Como um ato de desafio, definição dada pelo presidente da federação nacional, o Campeonato Ucraniano será retomado nesta terça-feira (23). É o Dia da Bandeira Nacional no país. Para os jogadores que estarão presentes na primeira rodada, existe mais do que um orgulho. Há também o receio, assim como a esperança.
"É um ato de fé, de que o futebol pode ser maior do que a guerra. É uma demonstração de coragem do nosso povo", afirma Andriy Pavelko, que comanda a federação local.
Ele foi uma das forças que levaram adiante o projeto de retomada do campeonato no meio da invasão do país pelas forças russas. O início da guerra provocou a interrupção da liga em abril deste ano. O título foi declarado vago.
O sinal verde para o reinício foi dado pelo presidente do país, Volodimir Zelenski. O pensamento inicial seria passar a imagem de que a vida continua dentro da normalidade. Não será fácil.
"Eu vejo como uma oportunidade. É a chance de estar na Europa e defender um dos principais times da Ucrânia. Estamos em uma região que não é próxima ao local em que acontecem as batalhas. Mas, havendo qualquer problema, estou a quatro quilômetros da fronteira com a Eslováquia", afirma o atacante brasileiro Marlyson, 24, emprestado pelo Figueirense ao Vorskla Poltava.
Marlyson atuava pelo Metalist quando estourou a guerra. Saiu do país de trem, em uma viagem de 18 horas, assim que a liga foi interrompida. Agora está de volta por causa da oferta financeira, um contrato que não receberia no Brasil.
Há mais dois brasileiros no elenco: Gabriel Nazário e Felipe, que também estavam na Ucrânia antes e resolveram retornar também pela vantagem financeira. Uma oportunidade que outros tiveram, mas recusaram.
"Fiquei sabendo da volta do campeonato. Tenho contrato com o Kolos Kovalivka, que é da Ucrânia, mas na situação que estão vivendo lá não voltaria. A condição atual é bem complicada. A gente acompanha as notícias. Torço muito para que tudo se normalize por lá", diz o atacante brasileiro Renan Oliveira, que deixou o país no início da guerra e hoje está no Zalgiris Vilnius, da Lituânia.
De acordo com os sites dos 16 times que vão disputar a primeira divisão, serão nove jogadores brasileiros. Com o início do conflito, os atletas estrangeiros receberam uma licença da Fifa para atuar por outras equipes ou ser emprestados, caso de Renan Oliveira.
Isso não foi bem recebido por todos os clubes. O mais rico do país, o Shakhtar Donetsk, pede 50 milhões de euros (cerca de R$ 259 milhões na cotação atual) à Fifa e à Uefa em reparações pela perda de atletas e levou o caso à Corte Arbitral do Esporte.
A maioria das partidas será realizada na região da capital Kiev. Todas as equipes se deslocaram para locais próximos à cidade ou vizinhos às fronteiras consideradas mais seguras. Não haverá público nas arquibancadas, e o exército será deslocado para garantir a segurança dos jogadores, afirma a federação.
"É um sinal para a sociedade de que estamos confiantes e também para aumentar o moral do país. Consideramos um grande passo", afirma Pavelko.
A liga estará longe de ser o que era antes da guerra, e os próprios dirigentes sabem disso. Times como o Kryvbas Kryyyi Rih encontraram dificuldades para montar um elenco completo e apelaram a jovens da região. Mas essa agremiação, sediada na terra natal de Zelenski, foi a mais ferrenha opositora de ideia de que as partidas do campeonato local fossem realizadas na Polônia. O argumento é que a liga ucraniana tem de acontecer na Ucrânia.
Entre os participantes quando houve a interrupção pela guerra, Desna Chernihiv e Mariupol estarão fora. Seus estádios e infraestrutura foram bombardeados pela força aérea russa.
Diferentemente dos russos, os times ucranianos estão liberados para participar das competições europeias. O Shakhtar Donetsk era um dos defensores de jogos na Polônia porque vai mandar seus confrontos na fase classificatória da Champions League em Varsóvia. O Dínamo de Kiev vai usar a cidade de Lodz, no mesmo país.
A questão que ninguém deseja pensar é o que vai ocorrer caso a situação piore nos arredores de Kiev. Ou que haja ataques aéreos. Continuar o torneio nessa situação seria impensável. Para muitos, recomeçar na situação atual já é um risco considerável.
"O importante é passar um sinal para as pessoas de que o povo ucraniano está resistindo. O futebol é capaz de mandar essa mensagem", afirma o zagueiro croata Dragan Lovric, do Kryvbas.
A mensagem que Marlyson teve de passar para sua família foi outra: a de que era uma boa ideia voltar para a Ucrânia. Por enquanto, conseguiu convencê-los.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta