> >
"Inalcançável", diz autor de biografia sobre Ayrton Senna

"Inalcançável", diz autor de biografia sobre Ayrton Senna

Conversamos com Ernesto Rodrigues, jornalista e escritor do livro "Ayrton - o herói revelado", que comentou sobre a vida de um dos maiores ídolos do esporte brasileiro

Publicado em 6 de maio de 2024 às 15:53

Ícone - Tempo de Leitura 1min de leitura
Breno Coelho
Estagiário / [email protected]

Gênio. Esse é o adjetivo mais utilizado para descrever Ayrton Senna. Nesta última quarta-feira (1), completaram-se 30 anos da morte do tricampeão da Fórmula 1, considerado por muitos o maior ídolo do esporte brasileiro. Seu legado ultrapassa a barreira do tempo e o ex-piloto conquista fãs até os dias de hoje. Mesmo quem nunca assistiu uma corrida de Senna, se emociona ao ouvir o famoso tema da vitória, tocado em cada triunfo do brasileiro. 

A reportagem de A Gazeta teve a oportunidade de entrevistar Ernesto Rodrigues. Ele é jornalista, escritor e autor do livro "Ayrton - o herói revelado", uma biografia que destrincha a vida e a carreira de Senna. Confira a entrevista completa abaixo e no vídeo acima,

Como começou sua relação com o automobilismo?

  • Ela antecede a minha carreira como jornalista. Me formei em jornalismo, nunca fui de nenhuma editoria de esportes, sempre trabalhei com assuntos gerais, mas sempre gostei muito de Fórmula 1, desde os tempos do Emerson (Fittipaldi), do Nelson (Piquet) e também do Senna, então fui um privilegiado em ver uma geração que teve essa “tempestade brasileira” na categoria, que teve oito títulos em duas décadas. Sempre que a Fórmula 1 chegava ao Brasil eu me candidatava ou era convidado para cobrir, isso aconteceu no Jornal do Brasil e na TV Globo, onde eu dirigi todas as edições do Globo Repórter feitas sobre o Ayrton. A de 88, no título dele, uma em 90, a edição do enterro dele e depois fiz séries sobre ele aos 10 e 20 anos da morte dele.

Como surgiu o interesse sobre a vida do Ayrton, além da admiração pela carreira que ele trilhou?

  • Meu interesse foi muito mais jornalístico do que uma admiração por ele, que eu já tinha. Era impossível não admirá-lo, ainda mais conhecendo a Fórmula 1 como eu conhecia. Inclusive eu era Piquetista, não no sentido da baixaria, mas era um grande fá do Nelson Piquet e por isso até demorei um pouco para reconhecer o talento do Ayrton e a importância dele. Depois, quando ele se consolidou eu o admirava e acompanhava o trabalho dele, mas o que me levou a me interessar pelo Ayrton como objeto de uma biografia foi o fato de que em 99 eu estava desempregado e buscando novos caminhos, percebi que não existia uma biografia clássica sobre ele, que entrava na vida do biografado, seja ele quem for. Como não existia, caí dentro desse projeto que me tomou quase três anos da minha vida e foi muito gratificante.

Como foi a produção da biografia? Quais desafios que você enfrentou?

  • É preciso lembrar que na época em que fiz o livro, na virada dos anos 2000, não existia internet, google, inteligência artificial, essa pesquisa que hoje é feita instantaneamente. Era um trabalho de carpintaria mesmo, consegui patrocínio e montei uma pequena equipe para fazer a pesquisa comigo, mas o que realmente me impulsionou e fez diferença no meu livro foi o fato de que uma família que era muito amiga da minha família, lá no sul de Minas, sou de Lambari, tinham uma paixão pela Fórmula 1. A dona Leda era especialmente apaixonada pelo Ayrton e tinha juntado durante décadas recortes organizados em ordem cronológica sobre Fórmula 1 e sobre o Senna. Um dia cheguei na casa dela, o Ayrton já tinha morrido, e ela me mostrou uma montanha de pacotes de papelão cheios desses recortes, e naquele momento decidir fazer o livro com aquela pesquisa. Isso foi fantástico porque me deu uma consistência no conteúdo, tanto que depois de 20 anos, nunca precisei corrigir nada, e a pesquisa foi uma base de uma programação de mais de 200 entrevistas que cumpri, viajando pelo Brasil e por 7 países, e que dão a esse livro uma sustentação jornalística muito boa.

O que representa para você, como jornalista, ter escrito uma biografia sobre um dos maiores ídolos do esporte brasileiro?

  • Tenho muito orgulho disso e sou agradecido a essas surpresas que a vida dá. Eu tinha uma carreira de jornalista em que eu nunca imaginava que publicaria um livro, sempre gostei muito de ser repórter, editor de revista, da profissão de jornalista. Houve uma demissão na minha vida, tive que redesenhar a rota e embarquei nesse projeto que hoje é uma obra referencial sobre o Ayrton e tenho muito orgulho como jornalista, como fã de Fórmula 1 e como brasileiro. Foi, certamente, um dos melhores trabalhos da minha vida profissional.

