Você já ouviu dizer que o corpo humano é uma máquina? Da boca à pele, do cérebro à faringe, ele é composto por sistemas que desempenham funções específicas para que possamos respirar, falar, andar e nos relacionar em sociedade. Antes de tudo, ele é também a nossa primeira casa e serve como morada para tudo que nos compõe. Um dos segredos para a qualidade de vida, portanto, está na forma como cuidamos do corpo e da mente.
Entretanto, engana-se quem pensa que isso significa apenas realizar atividade física ou fazer check-ups periódicos. Claro que esses fatores representam uma boa parcela dos cuidados que se deve ter na busca de uma vida saudável. Mas, considerando os impactos sensoriais e como diversos órgãos podem sofrer influências externas do nosso dia a dia, é preciso prestar atenção até mesmo na decoração da casa.
Inicialmente, a relação entre os assuntos pode até parecer não fazer muito sentido, mas a psicóloga e especialista em Desenvolvimento Humano e Social Angelita Scardua explica que o cérebro capta estímulos do ambiente de forma contínua, o que afeta diretamente todo o nosso sistema sensorial.
Ou seja, dependendo das condições do espaço, da organização e até mesmo das cores dispostas, serão gerados percepções e estímulos: seja de conforto, seja de prazer, seja de incômodo, seja de ansiedade.
As consequências podem afetar tanto em esferas emocionais, como também, de acordo com Angelita Scardua, em níveis fisiológicos. O motivo é que a energia que seria despendida para relaxar a musculatura, se o ambiente fosse aconchegante, passa a ser destinada para processar todo o excesso de informações daquele local.
“Então, o que pode acontecer? Um cansaço mental, falta de concentração, dor de cabeça e até o comprometimento da qualidade do sono. E isso bagunça simplesmente tudo, porque o sono está diretamente associado à regulação do sistema endócrino, dos neurotransmissores e até do nosso sistema imunológico”, pontua a psicóloga.
Segundo a a arquiteta Ximene Avilar, hoje, existe um movimento na arquitetura de reinvenção, popularizado, principalmente, no período pós-pandemia, em que muitas pessoas têm olhado para a casa com uma visão diferente.
Se antes, por exemplo, as residências eram, praticamente, um dormitório depois de um dia exaustivo do trabalho, atualmente, o afeto e o aconchego têm sido palavras-chave na hora de reformar os cômodos da casa, já que o relacionamento com o quarto, a cozinha, a sala e outros espaços ganhou mais significado nos últimos anos.
É por isso que o minimalismo, por exemplo, tem perdido espaço entre os projetos de decoração, uma vez que ele deixa de lado elementos que possam contar histórias diretamente relacionadas à personalidade de quem vive ali.
Por outro lado, Ximene Avilar destaca que o trabalho com elementos sensoriais na decoração da casa tem ganhado cada vez mais espaço.
A arquiteta toma o olfato como exemplo e conta que os odores podem remeter a alguma lembrança. O mesmo pode ocorrer por meio de materiais naturais, em que o indivíduo encontra nas texturas uma sensação de bem-estar. Um exemplo são as peças em madeira, que reforçam o contato com a natureza, agregando qualidade de vida, provocada pela biofilia – tendência que se baseia na conexão das pessoas com esses elementos.
“Nós gostamos de trabalhar com uma decoração afetiva em nossos projetos por entendermos que essa é uma forma da pessoa se sentir parte daquilo. Já tivemos no escritório clientes que tinham, por exemplo, um sofá da época em que casaram ou uma outra peça diferente, que integramos para ajudar na sensação de pertecimento”, relata a profissional.
Mas, atenção! Existe um limite até mesmo para esse tipo de decoração, porque o caminho é encontrar um equilíbrio entre esses objetos que expressam a personalidade da pessoa, sem deixar o espaço sobrecarregado.
Para a arquiteta Bruna Perim, o ideal é considerar cada projeto de forma personalizada, em que o ponto focal seja contar a história de quem mora ali, por meio da disposição dos ambientes.
É esse tipo de arquitetura que tem popularizado o termo “memória afetiva”, uma tendência de decoração que ajuda a reforçar todos os pontos defendidos pela psicóloga Angelita Scardua, na construção de ambientes confortáveis.
Uma vitrola herdada do avô, um álbum de fotos com os amigos, um quadro pintado pela mãe, todos esses elementos ajudam a reforçar a conexão defendida pela especialista e a desenvolver um ambiente doméstico mais saudável, afinal, a casa começa a fazer sentido para a pessoa que vive nela.
Bruna Perim concorda e acrescenta que é essa conexão que promove a felicidade dentro do lar. “Acredito que, antes de qualquer coisa, a gente precisa entender a mensagem que a pessoa quer passar. Você pode até não entender o ambiente, mas a pessoa que mora ali vai se sentir bem por meio do sapatinho de batismo que guardou a vida toda ou algo que ganhou da avó. As pessoas têm gostos diferentes, e está tudo bem com isso”, reforça.
Durante o processo de definição dos ambientes, a psicologia das cores pode ser uma grande aliada. De acordo com Bruna Perim, o azul , por exemplo, é uma cor que acalma, enquanto o vermelho é um tom bem mais vibrante.
A socióloga alemã Eva Heller defende, no livro “A psicologia das cores: como as cores afetam a emoção e a razão”, que mais do que apenas o gosto pessoal, as relações entre as tonalidades envolvem experiências universais.
“Podemos dizer que a casa só é um lar quando ela é transformada pelo dono, e o usuário se apropria do espaço e o transforma. Nessa relação de construção da identidade, surge a necessidade de organização e planejamento. Uma cozinha mal iluminada e sem ventilação é o suficiente para deixar estressado o usuário, porque afeta diretamente na execução das tarefas”, detalha Luciane Veiga.
Por isso, para a psicóloga Angelita Scardua, “quanto mais cuidamos da nossa casa, mais estamos cuidando de nós mesmos”. Até porque, apesar de sermos seres altamente adaptáveis, isso não significa que estamos felizes em um determinado lugar. Dessa forma, ter consciência dos elementos que contribuem para um ambiente que promove bem- -estar físico e emocional é muito importante.
“A gente se acostuma a não abrir as janelas, as cortinas, a ter televisão no quarto, a levar o celular para a cama. A gente se acostuma com hábitos que tornam o ambiente adoecido e que, com o tempo, também nos adoecem, prejudicam a qualidade de vida, a saúde física e mental”, finaliza a psicóloga.
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