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Atacante do Atlético-MG, Paulinho lamenta atentado a terreiro em Vila Velha

Atacante do Atlético-MG, Paulinho lamenta atentado a terreiro em Vila Velha

Candomblecista, atacante do Galo já foi, por inúmeras vezes ofendido por praticar religião de matriz africana

Publicado em 6 de maio de 2024 às 10:51

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Chegada da equipe do Atlético Mineiro no hotel Sheraton para partida contra o Fluminense no estádio Kléber Andrade
Chegada da equipe do Atlético Mineiro para partida contra o Fluminense. Paulinho foi recebido pelos torcedores e falou com A Gazeta sobre atentado a terreiro de Vila Velha. (Vitor Jubini)
Vitor Antunes
Reporter / [email protected]

A cada comemoração de gol, sabem todos aqueles que acompanham futebol, não é incomum os agradecimentos a Deus, ou gestos de fidelidade a Jesus. A presença cristã no futebol é uma certeza tal qual a bola é redonda. Mas e quanto à presença de jogadores de que são adeptos à religiões matriz africana? Apenas três, no futebol recente. Um deles é Paulinho, do Atlético-MG, o outro é  Bill, do Nova Iguaçu (RJ), que celebraram Oxóssi, orixá do panteão religioso afro e a quem eles são devotos. Rodrigo Nestor, do São Paulo, agradeceu a Iansã, sua orixá-guia, pela vitória do São Paulo na Copa do Brasil, ano passado.

No dia da chegada da delegação do Atlético-MG aqui no Espírito Santo, um terreiro de Umbanda, o Aprendizes do Amor, foi vandalizado em Vila Velha. A suspeita é que o ataque tenha sido motivado por racismo religioso – intolerância contra religiões de matriz africana.

A reportagem de A Gazeta conversou com o jogador do Galo sobre o incêndio ao templo religioso, especialmente em razão de ele ser voz ativa sobre o tema e dar protagonismo à pauta afirmativa da religião. "Estamos em 2024 e já não tem mais cabimento [atentados contra templos de matriz afro]. A gente sabe o quanto isso afeta, não só a nós que somos da religião, mas a toda a sociedade. Eu tento usar da minha voz, da minha imagem, para poder combater, não só a intolerância religiosa, mas como todos os preconceitos que ainda existem. E espero que a gente possa, com as autoridades, olhar sempre para essas causas e tentar de alguma forma lutar contra".

A repórter Any Cometti, da TV Gazeta, esteve no templo, conversou com balorixá Alexandre de Ossain, sacerdote da casa, que revelou que a parte sagrada do terreiro não foi afetada, mas que as chamas consumiram uma área utilizada para um projeto social. Ele ressaltou já vir sofrendo ameaças e haver formalizado a questão junto ao Ministério Público do Espírito Santo (MPES).

Segundo as redes sociais da Casa, as atividades estão suspensas não só para perícia, mas também para reforma e estas só serão retomadas no dia 18 deste mês. Também em consonância com os dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Espírito Santo (Sesp), os crimes de intolerância religiosa triplicaram entre 2021 e 2022. Os casos subiram de 5 para 15. No Brasil essa prática é considerada crime, previsto no artigo 20 da lei nº 7.716/89 e pode levar o infrator a cumprir pena de reclusão de 1 a 3 anos, além de multa.

Tia de Paulinho, jornalista da GloboNews também defende o direito à liberdade religiosa

Sobre a pauta da intolerância religiosa, outra pessoa a debater o assunto, que faz parte de uma de suas frentes de discussão, foi a jornalista Flávia Oliveira, da GloboNews, que é tia de Paulinho, e falou especialmente para A Gazeta. "A intolerância contra terreiros de umbanda e candomblé, infelizmente, é crescente. São raízes históricas que alcançam o presente. A demonização dos cultos afro-brasileiros foi ferramenta de dominação pelos colonizadores e de imposição das religiões cristãs hegemônicas. A legislação nos protege ao criminalizar o racismo religioso, ao impor a liberdade de culto como direito fundamental. Cabe às vítimas denunciar, à polícia investigar, à justiça condenar".

