Aos 21 anos, Gabriela Zidoi busca o sonho de vários meninos e meninas que tentam mudar a vida através do futebol: chegar à Seleção Brasileira. A atleta, nascida em São Paulo, mas que se mudou aos 15 anos para o Espírito Santo, onde se profissionalizou no futebol e chama de casa, conseguiu dar um grande passo nessa caminhada ao ir atuar na Europa. Passou por Portugal e, desde julho de 2021, estava no futebol ucraniano, atuando pelo Kryvbas. De repente, porém, a guerra que eclodiu entre Ucrânia e Rússia entrou no caminho dela.
O barulho usual dos campos de futebol, como apitos e gritos de incentivo, deram lugar aos sons de sirenes e de bombas. Gabriela teve de deixar Kryvyi às pressas. A cidade, no Sudeste da Ucrânia com cerca de 630 mil habitantes, estava sendo cercada por tropas russas. Agora em Portugal, ela relata os momentos de tensão que viveu na última semana.
"É um alívio imenso, não só para mim, como para minha família, porque não foram dias fáceis. Por mais que na cidade que a gente estava não estava tendo ataque, não eram dias fáceis. A gente ouvia a sirene e tinha que descer correndo para um bunker, então a gente nunca sabia o que podia acontecer. É poder botar a cabeça no travesseiro e dormir tranquila sem esperar uma sirene ou uma mensagem de que algo aconteceu", contou, aliviada.
Gabriela explicou que Kryvyi não estava entre os principais alvos do exército russo, mas que uma base militar foi bombardeada próximo ao hotel onde ela e a delegação do Kryvbas estavam. Com as cidades vizinhas sendo ocupadas, a atleta contou que as jogadoras começaram a se sentir encurraladas.
"Na nossa cidade não tinha ataques, mas tinha os sustos. O nosso presidente estava dando todo o apoio na questão de hospedagem, alimentação, água. Só que a gente via que a nossa cidade estava sendo cercada, não por estarem entrando na nossa cidade, mas as cidades em volta estavam sendo atacadas, então a gente estava começando a ficar encurralada. A gente pensou, ‘se a gente demora mais um pouco para sair daqui, talvez a gente não consiga mais'", narrou Gabriela.
Gabriela e as outras duas brasileiras que também atuavam no Kryvbas, Kedma Laryssa e Lidiane de Oliveira, não falam a língua ucraniana e possuem apenas inglês básico. Elas tentaram fugir da cidade sozinhas e acabaram não conseguindo, pois o trem já estava lotado. No dia seguinte, outras jogadoras do time resolveram também sair de Kryvyi, o que, para Gabriela, foi de grande ajuda.
"A gente saiu da nossa cidade de trem, foi muito difícil. No primeiro dia, na quarta-feira passada (2), a gente tentou entrar no trem, mas não conseguiu, porque eram muitas pessoas e estavam só nós três do time. No dia seguinte, mais quatro jogadoras falaram que iam embora e elas falam a língua local e inglês fluente, nosso inglês é básico e a gente não fala a língua local. Então foi uma ajuda enorme para a gente", destacou.
As três brasileiras conseguiram embarcar no trem na quinta-feira (3), mas a viagem não foi fácil. Gabriela relatou que o espaço era muito pequeno para a quantidade de passageiros. Ao todo, segundo ela, eram 17 pessoas em uma área de 3,6 m². Ela contou, porém, que as jogadoras entenderam que o mais importante era a companhia de outras atletas.
"Quando não conseguimos entrar no trem, não ficamos revoltadas. A gente entendeu que não era o momento de sair, porque talvez, se tivéssemos ido sozinhas, sem entender a língua, poderiam acontecer coisas que a gente não iria saber como lidar e resolver", pontuou.
De trem, Gabriela seguiu até a Polônia, de onde pegou um voo para Portugal, país no qual moram os pais dela. A atleta contou que já está acertada com um time do país luso e que vai continuar atrás do sonho de jogar na seleção brasileira atuando na Europa. E depois de toda a apreensão, Gabriela ainda prefere tirar ensinamentos da situação pela qual passou.
"Vou continuar na Europa, vou jogar em um time de Portugal. Não vou parar, porque meu foco é chegar na Seleção Brasileira e não vou desistir. A gente passa por situações na nossa vida que vai ficando mais forte. Não desejo isso para ninguém, mas, no momento, a gente teve que passar por isso", disse.
Ela, porém, ressaltou o desejo e não voltar para a Ucrânia. Gabriela afirmou que o trauma depois de ter visto de perto uma guerra foi muito grande e que não deseja que nem ela, nem a família dela, tenha que enfrentar uma situação parecida.
Gabriela contou que começou a jogar futebol no Vila Nova, tradicional equipe do futebol feminino capixaba. Logo na primeira partida como profissional, porém, ela teve uma grave lesão no joelho. A recuperação, que deveria durar entre oito meses e um ano, foi bem mais rápida do que o esperado e Gabriela retornou aos gramados em quatro meses.
Os treinos do Vila Nova, porém, aconteciam à noite, em Vila Velha, e ela morava no município da Serra. Como ela ainda era muito nova e o trajeto era perigoso, a mãe dela pediu que a atleta encontrasse um time mais perto de casa. Foi aí que Gabriela passou a atuar pelo Serra, tanto no futebol de campo quanto no Fut7.
"Depois eu vim para Portugal pela primeira vez, em 2018. Foi quando joguei pelo Benfica, depois passei pelo Atlético Clube de Portugal, quando a gente conseguiu vaga para a Liga BPI, a primeira liga em Portugal. No terceiro ano pelo Atlético foi quando surgiu a proposta para ir para a Ucrânia, para o Kryvbas", finalizou a atleta.
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