Após a Assembleia Legislativa do Espírito Santo (ALES) aprovar o projeto de lei que define o sexo biológico como único critério para participação de atletas transgênero em competições esportivas, presidentes de federações de esporte do Estado se manifestaram. Para alguns dos dirigentes, o esporte é ferramenta de inclusão social e deve abraçar a todos sem discriminação. Para outros, o ideal é separar os atletas de acordo com o sexo biológico, como diz o projeto da ALES.
O objetivo da proposta debatida e amplamente aprovada pelos deputados estaduais é que atletas transgênero não participem de competições no Espírito Santo pelo gênero em que se identificam, mas sim, pelo gênero em que nasceram. O texto aprovado é de autoria do deputado Capitão Assumção (PL), e uma proposta idêntica, protocolada posteriormente pelo deputado Vandinho Leite (PSDB), foi anexada à matéria votada.
A pauta levantada na Assembleia contraria o Comitê Olímpico Internacional, que já sinalizou os critérios técnicos e específicos para a orientação e participação de pessoas transgênero no esporte.
Monika Queiroz, presidente da Federação de Ginástica do Espírito Santo (Fesg), explica que o esporte deve ser trabalhado com todos, sem discriminação. “Oficialmente, pelas regras da Federação Internacional de Ginástica, nosso esporte é praticado apenas por mulheres [no sexo biológico]. Mas a presença de outros gêneros é totalmente bem-vinda, porque é uma prática que envolve corpo, músicas e aparelhos. A questão de proibições não faz sentido, já que outros países têm competições masculinas extraoficiais com o mesmo espaço e aparelhos estipulados pela regra oficial, ainda destinada somente às mulheres”, frisa.
Apesar das regras do órgão regulador da ginástica, Monika afirma que o esporte é uma ferramenta de inclusão social, e não deve afastar, mas sim acolher as pessoas. “É muito importante falarmos sobre as questões de gênero e do respeito às individualidades. Antes de tudo, nosso papel como dirigentes e gestores esportivos é abraçar todas as causas e aquilo que for melhor para o esporte, para estarmos longe de preconceitos e aliados ao respeito”, complementa.
Já Marcelo Salermo, presidente da Federação de Bodyboard do Estado do Espírito Santo (Febbees), é favorável ao Projeto de Lei votado pela ALES. “Sou totalmente contra essa questão de mudança de gênero no meio do processo [esportivo]. Sei que as pessoas têm suas convicções e seus desejos, mas, na minha opinião, o ideal é vetar em 100% a participação de atletas transgênero, até porque a genética masculina é totalmente diferente da genética feminina e vice-versa”, diz Salermo.
Cássio Murilo, presidente da Federação Capixaba de Triatlo (Fecatri) defende um aprofundamento maior no assunto, para que não haja discriminação no esporte.
“Honestamente é um assunto muito polêmico, e justamente por isso, acho que necessitava de um aprofundamento maior. Eu, como pessoa física, e não pessoa jurídica como presidente da Fecatri, não sou a favor, mas mesmo assim acho que as coisas e as pessoas evoluem. E creio que haja a necessidade de uma evolução desse pensamento, mas só com uma grande pesquisa e aprofundamento no assunto. Na verdade, eu sou a favor de um esporte limpo, dentro das regras e onde todos tenham condições de disputar. Então se existe alguma dúvida quanto a isso, é algo que deve ser pesquisado antes de se liberar”, diz Cássio.
André Schieck, presidente da Federação Capixaba de Atletismo (Fecat), explica que é cedo para que o impacto da participação de atletas transgênero seja mensurado. “É importante salientar que o esporte não se basta apenas a essa dimensão. O esporte pode, e deve ser utilizado como um meio de educação social, de inclusão social e promoção de saúde e lazer”.
Para Schieck, o esporte possui dimensões que oportunizam a prática para todos na sociedade. “Quando nos referimos ao esporte de competição, este possui suas regras e regulamentos específicos que norteiam o trabalho de todas as instituições de administração do esporte na sociedade”.
De acordo com André, os debates entre a Fecat, Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt) e da World Athletics possuem regulamentos específicos de elegibilidade, e por isso, o órgão capixaba precisa agir consoante as demandas das entidades nacionais e internacionais. "Em relação aos atletas transgêneros, o conselho concordou em excluir atletas transgêneros masculinos para femininos que passaram pela puberdade masculina da competição feminina do Ranking Mundial a partir de 31 de março de 2023.", diz Schieck.
Para Alberto Muniz, presidente da Federação de Surfe do Espírito Santo (Fesurf), o ideal seria a criação de uma categoria especifica para atletas transgênero, mas sem excluí-los da convivência e colaboração com os atletas cisgêneros (que se identificam com o sexo biológico que nasceram).
“Acredito que devemos caminhar para a criação de uma categoria conforme o gênero. Se a pessoa nasceu no sexo masculino, mas se identifica como sendo do sexo feminino, ela deveria competir com pessoas que vivem a mesma realidade, e assim creio que haja um equilíbrio”, salienta o dirigente.
Marcos Duarte, responsável pela Federação de Ciclismo do Espírito Santo (Fesc), explica que a Confederação Brasileira de Ciclismo estuda o assunto para compreender as particularidades de cada atleta dentro das competições, para que inclusão de atletas trans não se torne um tabu.
“Tem um viés muito grande que precisa ser analisado pela ciência. O ciclismo é dividido em categorias de idade, pensando justamente no esforço e desempenho físico dos atletas. Não é só questão de ser homem ou mulher, mas sim de entender até onde o corpo suporta. Nesse momento, vejo que o mais viável seja a criação de categorias exclusivas para o público trans. Ou seja, as mulheres trans tendo sua categoria, e os homens trans com a sua, até que possamos chegar a um senso, com a ciência, de entender qual a melhor forma de atuação dos atletas diante do desenvolvimento no esporte”.
Marcos complementa: “É um assunto delicado. Sou a favor da inclusão do público LGBTQIA+ no meio esportivo e que eles precisam de um espaço melhor na sociedade, pois já passam por discriminação e marginalização. Mas considerando a questão esportiva, não podemos pensar apenas na questão de respeito, mas sim a de igualdade no alto rendimento. São questões distintas e o preconceito ainda está no meio”, finaliza o presidente da Fesc.
Para Pedro Paulo Francelino, da Federação Espírito Santense de Taekwondo (Festkd), os meios de inclusão no esporte não podem ser confundidos com os formatos de competição. “O esporte é para todos, independente de sexo, cor ou religião. Isso é fato, mas os esportes de competição são separados por modalidades masculinas e femininas, para que haja uma igualdade entre os atletas na proporcionalidade de peso, força e afins. A inclusão no esporte se dá por meio de projetos sociais, atendendo todas as classes e isso não depende de sexo ou de gênero”, explica Pedro Paulo.
As federações capixabas de boxe, natação, vôlei, futebol e handebol também foram procuradas pela reportagem, mas até o encerramento desta matéria, não se pronunciaram.
Após votado e aprovado pela Assembleia Legislativa, o texto que trata da participação de atletas transgêneros em competições esportivas foi enviado para sanção ou veto do governador Renato Casagrande (PSB). A legislação estabelece prazo de 15 dias para o governo se manifestar, assim que receber a proposta, com base em parecer da Procuradoria-Geral do Estado.
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