Uma vez mais a sombra da censura avança em sua incessante busca por apagar a chama da Liberdade. Em sua manifestação mais recente vimos o Estado brasileiro censurar uma manifestação artística, o filme “Como se tornar o pior aluno da escola”, por uma suposta analogia à prática de pedofilia.
Em uma das cenas (a que motivou a citada restrição da liberdade de expressão) um personagem adulto sugere que dois garotos pratiquem ato de conotação sexual. Mas, será que a mera existência de um personagem (“figura humana criada por um autor de obra de ficção” ) pedófilo representa uma apologia a esta prática?
Se a resposta for positiva, teríamos que assumir que qualquer produção cinematográfica, obra literária ou jogo eletrônico que retrate um homicídio, uma fraude, um ato de corrupção ou suborno, práticas de assédio ou de estupro estaria, necessariamente, realizando uma apologia a esses atos.
Certamente não faria sentido algum proibirmos qualquer filme, game ou livro que traga em seu conteúdo a prática de algum crime ou alguma conduta considerada antiética.
Antes fosse o maior problema desse recente exemplo de violação à Liberdade a ausência completa de lógica entre o cenário avaliado e a decisão estatal proferida. Na verdade, a grande ameaça, presente em suas entrelinhas, está no caráter autoritário da decisão.
Quantas vezes a chama da Liberdade não foi reduzida em nome de uma suposta “moral” e dos “bons costumes”? Talvez o mais conhecido exemplo sejam as piras de livros acendidas pelo regime nazista no ano de 1933 , em uma grande oferenda à Mahishasura (o búfalo-demônio que no hinduísmo representa a ignorância).
Goebbels, ministro da propaganda do Estado Nazista, ficou a cargo da tarefa de incinerar mais de 17 milhões de livros em nome de uma “limpeza” da literatura alemã. Hanns Johst, um poeta nazista, afirmou, na época, que existia uma: “necessidade de purificação radical da literatura alemã de elementos estranhos que possam alienar a cultura alemã”.
Outro poeta alemão, Heinrich Heine, parecendo prever os terríveis eventos futuros que acometeriam sua terra, afirmou no século XIX: “Onde se queimam livros, acaba-se queimando pessoas."
Infelizmente as fogueiras alemãs não foram as únicas acesas ao longo da história. Exemplos se estendem desde o governo de Zhao Zeng, no Império da China, e as censuras na Grécia Antiga, até o “Index Librorum Prohibitorum” da Igreja Católica e as censuras promovidas pelas ditaduras dos séculos XX e XXI.
Apesar das citadas ameaças à Liberdade, um elemento é capaz de trazer certo conforto: assim como o fogo, a Liberdade transforma em combustível tudo aquilo é atirado contra ela.
A liberdade de expressão é uma condição para a promoção do desenvolvimento humano, piras onde se queimam ideias “arrasam” a terra na qual estas floresceriam.
Sem o combustível da Liberdade, as ideias, responsáveis pelos avanços científicos e tecnológicos que permitiram o desenvolvimento do indivíduo, não poderiam prosperar.
Assim como vimos nos exemplos citados, é extremamente sedutor ceder à tentação de proibir manifestações artísticas, discursos e ideias que discordamos, ou mesmo que acreditamos possuir algum potencial lesivo à forma como, individualmente, acreditamos que o mundo deveria ser.
Quantas vezes você já não se pegou pensando, no calor do momento, que isso ou aquilo deveriam ser proibidos; que a defesa de certas ideais ou que alguns discursos são ofensivos demais para serem permitidos?
Contudo, a cada vez que cedemos à tentação do autoritarismo, ainda que pensemos que assim “estamos tornando o mundo melhor” (nós vimos, por meio dos eventos históricos compartilhados, o quão prejudicial à Liberdade e para o desenvolvimento humano essa crença pode ser), estamos escolhendo alimentar o Leviatã em detrimento da chama da Liberdade.
Mais uma vez é chegada a hora de decidirmos. Iremos ceder a tentações autoritárias? O que queremos? Ser como os nazistas e queimar ideias em uma fogueira de livros? Ou alimentar a chama da Liberdade com ideias?
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