Na última segunda-feira (4), o Athletico-PR anunciou a contratação de Cuca para assumir o comando do clube. O retorno do treinador à condução de uma equipe depois sua ruidosa passagem pelo Corinthians retomou a discussão sobre futebol e a violência contra a mulher, já que sobre as costas do profissional pesa a grave acusação de estupro ocorrido em 1987 à então jovem Sandra Pfäffli, falecida em 2002.
A Gazeta conversou com Renata Bravo - Mestra em Direitos e Garantias Fundamentais, especialista em questões referentes a gêneros, discursos de poder e violência contra as mulheres - sobre o impacto dessa decisão do clube paranaense à sociedade.
Segundo a acadêmica, "o retorno de Cuca é baseado na questão processual anulada, mas essa não é uma autorização para dizer que o crime não aconteceu, já que não houve um desmentido. O recado que passa é que não importa o ocorrido se há um papel dizendo o contrário". Ainda conforme a pesquisadora, "Cuca volta para o cenário no qual praticou crime - já que era jogador quando o cometeu. É como se estivesse autorizado a fazê-lo, já que está numa posição de ídolo".
Pesa na contrariedade discursiva do clube paranaense o fato de ele, em 2020, haver se colocado em favor da causa feminina, lançando mão das atletas da casa, reforçando a fala de que o "estupro culposo não existe". Bravo salienta que o Athletico ter se colocado em favor das mulheres naquela campanha e agora empregar Cuca como técnico é incoerente.
"É como se o discurso houvesse ficado no papel. Os clubes precisam ter sustentabilidade discursiva nas campanhas que se colocam. A postura deve ser sintonizada com o discurso. Ou seja, a contratação de Cuca é como se rasgasse o posicionamento anterior, favorável à causa da mulher. É como se eles não se importassem, [desconsiderando] inclusive as torcedoras, colaboradoras ou jogadoras."
Desde o dia 30 de dezembro de 2022, Daniel Alves, ex-jogador do Barcelona, está detido na Espanha, e desde o dia 20 de janeiro de 2023, no Centro Penitenciário Brians 2, em Barcelona, acusado de agressão sexual. Na última quinta-feira (29), a estátua do jogador erigida em sua cidade natal, Juazeiro (BA) foi vandalizada por populares. Entretanto, nesta segunda-feira (4), uma mulher limpou o monumento.
Renata Bravo é cautelosa em sua análise no que diz respeito ao acontecimento. "Não posso culpabilizá-la por isso. É algo que acontece. Na sociedade há tanto negros como mulheres [que não se enxergam nas pautas afirmativas]. A sociedade que está ali pintando de branco a estátua em homenagem ao jogador, por ele apresentar cinco versões para o crime que teria cometido, não está apartada daquela que sendo negra se põe contra os negros ou sendo mulher também se coloca contrária a elas. Para mim é mais importante esse posicionamento da sociedade que a ação da mulher".
Também gerou ruído o apoio financeiro do pai de Neymar ao ex-jogador do time espanhol, o que acabou por atenuar-lhe a pena. E na manhã desta terça-feira (5) repercutiu, de igual maneira, o fato de um amigo de Robinho - atleta também condenado por estupro coletivo - entrar com um pedido para adiar a sessão de julgamento do governo italiano para o ex-jogador de futebol cumprir pena no Brasil.
O julgamento está marcado para o dia 20 deste mês na Corte Especial do STJ. O ex-jogador recebeu sentença de nove anos de prisão da Justiça italiana, mas está em liberdade no Brasil, cuja legislação impede a extradição de brasileiros natos. "Faz parte do pacto da masculinidade, confiante desse corporativismo que os defende e que são indiferentes aos corpos e à vida de mulheres que estão em perigo. 'É como aquela máxima do "nem todo homem, mas sempre um homem'", finalizou Renata.
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