O racismo mostra a sua face mais perversa nos clubes de futebol quando observada a quantidade de pessoas pretas em cargos de liderança. Dos campeonatos estaduais que chegam à fase final nesta primeira quinzena de abril, apenas sete técnicos são negros: Rodrigo César, do Rio Branco (ES); Jairo Nascimento, do Tocantinópolis (TO); Jorge Castilho, do Maringá (PR); Carlos Vítor, do Nova Iguaçu (RJ), Hélio dos Anjos do Paysandu (PA), Jair Ventura, do Atlético Goianiense (GO), e Roger Machado, do Juventude. Um deles, Rodrigo César, finalista do Capixabão, vivenciou ofensas racistas num jogo da semifinal do campeonato.
O Observatório Racial do Futebol fez um levantamento e apontou que em outras atribuições técnicas os pretos também são minoria: 24% das equipes de arbitragem são compostas por pretos e apenas 6% preparadores de goleiros são negros.
Sobre o assunto da questão racial, conseguimos falar com quatro dos sete treinadores acima citados. Além de Rodrigo César, Jairo Nascimento, do Tocantinópolis (TO), Jorge Castilho, do Maringá (PR) e Carlos Vítor do Nova Iguaçu (RJ) . O Juventude não liberou Roger Machado. Não localizamos o técnico do Paysandu e o do Atlético Goianiense. Dos contactados, três treinadores ressaltaram haver vivido experiências com o preconceito racial em suas carreiras.
Rodrigo, sofreu ofensas racistas nas semifinais do Capixabão, quando um torcedor do Rio Branco, seu próprio clube, o ofendeu. "Nunca havia vivido isso. Mas me surpreendi por ser algo que aconteceu comigo, ainda que aconteça no mundo todo", pontuou e destacou a importância de mais oportunidades. "Somos minoria. Nos cargos grandes é difícil ver pessoas pretas. Nas séries A, B e C não aparecemos tanto. Espero que possamos ter oportunidades, independente da nossa cor e crença, e mais pelo nosso trabalho. Há treinadores pretos qualificados, um deles é o Carlos Vitor que vem fazendo um bom trabalho no Nova Iguaçu".
Carlos Vítor, do Nova Iguaçu, se posicionou sobre o assunto. "Precisamos ter lideranças negras no esporte, acreditar nos nossos ideais e seguir em frente. Porém, não se pode confundir falta de oportunidade com vitimismo. Temos que crescer nesse aspecto e nos oportunizar", disse ele, que está há 32 anos no clube fluminense, há três no profissional e renovará seu contrato com o time iguaçuano.
O técnico do Maringá, Jorge Castilho, ressalta que profissionais pretos precisam sempre provar mais seu talento. “É preciso treinar duas vezes mais. Não é verdade que não tenha preconceito”, disse ele. O profissional está há quatro anos no futebol profissional. E neste ano chegou à final do Campeonato Paranaense. "Não podemos esperar as coisas caírem do céu só por sermos pretos", destacou o treinador.
Jairo Nascimento, do Tocantinópolis, foi um dos poucos a dizer não haver experienciado problemas relacionados ao racismo. “Na minha região, a Norte-Nordeste, sempre fui bem recebido. Sei que existe preconceito, mas isso é mais frequente no Sul-Sudeste”. O técnico do time tocantinense relatou como se sente no futebol no Estado. “Eu me sinto feliz por ter essa representatividade, e sei que é difícil no Sul, onde há maior resistência. No Norte e Nordeste há mais técnicos pretos”. Ele também considera ser importante debater a questão racial. “Tem brasileiros sofrendo fora do país por atos de racismo e isso mexe com o brio do ser humano. É preciso ter reeducação, é preciso ter mais igualdade”.
Todos os técnicos citaram outros profissionais que lhes inspiram ou no qual eles se espelham. Castilho destacou Tite, Felipão, Cuca, Roger Machado e Mano Menezes. Carlos Vítor, do Nova Iguaçu, lembrou Telê Santana. Rodrigo César, falou de Tite e Carlos Vítor, conforme citado no início da reportagem. Jairo Nascimento, técnicos estrangeiros. Ou seja, a pouca quantidade de referências acabou fazendo com que os entrevistados se citassem reciprocamente.
O fato de haver poucos pretos em cargos de liderança, especialmente aqueles em que há um forte componente intelectual, tem uma explicação histórica. "O processo de escolarização no Brasil além de ser tardio, não incluiu os negros. Ou seja, já no período colonial não cabia aos negros o lugar dos saberes especializados ou que denotavam uso de intelecto. É neste ponto que há o processo de ênfase nas habilidades do senso comum, que entende que toda pessoa negra é dotada de muita força e pouco intelecto. O futebol é uma das áreas em que mais isso é enfatizado. Ou seja, este é um espaço que coisifica o lugar dos negros, tendo a eles como possuidores de instinto e não de intelecto", destacou Leonardo Vieira, antropólogo e pesquisador das relações étnico-raciais no Rio de Janeiro.
"Esta é uma questão que tem muito a ver com a herança histórica do Sudeste. O mercado de trabalho sempre foi mais disputado naquela região. Sobretudo, ainda está presente no imaginário social, que a vida no Rio, principalmente, é diferente e que abrirá portas. Com isso, fica mais acentuada a relação entre raça e classe. Nos outros estados a disputa passa por outras questões, como, por exemplo, sendo o que sobra [do cenário tradicional] ou quando se compreende como um trampolim para algo melhor. Neste sentido, é possível pensar que mesmo que exista possibilidade para pessoas negras ocuparem esses cargos técnicos, isso é algo que tende ser inviabilizado, justamente por que não estão no eixo de destaque nacional, que é o Rio-SP", finalizou Leonardo.
O título e texto original desta matéria trazia a informação que 5 técnicos negros chegaram às finais dos Estaduais que já chegaram a esta fase. Entretanto, percebemos um erro no levantamento feito pela reportagem, que não registrou outros dois treinadores negros que são finalistas: Hélio dos Anjos (Paysandu) e Jair Ventura (Atlético-GO). Por isso, o título e o texto da matéria foram alterados.
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