O resgate de um filhote de baleia-jubarte no Espírito Santo pode ajudar a mudar o rumo da longevidade dos animais dessa espécie no país. Em setembro de 2023, por dois dias consecutivos, um filhote recém-nascido, que ainda estava com o cordão umbilical, encalhou na Praia de Manguinhos, na Serra, e a atitude da equipe que participou do resgate colaborou com a mudança para a tomada de decisões em situações parecidas.
Pelo protocolo utilizado na época, animais encalhados e em sofrimento aparente deveriam passar pelo processo de eutanásia. Entretanto, após a identificação de boas condições de saúde no filhote — mesmo com variados ferimentos — e a presença da mãe na costa, fez com que os especialistas contrariassem o procedimento padrão, devolvendo o animal ao mar após um trabalho de salvamento que ultrapassou seis horas.
Presente na operação, João Marcelo Nogueira, diretor-executivo do Instituto Orca, que realiza o monitoramento de praias no litoral capixaba, contou à reportagem de A Gazeta que, a decisão, naquele momento controversa, salvou a vida do animal e pode salvar ainda mais ao redor do Brasil.
“Estávamos com o protocolo na mão. Mas foi um atendimento atípico de um filhote que perdia muito sangue e tudo apontava para a eutanásia. Porém, a mãe apareceu e ele começou a reagir, o que é extremamente raro”, lembra João.
Segundo o gestor do instituto, além de reagir aos estímulos da equipe de resgate, o animal ferido vocalizava ao ouvir o contato da mãe, que ficou na região durante todo o processo. Dias depois, o “pequeno gigante”, batizado de Jurema por uma criança moradora da região, apareceu nadando com a mamãe jubarte. Um caso raro na espécie que surpreendeu os responsáveis pela iniciativa.
A atitude do grupo, que contou com a análise de sangue do filhote em laboratório, comprovando a boa saúde, mostrou que a decisão de devolver o recém-nascido ao mar foi acertada. O resultado positivo do litoral capixaba foi somado a casos parecidos no país, alterando o protocolo da Rede de Encalhe e Informação de Mamíferos Aquáticos do Brasil (REMAB), documento que não esclarecia quem deveria tomar a decisão sobre a vida do animal.
“Com a definição daquele dia, o protocolo foi alterado nacionalmente. Hoje, a decisão sobre a eutanásia deve partir do veterinário que estiver presente no local de resgate. Ele deve fazer a avaliação e tomar a decisão. A gente entende isso como uma nova oportunidade de vida aos animais”, pontua João Marcelo.
Por meio de um vídeo feito pelo grupo Amigos da Jubarte, o animal do sexo masculino resgatado foi visto nadando — com saúde — ao lado da mãe. Muitos 'bebês' baleias acabam morrendo após o desencalhe por não encontrarem mais a figura materna, o que não aconteceu com o 'Jurema'.
“Infelizmente, em casos como esse [de desencalhe], já é esperado que o animal vá morrer ou que encalhe novamente. Esse foi um verdadeiro momento especial onde sentíamos que o filhote estava querendo viver, e foi o que aconteceu”, contou Thiago Ferrari, coordenador do projeto Amigos da Jubarte.
A identificação do animal três dias depois do resgate foi possível graças a imagens feitas por um drone de monitoramento que, por meio dos vídeos captados, facilitou o reconhecimento de uma cicatriz em formato de meia-lua na nadadeira caudal do animal.
O sistema, segundo Thiago, faz parte de um projeto de pesquisas desenvolvidas para a captação de imagens para avaliação comportamental, composição social e de saúde dos animais marinhos, com apoio da pesquisadora Sâmia Alpoim, responsável por identificar a cicatriz no filhote.
“Vivemos o começo, meio e fim de uma história feliz mesmo diante de pouquíssimas chances. Agora, realizamos um trabalho de procura para que possamos capturar esse filhote, verificando o estado de saúde dele quase um ano depois do resgate”, explica Thiago.
A expectativa do grupo é voltada para que o animal esteja vivo e acompanhado da mãe, já que filhotes dessa espécie só alcançam aos três anos a independência.
Casos de encalhe de animais no litoral do Espírito Santo, infelizmente, não são raros. A orientação dada por especialistas é que as pessoas não tentem resgatar os animais nesta situação, mas, que se possível, isolem a área. Filhotes como o resgatado na Serra podem pesar até uma tonelada e podem machucar alguém, mesmo que a pessoa esteja tentando ajudar.
O ideal é informar ao Ibama pelo telefone 0800 039 5005, responsável por acionar o Projeto de Monitoramento de Praias (PMP).
A versão inicial desta matéria informava que o protocolo alterado após o resgate do filhote na Praia de Manguinhos fazia parte da Rede de Desencalhe de Mamíferos do Nordeste (Remane), o que estava incorreto. O documento de fato alterado faz parte da Rede de Encalhe e Informação de Mamíferos Aquáticos do Brasil (REMAB). Com a informação recebida pela reportagem de A Gazeta, o texto foi corrigido.
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