Acredita que foi possível representar tudo o que foi o Ayrton Senna na sua biografia?

  • Foi justamente por ele ter se transformado nessa figura mítica, e acho que a explicação dessa mitificação dele foram as circunstâncias terríveis da morte dele, que morreu ao vivo para o mundo todo, isso foi um impacto que o transformou em um motivo de atenção e curiosidade. Acho que o livro ajuda a colocar o “mito” nas proporções humanas, eu não embarco nessa mitificação, até porque eu preferia muito mais que o Ayrton tivesse morrido bem velinho depois de ter saboreado todo o sucesso que teve, de ter saboreado todas as coisas boas e ruins da vida como qualquer ser humano, do que da forma como foi. A minha biografia é eminentemente um documento jornalístico, não uma tese sobre o Ayrton, então o meu livro ajuda a ver nesse mito as características humanas, a personalidade dele, os momentos difíceis, até que ponto ele foi religioso como alguns querem crer e outros dizem que não foi, isso tudo está no livro.

Qual passagem da biografia mais te chamou a atenção?

  • Como ser humano, não me surpreendeu o perfil psicológico, o pensamento dele sobre o Brasil, a maneira com se relacionou afetivamente, isso tudo não teve nada de muito diferente de um jovem da idade dele nas circunstâncias do Brasil naquela época. Agora eu tenho que dizer que, embora não seja necessário gostar de Fórmula 1 para ler o livro, o que realmente me impressionou foi o Ayrton Senna piloto, e olha que eu acompanho o esporte desde 1972, devo ter visto praticamente o mesmo número de corridas que o Reginaldo Leme (risos). Me chamaram a atenção as características em extremo que ele tinha: em primeiro lugar a bravura, era capaz de arriscar sua vida para conseguir uma ultrapassagem; em segundo lugar, a capacidade cognitiva absolutamente fora de série, ao ponto de em 1988, em Mônaco, na classificação, ele foi ficando em uma situação sensorial tão forte em que não conseguia mais diferenciar o que era o carro e ele, e com isso se assustou e parou nos boxes; em terceiro, o profissionalismo dele, tanto enquanto estava no cockpit, como na hora de negociar um contrato, como com o trato com a imprensa, sabia que era importante manter um bom relacionamento com a imprensa; e por último o afinco com a sua preparação física.

Senna realmente era o melhor de todos? Algum piloto seria capaz de batê-lo em condições iguais?

  • Primeiro preciso dizer que sou um fã de carteirinha do Lewis Hamilton, um dos grandes pilotos da história da Fórmula 1. Agora, o Ayrton é impressionante como mesmo após 30 anos de sua morte, ele ainda figura entre os melhores em pesquisas e enquetes no mundo todo. Se você me perguntar, eu nunca vi nenhuma corrida do Fangio, do Jim Clark, apenas trechos de corridas, mas eu confio muito nos cronistas de todas as línguas que contaram a história dessa época, e levando em conta esse respeito aos meus colegas, sem conhecer, eu aceito a ideia que o Fangio e o Clark foram dos maiores, e eu diria que o Ayrton seria o maior dessa geração posterior por essas características que eu descrevi, que formaram um pacote inalcançável. Tem o Schumacher, o Hamilton que é muito próximo, tem agora o Verstappen, mas com a característica do Ayrton e com tudo que ele fez antes de pilotar carros competitivos e campeões foram verdadeiros milagres.

Você considera o legado do Ayrton Senna positivo para o automobilismo brasileiro, levando em conta que não houveram mais brasileiros campeões desde a sua morte?

  • Isso eu considero o lado desastroso do sucesso dos nossos campeões. O torcedor brasileiro os transformaram em uma figura quase impossível. A maneira como trataram o Rubens Barrichello, por mais que ele tenha responsabilidade sobre isso porque aceitou a ideia de ser o sucessor do Ayrton, em vez de deixar claro que não e permitiu que se esperasse isso dele, mas o que fizeram como ele, transformando em uma piada nacional, outros pilotos que tiveram histórias difíceis, como o Felipe Massa que era um belo piloto além de ser queridíssimo, esse foi o lado ruim da herança, essa ilusão de que ser campeão é questão de tempo. Dificilmente uma combinação que permitiu esses títulos todos do Brasil só se repetirá daqui a 200 anos, e olhe lá. Essa visão torna nós brasileiros completamente injustos na maneira em que observamos a carreira de outros pilotos que entraram na Fórmula 1 depois do Ayrton. Isso é ruim porque diminui as chances de um novo piloto brilhar na categoria, por conta desse grau terrível de exigência que nós fazemos em cima dos nossos pilotos.

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

Tags:

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais