheres. No ES, em números absolutos, foram de 400 a 477 casos, com um acréscimo de 18,4% comparando 2021 e 2022. No que tange a vulneráveis, o número saltou de 1.101 para 1.259, um crescimento de 14%. Ainda que seja um número significativo, os índices do Espírito Santo não são os mais altos do País. Em números absolutos, tanto de estupro como de estupro a vulneráveis, São Paulo lidera, sendo quase 9.100 casos na primeira situação e quase 9.800 na segunda.
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