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Infelizmente, as punições são raras. Poucos se comovem com a desqualificação e a violência contra o povo de santo. São nossa fé, nossa cultura, nossa vida

Flávia Oliveira
Jornalista (Grupo Globo)
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Para a jornalista Flávia Oliveira, as punições para os intolerantes ainda é baixa, mas a formalização da queixa pode fazer diferença
Para a jornalista Flávia Oliveira, as punições para os intolerantes ainda é baixa, mas a formalização da queixa pode fazer diferença. (Divulgação/GloboNews)

Dados escancaram o preconceito religioso

Segundo dados publicados em 2023 pelo Observatório da Discriminação Racial do Futebol (ODRF),  52,8% dos entrevistados disseram ser cristãos católicos e 30,91%, evangélicos. Há ainda 4,65% de espíritas, 2,75% adeptos da umbanda e 2,33%, do candomblé. Entre esses quase 5% de praticantes da religião de matriz afro somados, 97,25% disseram não ter sua crença respeitada.

Ainda de acordo com o ORDF, 54% das pessoas pretas presentes nas torcidas afirmou haver sido alvo de preconceito racial nos estádios. 32% delas, nas redes sociais e 11% nas sedes dos clubes. O racismo religioso responde por cerca de 6% das ofensas racistas. Ainda no que diz respeito às torcidas, 48% dos xingamentos vem das torcidas adversárias. Até bem pouco tempo atrás, em 2022, a Nike não permitia que se personalizasse camisetas com nomes de orixá, ainda que se pudesse colocar nomes relacionados à cristandade, como Jesus.

Conforme citado anteriormente, Paulinho, jogador do Atlético Mineiro, professa a religião do Candomblé e se identifica na bio do Instagram como "filho de Odé e Rei de ketu". Dentro do Candomblé, Odé — também conhecido por Oxóssi — é o orixá da caça e tem origem em Ketu, reino iorubano.  Desde sempre em sua trajetória profissional ele faz menção ou a Exu, igualmente orixá do candomblé que geralmente é demonizado pelos detratores da religião afro, ou a Oxóssi, seu orixá de cabeça. 

Em sua primeira grande vitória pela Seleção Brasileira, nas Olimpíadas de Tóquio, em 2021, Paulinho postou no Instagram uma foto com a legenda "Nunca foi sorte, sempre foi Exu". Ofensas à religiosidade estavam ali presentes. E elas não são incomuns. Inclusive, no X/Twitter, ele é recorrentemente referenciado como "Paulinho Macumba". Num dos posts aos quais a reportagem teve acesso, um torcedor dizia "Tá aqui seu Exu", enquanto na imagem um desenho apontava para os órgãos genitais. Outro, datado no fim do ano passado, que "O Paulinho Macumba está manchando a história da seleção brasileira".

Ofensas de preconceito religioso ainda presentes no Instagram de PAulinho, desde 2021.
Ofensas de preconceito religioso ainda presentes no Instagram de Paulinho, desde 2021, à postagem que dizia "Nunca foi sorte, sempre foi Exu". . (Reprodução/Instagram)

Bill,do Nova Iguaçu, também menciona a Oxóssi em sua rede social com a expressão "Arco e Flecha".  Nos jogos que antecederam as partidas contra o Flamengo, ofensas contra Bill mencionavam um possível "pacto com o Diabo" ou diziam "vai perder, macumbeiro". Outro candomblecista é Rodrigo Nestor, do São Paulo, conforme citado. Ele agradeceu a Iansã, pelo triunfo do São Paulo na Copa do Brasil, em 2023. Flávia Oliveira finaliza dizendo que, a despeito das ofensas, a luta pela fé permanecerá. "Seguiremos. Denunciando e professando nossa fé nos orixás, voduns e inquices".

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